Medida afeta segmentos que empregam mais de 9 milhões de pessoas. Tema será tratado pelo Congresso Nacional em projeto de lei em regime de urgência

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta terça-feira uma medida que revoga a reoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia intensivos em mão de obra. Essa reoneração está hoje em vigor em medida provisória (MP) em tramitação no Congresso Nacional.

Com a revogação desse trecho, esses setores, que empregam mais de 9 milhões de pessoas, voltam a ter desoneração sobre a folha. A reversão atende a acordo político firmado pelo governo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Ao mesmo tempo, o governo enviará ao Congresso Nacional um projeto de lei prevendo a reoneração gradual da folha de pagamento desses setores. Na prática, o governo troca a medida provisória, que tem vigência imediata, por um projeto de lei em regime de urgência, que ainda precisa ser aprovado pelos parlamentares.

A iniciativa foi anunciada pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, por meio de um vídeo em que ele destacou que houve negociação com os parlamentares para chegar a esse caminho. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, também confirmou esse movimento.

— Hoje (ontem) foi assinado pelo presidente Lula o caminho para a continuidade dessa negociação — disse o ministro. — Desde o começo do ano, o governo vem discutindo, negociando, conversando sobre qual seria a melhor forma de tramitar esse tema no Congresso Nacional.

Entenda


O Congresso aprovou em outubro do ano passado que a desoneração valerá até 2027. O projeto foi vetado pelo presidente Lula e, depois, o veto foi derrubado pelos parlamentares.

Em seguida, em dezembro, a Presidência da República enviou outra MP prevendo a reoneração gradual dos 17 setores, que foi contestada por parlamentares, pois derrubava a decisão anterior do Congresso. É esse trecho que está sendo revogado agora.

A desoneração permite que as empresas desses setores substituam a contribuição previdenciária — de 20% sobre os salários dos empregados — por uma alíquota sobre a receita bruta do empreendimento, que varia de 1% a 4,5%, de acordo com o segmento e o serviço prestado.

Foram mantidos na MP enviada em dezembro os trechos que tratam do fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e a limitação de compensações tributárias. Também fica mantida a reoneração da folha para municípios de pequeno e médio portes, segundo Durigan.

— No projeto de lei em regime de urgência vamos tratar especificamente da reoneração da folha de pagamento desses 17 setores econômicos — afirmou Padilha.

Setores comemoram

Os setores envolvidos na proposta celebraram a decisão do governo, mas chamaram atenção para a questão do projeto de lei.

Para Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), essa discussão levou grande insegurança aos setores que poderiam ser impactados pela medida. A mudança na desoneração, justifica o executivo, resultaria em perda de competitividade a empresas desses setores, reduzindo a arrecadação para o governo.

— Trouxe um estresse desnecessário e que atrapalha o planejamento das empresas. O que se espera é que o projeto venha com uma visão estruturante para a economia como um todo, de forma a reduzir o custo para a geração de emprego, para ampliar a formalidade — destaca Pimentel.

Renato Sousa Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), avalia que voltar com o debate via projeto de lei é também um equívoco, e que isso poderia ser feito via Reforma Tributária sobre a renda:

— É uma oportunidade de o país debater sobre tributo sobre a folha, fazendo a reforma da tributação da renda e do emprego.

'Conserta equívoco'

Sergio Sgobbi, diretor da Brasscom, associação que reúne empresas de tecnologia da informação, comunicação e tecnologias digitais, ressalta que é preciso esperar o conteúdo do projeto:

— Se for uma cópia da medida provisória anterior, de nada serve.

O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, afirma que a retirada do trecho conserta um “equívoco político” da MP de dezembro, já que o projeto que renova a desoneração da folha de pagamentos até 2027 já havia sido aprovado no Congresso por duas vezes, sendo uma derrubada de veto presidencial.

— Inclusive, a proposta foi apoiada por parlamentares da base governista, que entenderam a sua relevância social. Taxar a criação de empregos, ainda mais em um momento de instabilidade econômica internacional, é uma irresponsabilidade — comentou.

Incentivo a investimentos e empregos

A presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e Informática (Feninfra), Vivien Mello Suruagy, avaliou a revogação da MP como um reconhecimento da decisão do Congresso. Para ela, manter a desoneração favorece investimentos e a geração de novos empregos com a melhora na saúde financeira das empresas dos setores contemplados.

"Já foi comprovado que os setores desonerados geram mais empregos e, finalmente, houve esse reconhecimento por parte do governo. É a certeza de empregabilidade com carteira assinada, beneficiando mulheres que chefiam famílias e jovens em seu primeiro emprego", afirmou a dirigente da Feninfra em comunicado, acrescentendo que os empresários estão dispostos a debater o projeto de lei que o governo promete enviar ao Congresso, "desde que a medida seja prorrogada até 2027, como foi aprovado pelos congressistas".

A deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), relatora do projeto na Câmara, disse que a desoneração é necessária para manter empregos:

— (A nova MP) representa o respeito, mesmo que tardio, aos deputados e senadores que são os representantes diretos do povo brasileiro.

Em nota, a Frente Parlamentar do Empreendedorismo disse que a decisão do governo foi correta e que por meio de um projeto de lei “esse debate ocorre de maneira mais saudável e em um ambiente propositivo”.


Fonte: O GLOBO