Penitenciárias de 18 estados tiveram 333 casos de detentos que escaparam em 2023
Apesar da fuga de dois detentos da Penitenciária Federal de Mossoró (RN) na semana passada ter sido a primeira do sistema federal, o problema é comum nas prisões estaduais. No ano passado, houve ao menos 333 fugas no Brasil, ou quase uma por dia, de acordo com levantamento do GLOBO junto a governos de 18 estados.
As evasões, explicam especialistas, são possibilitadas pela corrupção de agentes penitenciários e pelo domínio de facções do crime nas unidades prisionais. Os planos das organizações criminosas envolvem pagamentos, planejamento, acesso a ferramentas e logística minuciosa para evitar que os fugitivos sejam recapturados.
Em outubro, um caso no presídio de Trindade, na Região Metropolitana de Goiás, mostrou como as facilitações internas se associam às fugas. Após 14 detentos terem escapado, um agente penal e um vigilante temporário foram presos.
Em outubro, um caso no presídio de Trindade, na Região Metropolitana de Goiás, mostrou como as facilitações internas se associam às fugas. Após 14 detentos terem escapado, um agente penal e um vigilante temporário foram presos.
Cada fugitivo teria pago R$ 10 mil aos dois, que deixaram a porta da cela aberta. Em seguida, todos saíram por um buraco no telhado do corredor. Um dos presos recapturados contou em depoimento que os pagamentos foram feitos dentro do presídio, por pix, durante o banho de sol na unidade.
Número de fugas em 2023 — Foto: Editoria de Arte
Em 2023, Goiás teve 27 fugas, mas 23 foram recapturados. Líder no ranking das fugas ao lado do Pará, Santa Catarina informou ter conseguido recapturar a maioria dos foragidos: 39 dos 56 detentos que saíram foram encontrados e levados de volta à prisão. Em setembro, seis deles escaparam da Penitenciária de Itajaí, no litoral catarinense, mas quatro foram presos novamente em 24 horas.
Número de fugas em 2023 — Foto: Editoria de Arte
Em 2023, Goiás teve 27 fugas, mas 23 foram recapturados. Líder no ranking das fugas ao lado do Pará, Santa Catarina informou ter conseguido recapturar a maioria dos foragidos: 39 dos 56 detentos que saíram foram encontrados e levados de volta à prisão. Em setembro, seis deles escaparam da Penitenciária de Itajaí, no litoral catarinense, mas quatro foram presos novamente em 24 horas.
No mesmo mês, nove detentos conseguiram escapar da unidade de Santa Izabel do Pará, na Região Metropolitana de Belém, sem que houvesse uma recaptura imediata.
— Fuga de prisão demanda articulação grande com o lado de fora — explica Ludmila Ribeiro, pesquisadora do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG, que destaca que esses casos são corriqueiros no país, em especial nas unidades de baixa ou média segurança. — É ilusório pensar que a fuga acontece só por vontade própria, isso só nos filmes de Hollywood. No Brasil, demanda muito dinheiro.
O estado de São Paulo informou que não houve fugas em unidades de regime fechado, mas 14 detentos que estavam em unidades de regime semiaberto deixaram a prisão. Normalmente, esses casos não são consideradas evasões, porque costumam acontecer quando o detento não retorna à unidade, depois do dia de trabalho ou de estudo. Mas não foi o caso destes 14: ao menos metade deles escapou em dezembro do Centro de Detenção Provisória (CDP) do Belém, na Zona Leste da capital, após danificar um alambrado e render um segurança.
Sem polícia e sem câmera
O Rio informou apenas três fugas. Mas entre os que escaparam, está um preso de alta periculosidade: Jean Carlos Nascimento dos Santos, antigo chefe do tráfico no Morro do Dezoito, em Água Santa, na Zona Norte. Jean cumpria pena de 66 anos, mas escapou da penitenciária Lemos Brito, em Bangu, com dois comparsas, enquanto duas guaritas estavam sem policiais penais e as câmeras, desligadas, por causa de uma queda de energia durante uma chuva. O Ministério Público investiga o caso.
Os dados oficiais da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) apontam apenas o universo de “abandonos” dos presídios. A maioria desses casos — foram 7.630 no primeiro semestre de 2023, segundo o último relatório disponível — é de presos que não retornaram às unidades após saídas autorizadas por juízes. Os pesquisadores enxergam uma possibilidade de as direções de unidades prisionais quererem mascarar os números de fuga, em sigilo.
— Na comunicação da fuga, a gestão prisional reconhece que houve ineficiência, negligência ou corrupção — lembra Ludmila, que diz nunca ter visto um inquérito sobre fugas ser concluído com condenações.
Normalmente, as investigações são iniciadas por procedimentos administrativos, instaurados pela gestão prisional. Se houver evidências de corrupção ou de outros crimes internos, a Polícia Civil ou Ministério Público assumem o caso, explica Luís Flávio Sapori, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-secretário adjunto de Segurança Pública de Minas.
— Existe um corporativismo muito grande no sistema prisional e às vezes há empoderamento excessivo dos diretores de prisões por parte dos secretários de segurança. Isso gera encobertamento de casos de corrupção e falta de visibilidade sobre falhas — afirma Sapori, que critica a falta de dados. — É um sinal do grau de amadorismo e improvisação que caracteriza o sistema prisional no Brasil.
Como mostrou O GLOBO nesta semana, dos 1.778 estabelecimentos prisionais inspecionados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 48% está superlotada e 33%, em condições avaliadas como péssimas ou ruins. Nesse ambiente, as facções se fortalecem dentro dos presídios e criam uma organização que dificulta a obtenção de informações sobre os planos de fugas, apesar de os castigos coletivos, afirma Deise Benedito, mestre em Direito e Crime pela UnB.
— Nas “leis internas” do presídio, as pessoas não se denunciam, e, em muitos casos, existe a conivência ou a vista grossa de agentes — afirma Benedito, para quem a fuga em Mossoró custou “muito dinheiro”. — Uma coisa é fuga em rebelião, outra é a planejada por muitos meses, são muito organizadas. Com domínio sobre os presídios, as facções têm domínio da arquitetura prisional, sabem a estrutura e como sair. (Colaboraram Luísa Marzullo e Arthur Araújo, estagiário sob a supervisão de Alfredo Mergulhão)
Fonte: O GLOBO
— Fuga de prisão demanda articulação grande com o lado de fora — explica Ludmila Ribeiro, pesquisadora do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da UFMG, que destaca que esses casos são corriqueiros no país, em especial nas unidades de baixa ou média segurança. — É ilusório pensar que a fuga acontece só por vontade própria, isso só nos filmes de Hollywood. No Brasil, demanda muito dinheiro.
O estado de São Paulo informou que não houve fugas em unidades de regime fechado, mas 14 detentos que estavam em unidades de regime semiaberto deixaram a prisão. Normalmente, esses casos não são consideradas evasões, porque costumam acontecer quando o detento não retorna à unidade, depois do dia de trabalho ou de estudo. Mas não foi o caso destes 14: ao menos metade deles escapou em dezembro do Centro de Detenção Provisória (CDP) do Belém, na Zona Leste da capital, após danificar um alambrado e render um segurança.
Sem polícia e sem câmera
O Rio informou apenas três fugas. Mas entre os que escaparam, está um preso de alta periculosidade: Jean Carlos Nascimento dos Santos, antigo chefe do tráfico no Morro do Dezoito, em Água Santa, na Zona Norte. Jean cumpria pena de 66 anos, mas escapou da penitenciária Lemos Brito, em Bangu, com dois comparsas, enquanto duas guaritas estavam sem policiais penais e as câmeras, desligadas, por causa de uma queda de energia durante uma chuva. O Ministério Público investiga o caso.
Os dados oficiais da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) apontam apenas o universo de “abandonos” dos presídios. A maioria desses casos — foram 7.630 no primeiro semestre de 2023, segundo o último relatório disponível — é de presos que não retornaram às unidades após saídas autorizadas por juízes. Os pesquisadores enxergam uma possibilidade de as direções de unidades prisionais quererem mascarar os números de fuga, em sigilo.
— Na comunicação da fuga, a gestão prisional reconhece que houve ineficiência, negligência ou corrupção — lembra Ludmila, que diz nunca ter visto um inquérito sobre fugas ser concluído com condenações.
Normalmente, as investigações são iniciadas por procedimentos administrativos, instaurados pela gestão prisional. Se houver evidências de corrupção ou de outros crimes internos, a Polícia Civil ou Ministério Público assumem o caso, explica Luís Flávio Sapori, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-secretário adjunto de Segurança Pública de Minas.
— Existe um corporativismo muito grande no sistema prisional e às vezes há empoderamento excessivo dos diretores de prisões por parte dos secretários de segurança. Isso gera encobertamento de casos de corrupção e falta de visibilidade sobre falhas — afirma Sapori, que critica a falta de dados. — É um sinal do grau de amadorismo e improvisação que caracteriza o sistema prisional no Brasil.
Como mostrou O GLOBO nesta semana, dos 1.778 estabelecimentos prisionais inspecionados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 48% está superlotada e 33%, em condições avaliadas como péssimas ou ruins. Nesse ambiente, as facções se fortalecem dentro dos presídios e criam uma organização que dificulta a obtenção de informações sobre os planos de fugas, apesar de os castigos coletivos, afirma Deise Benedito, mestre em Direito e Crime pela UnB.
— Nas “leis internas” do presídio, as pessoas não se denunciam, e, em muitos casos, existe a conivência ou a vista grossa de agentes — afirma Benedito, para quem a fuga em Mossoró custou “muito dinheiro”. — Uma coisa é fuga em rebelião, outra é a planejada por muitos meses, são muito organizadas. Com domínio sobre os presídios, as facções têm domínio da arquitetura prisional, sabem a estrutura e como sair. (Colaboraram Luísa Marzullo e Arthur Araújo, estagiário sob a supervisão de Alfredo Mergulhão)
Fonte: O GLOBO
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