Adversidades enfrentadas pelo titular da pasta, Camilo Santana, contrastam com clima de entusiasmo e otimismo de sete dias atrás

Na sexta-feira da semana passada, o ministro da Educação, Camilo Santana, mostrava entusiasmo e otimismo ao lançar o Pé-de-Meia, programa de bolsas para estudantes de ensino médio de baixa renda. Ontem, esse momento parecia estar a uma distância maior do que sete dias. 

A semana foi de turbulências, com problemas na divulgação da lista de aprovados para as universidades públicas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) de 2024, que atraíram críticas até da União Nacional dos Estudantes (UNE) no X (ex-Twitter). Em meio às tentativas de solucionar a questão, a troca na presidência da Capes, fundação que supervisiona as bolsas de pesquisa do país, colheu como reação elogios de pesquisadores a Mercedes Bustamante, exonerada do cargo.

O MEC admitiu ontem que, antes do atraso de quase 24 horas da divulgação do resultado do Sisu, houve uma liberação indevida de resultados provisórios ainda não homologados, o que gerou a revolta de candidatos e as críticas da UNE.

Os resultados deveriam ter sido liberados na última terça-feira. Pela manhã, candidatos conseguiram acessar o site do Sisu 2024 por volta das 9h. Segundo o MEC, esse acesso durou apenas 25 minutos. No entanto, esse tempo foi o suficiente para que vários estudantes compartilhassem nas redes sociais capturas de tela que mostravam a aprovação. O problema é que aquela lista ainda era provisória e não tinha sido homologada. Ela foi retirada do ar e só republicada, com ajustes, no final do dia seguinte.

— Vamos com muita firmeza tentar identificar onde ocorreu o erro — disse Camilo Santana, à rádio CBN, antes de a pasta confirmar à noite que foi aberta uma sindicância sobre o caso.

Ferramenta da UNE

A revolta dos estudantes se deu porque alguns deles viram que foram aprovados na manhã de terça e quando a lista final foi divulgada, receberam a notícia de que, na verdade, não tinham conseguido. Isso motivou a UNE a lançar uma ferramenta para que estudantes que se sentiram prejudicados denunciassem os problemas.

— O próprio MEC teria que ter criado um canal para juntar as denúncias dos estudantes, mas nada foi feito. Os advogados da UNE já foram acionados para notificar o MEC e cobrar uma resposta sobre o que houve. Todo mundo é passível de erro, mas é importante que esse erro seja esclarecido porque não se pode brincar dessa forma com o sonho de estudantes. — criticou Manuela Mirella, presidente da UNE, que faz parte do movimento social União da Juventude Socialista (UJS), ligado ao PCdoB.

Ontem, no fim do dia, Mirella e Jade Beatriz, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), foram recebidas na Sesu para tratar dos problemas. As duas entidades pretendem entrar com uma ação judicial pedindo esclarecimentos ao MEC.

— Há relatos de jovens com crise de ansiedade, sem nenhum amparo psicológico ou jurídico — afirmou a presidente da UNE.

Um desses jovens foi Tiago Melo, que viu seu nome entre os aprovados em Tecnologia da Informação e chegou a raspar a cabeça para comemorar a vaga. Na quinta-feira, descobriu que, na verdade, não havia sido aprovado em nenhuma das duas opções de curso que havia escolhido.

— Eu e minha família vibramos muito. Fomos para o cursinho comemorar, tirei muitas fotos, saí em rádio. Até que, pela tarde, fomos avisados de que era para desconsiderar os resultados do dia 30. No fim, me decepcionei — contou Tiago.

Em nota, a pasta afirmou que “se solidariza com os estudantes” e estruturou uma força-tarefa para receber e solucionar quaisquer dúvidas relacionadas ao processo do sistema, que podem ser encaminhadas para o endereço resultadosisu24@mec.gov.br.

Mudanças na Capes

Toda essa turbulência ocorre em meio a mudanças no comando da Secretaria de Ensino Superior (Sesu), responsável pela seleção no Sisu. Denise Pires de Carvalho, que comandava a secretaria, foi para a presidência da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no lugar de Mercedes Bustamante.

Na Sesu, será promovido o sociólogo e professor da UFRJ Alexandre Brasil, atual diretor de Políticas e Programas de Educação Superior da secretaria, levado ao MEC por Denise. De acordo com Camilo, as mudanças não têm a ver com os problemas do Sisu. À CBN, ele busca maior integração entre a Capes e a Sesu.

— Deixei na Sesu uma pessoa que já estava com a Denise na secretaria para ter uma integração maior nesses dois órgãos. Agradeci muito a contribuição da professora Mercedes — afirmou.

Mas a saída de Bustamante foi lamentada pela comunidade acadêmica. Um manifesto assinado por quase cem pesquisadores, a maior parte de coordenadores de áreas na própria Capes, afirmou que as ações da gestora “repercutirão ao longo dos tempos”.

“Somos gratos e gratas por ações que buscaram atender — e atenderam — muitos dos anseios de toda a comunidade científica, entre os quais destacamos o empenho em restaurar a dignidade do jovem pesquisador quando do reajuste das bolsas”, lembrou o documento.


Fonte: O GLOBO