Com amplo domínio político do governo de Mauro Mendes (União) sobre a Assembleia Legislativa, opositores têm buscado ações judiciais para tentar barrar as movimentações mais polêmicas
Único estado do país que reúne três biomas — Cerrado, Pantanal e Amazônia —, o Mato Grosso vem registrando uma sequência de aprovações de leis que flexibilizam a proteção ambiental e dão mais permissões para as principais atividades de sua economia: mineração, agropecuária e geração de energia. Segundo organizações socioambientais, a situação traz consequências para o Pantanal e afeta o que já era a fronteira de desmatamento mais relevante da Amazônia nas últimas décadas.
Com amplo domínio político do governo de Mauro Mendes (União) sobre a Assembleia Legislativa, tanto ONGs quanto o Ministério Público local têm recorrido a ações judiciais para tentar barrar as movimentações mais polêmicas.
Em 2022, Mauro Mendes reelegeu-se em primeiro turno, com 68,5% dos votos. Além da aprovação popular, ele conta com uma base fiel de 15 dos 24 deputados estaduais. A oposição tem dois nomes do PT, e os demais variam com o tema. O governador já protagonizou iniciativas polêmicas, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impede a criação de novas Unidades de Conservação por dez anos enquanto não houver regularização fundiária e a sugestão de uma lei para vetar a atuação de ONGs ambientais.
Três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) foram apresentadas só nos últimos dois anos. Elas contestavam leis que passaram a permitir a agropecuária extensiva no Pantanal, que proibiram a pesca comercial por cinco anos e que liberaram a mineração em área de Reserva Legal.
No passado recente, o Mato Grosso vem registrando uma expansão econômica acima da média brasileira, muito em função da agropecuária. Ao fim de 2023, o governo celebrou a marca de segundo maior PIB per capita do Brasil: R$ 65.426,10 por habitante. Depois do agro, os setores que mais contribuíram foram a indústria, geração e distribuição de energia elétrica, indústria de transformação, construção civil e extração mineral.
Os números explicam o projeto político da atual administração, mas, segundo opositores, ele não seria sustentável. Além da concentração de renda, as maiores críticas são os problemas socioambientais.
No estado ficam nascentes de importantes bacias hidrográficas, como a da Prata e a Amazônica. Estudos do Mapbiomas indicam que o Pantanal perdeu 74% da superfície de água entre 1985 e 2022.
— A gente não briga contra um governador, briga contra uma máquina. É uma estrutura de repressão contrária ao desenvolvimento sustentável, um rolo compressor em prol do único modelo econômico que aceitam — afirma Edilene Fernandes do Amaral, consultora do Observatório Socioambiental do Mato Grosso.
Ao GLOBO, o governo disse ser o estado “que mais defende o meio ambiente e combate o desmatamento ilegal”. A gestão citou programas de monitoramento por satélite em tempo real e investimentos de R$ 240 milhões em cinco anos contra crimes ambientais.
Empresário bem-sucedido do ramo das telecomunicações, energia, indústria e mineração, Mauro Mendes declarou um patrimônio de R$ 108 milhões na última campanha. Hoje, a maior parte da fortuna está em nome de Luiz Antônio Mendes, filho de 26 anos do governador.
Em 2023, a Polícia Federal desmantelou um esquema de compra ilegal de mercúrio, substância usada no garimpo de ouro. Duas empresas de mineração das quais Luiz Antônio era sócio estavam envolvidas na investigação. Segundo o governo, a empresa que fazia a compra de mercúrio não tem ligações com Mendes.
'Drible' para aprovar lei
A liberação da criação de gado em áreas protegidas do Pantanal, em 2022, foi uma das primeiras do “rolo compressor” citado por ambientalistas. Na última quinta, a votação no Tribunal de Justiça do Mato Grosso que poderia anular a lei foi interrompida com placar de 6 a 3 pela suspensão. Segundo o Fórum Popular Socioambiental do Mato Grosso (Formad), a lei compromete a qualidade das águas, o equilíbrio ecológico e a sobrevivência de espécies, bem como comunidades tradicionais.
— A área é protegida federalmente, mas driblaram para aprovar a lei, liberando mais cultivos, produções e empreendimentos — afirma Herman Oliveira, da Formad.
Já o governo alega que a lei “impôs uma proibição ainda mais rigorosa para a proteção do bioma” e foi referência para iniciativa similar aprovada no Mato Grosso do Sul.
Questionadas, as leis têm sido substituídas por textos que retiram trechos mais duros, mas mantêm a premissa original. Foi o que ocorreu com a autorização de mineração em Áreas de Reserva Legal e com a proibição de pesca, ambas alteradas por novos projetos após a apresentação das ADIs.
No primeiro caso, ONGs citam que o novo texto manteve inconstitucionalidades — interferência no Código Florestal, que é federal, e legislar sobre mineração, prerrogativa da União. A lei da pesca, alvo de um processo de conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF), também foi alterada pelo governo. Agora, em vez da proibição total da pesca por cinco anos, o veto é restrito a 12 espécies de peixes.
Os críticos apontam que essas espécies são as de maior importância para as comunidades pesqueiras, que reclamam da falta de diálogo. Há duas semanas, após audiência no STF, Mauro Mendes gravou um vídeo dizendo que o objetivo da lei é repovoar os rios, proteger o meio ambiente e estimular o turismo de pesca.
— A população de peixes está diminuindo, sim, mas é por causa da poluição, do assoreamento, do mercúrio no rio. Só que o governo culpa o pescador — afirma Edilene Amaral.
Na visão de opositores, a estratégia do governo é lançar várias frentes simultâneas a fim de autorizar cada vez mais a exploração no Mato Grosso.
— Querem fazer do estado um fazendão, produtor e exportador de commodity — diz o deputado Lúdio Cabral (PT).
Já Frente Parlamentar da Agropecuária, a com 17 parlamentares, celebra:
— Nossa função é trabalhar para consolidar o Mato Grosso como terreno fértil para quem quer produzir e empreender — anunciou o deputado Diego Guimarães (Republicanos) na última reunião de 2023.
Paraíso ameaçado
Governo e deputados estaduais vêm propondo projetos que flexibilizam a legislação e ampliam permissões para atividades econômicas no MT. Com frequência, as reações vão parar na Justiça
Fonte: O GLOBO
Em 2022, Mauro Mendes reelegeu-se em primeiro turno, com 68,5% dos votos. Além da aprovação popular, ele conta com uma base fiel de 15 dos 24 deputados estaduais. A oposição tem dois nomes do PT, e os demais variam com o tema. O governador já protagonizou iniciativas polêmicas, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impede a criação de novas Unidades de Conservação por dez anos enquanto não houver regularização fundiária e a sugestão de uma lei para vetar a atuação de ONGs ambientais.
Três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) foram apresentadas só nos últimos dois anos. Elas contestavam leis que passaram a permitir a agropecuária extensiva no Pantanal, que proibiram a pesca comercial por cinco anos e que liberaram a mineração em área de Reserva Legal.
No passado recente, o Mato Grosso vem registrando uma expansão econômica acima da média brasileira, muito em função da agropecuária. Ao fim de 2023, o governo celebrou a marca de segundo maior PIB per capita do Brasil: R$ 65.426,10 por habitante. Depois do agro, os setores que mais contribuíram foram a indústria, geração e distribuição de energia elétrica, indústria de transformação, construção civil e extração mineral.
Os números explicam o projeto político da atual administração, mas, segundo opositores, ele não seria sustentável. Além da concentração de renda, as maiores críticas são os problemas socioambientais.
No estado ficam nascentes de importantes bacias hidrográficas, como a da Prata e a Amazônica. Estudos do Mapbiomas indicam que o Pantanal perdeu 74% da superfície de água entre 1985 e 2022.
— A gente não briga contra um governador, briga contra uma máquina. É uma estrutura de repressão contrária ao desenvolvimento sustentável, um rolo compressor em prol do único modelo econômico que aceitam — afirma Edilene Fernandes do Amaral, consultora do Observatório Socioambiental do Mato Grosso.
Ao GLOBO, o governo disse ser o estado “que mais defende o meio ambiente e combate o desmatamento ilegal”. A gestão citou programas de monitoramento por satélite em tempo real e investimentos de R$ 240 milhões em cinco anos contra crimes ambientais.
Empresário bem-sucedido do ramo das telecomunicações, energia, indústria e mineração, Mauro Mendes declarou um patrimônio de R$ 108 milhões na última campanha. Hoje, a maior parte da fortuna está em nome de Luiz Antônio Mendes, filho de 26 anos do governador.
Em 2023, a Polícia Federal desmantelou um esquema de compra ilegal de mercúrio, substância usada no garimpo de ouro. Duas empresas de mineração das quais Luiz Antônio era sócio estavam envolvidas na investigação. Segundo o governo, a empresa que fazia a compra de mercúrio não tem ligações com Mendes.
'Drible' para aprovar lei
A liberação da criação de gado em áreas protegidas do Pantanal, em 2022, foi uma das primeiras do “rolo compressor” citado por ambientalistas. Na última quinta, a votação no Tribunal de Justiça do Mato Grosso que poderia anular a lei foi interrompida com placar de 6 a 3 pela suspensão. Segundo o Fórum Popular Socioambiental do Mato Grosso (Formad), a lei compromete a qualidade das águas, o equilíbrio ecológico e a sobrevivência de espécies, bem como comunidades tradicionais.
— A área é protegida federalmente, mas driblaram para aprovar a lei, liberando mais cultivos, produções e empreendimentos — afirma Herman Oliveira, da Formad.
Já o governo alega que a lei “impôs uma proibição ainda mais rigorosa para a proteção do bioma” e foi referência para iniciativa similar aprovada no Mato Grosso do Sul.
Questionadas, as leis têm sido substituídas por textos que retiram trechos mais duros, mas mantêm a premissa original. Foi o que ocorreu com a autorização de mineração em Áreas de Reserva Legal e com a proibição de pesca, ambas alteradas por novos projetos após a apresentação das ADIs.
No primeiro caso, ONGs citam que o novo texto manteve inconstitucionalidades — interferência no Código Florestal, que é federal, e legislar sobre mineração, prerrogativa da União. A lei da pesca, alvo de um processo de conciliação no Supremo Tribunal Federal (STF), também foi alterada pelo governo. Agora, em vez da proibição total da pesca por cinco anos, o veto é restrito a 12 espécies de peixes.
Os críticos apontam que essas espécies são as de maior importância para as comunidades pesqueiras, que reclamam da falta de diálogo. Há duas semanas, após audiência no STF, Mauro Mendes gravou um vídeo dizendo que o objetivo da lei é repovoar os rios, proteger o meio ambiente e estimular o turismo de pesca.
— A população de peixes está diminuindo, sim, mas é por causa da poluição, do assoreamento, do mercúrio no rio. Só que o governo culpa o pescador — afirma Edilene Amaral.
Na visão de opositores, a estratégia do governo é lançar várias frentes simultâneas a fim de autorizar cada vez mais a exploração no Mato Grosso.
— Querem fazer do estado um fazendão, produtor e exportador de commodity — diz o deputado Lúdio Cabral (PT).
Já Frente Parlamentar da Agropecuária, a com 17 parlamentares, celebra:
— Nossa função é trabalhar para consolidar o Mato Grosso como terreno fértil para quem quer produzir e empreender — anunciou o deputado Diego Guimarães (Republicanos) na última reunião de 2023.
Paraíso ameaçado
Governo e deputados estaduais vêm propondo projetos que flexibilizam a legislação e ampliam permissões para atividades econômicas no MT. Com frequência, as reações vão parar na Justiça
- Proteção do Pantanal: Iniciativa do governo, a lei ainda não foi implementada. Ela libera a criação de gado em áreas protegidas no bioma, entre outras flexibilizações. O MP-MS recorreu à Justiça.
- Mineração em Reserva Legal: A lei permitia a proprietários rurais desmatar áreas da Reserva Legal para mineração, mas, após acordo, foi substituída por um texto que também vem sendo contestado.
- Cerco à pesca: O governo sancionou lei que proíbe transportar, armazenar e comercializar peixes. A medida foi parar no STF, e um novo texto foi apresentado, com veto específico a 12 espécies.
- Obras em áreas úmidas: Resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente permite obras com drenos em áreas úmidas e libera, com critérios, atividades potencialmente poluidoras. MP acionou a Justiça.
- Unidades de Conservação: Encaminhada pelo Executivo, a PEC impõe que unidades de conservação só sejam criadas se houver orçamento para indenizar proprietários, entre outras regras, mas ainda não foi votada.
- Destruição de bens apreendidos: A lei 12.295/23, do deputado estadual Diego Guimarães (Republicanos), dificulta a destruição de equipamentos utilizados em crime ambiental.
- Criminalização de ONGs: O governador pretende limitar a atuação de ONGs a favor do desmatamento zero. Segundo ele, só seriam liberadas aquelas que declararem "conhecer e respeitar" o Código Florestal.
- Extinção de parques: Uma lei de 2017, anterior à gestão atual, ainda tramita na Assembleia e poderá sustar o decreto de criação do Parque Estadual Serra Ricardo Franco, famoso pelo potencial turístico.
- Sem recurso: Outra ação, essa de uma empresa privada, pede anulação do decreto que criou o Parque Cristalino II. O governo estadual aceitou e não recorreu, mas o MP acionou a Justiça.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários