A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) usou, além de um sistema para monitorar a localização de pessoas, equipamentos como microfones direcionais, câmeras escondidas, drones e malwares (programas maliciosos). A utilização dessas ferramentas está na mira de uma investigação da Polícia Federal — que encontrou indícios de um esquema de espionagem ilegal no governo de Jair Bolsonaro.
Numa investigação interna da Abin, um servidor relatou que, em 2021, o órgão chefiado por Alexandre Ramagem, atual deputado federal, decidiu adquirir uma série de drones. A ideia era enviar os veículos aéreos não tripulados para operações de vigilância nas superintendências regionais, sem especificar os limites da sua utilização.
Ao receber os drones, as unidades estaduais da Abin se deram conta de que os servidores não sabiam manusear o equipamento e podiam expor a agência a eventuais “riscos de segurança”. Os veículos aéreos, então, regressaram para a sede do órgão, em Brasília, onde os agentes tiveram que fazer um curso de pilotagem.
No mesmo ano, um drone da Abin foi flagrado sobrevoando as proximidades da residência do então governador do Ceará Camilo Santana (PT), atual ministro da Educação. Seguranças dele descobriram que o piloto era um integrante da agência.
Após a operação ser descoberta, o órgão instaurou um processo administrativo. Em sua defesa, um oficial de inteligência, alvo da apuração, chegou a mencionar que o uso do veículo aéreo foi uma determinação de Ramagem e de outros diretores. O caso foi arquivado. Procurado, o parlamentar não se manifestou.
Microfones
Em depoimento à PF, um servidor da Abin relatou que integrantes da área de operações da agência utilizavam “equipamentos sensíveis” sem cautela como microfones direcionais de “alcance de algumas centenas de metros”, câmeras e outras ferramentas “para uso tático em campo”. Esses instrumentos permitiriam, por exemplo, gravar encontros e reuniões à distância.
Outro oficial da Abin contou à PF que soube do uso de programas maliciosos criados por um servidor lotado no departamento de inteligência. Esse tipo de software é usado para invadir dispositivos sem que o usuário saiba. O equipamento é infectado, por meio de um clique num link suspeito, e hackeado. A investida também pode ser feita no combate a ataques cibernéticos.
Os relatos dos servidores da Abin são considerados pela Polícia Federal peças cruciais de um quebra-cabeça que retrata o funcionamento de uma “Abin paralela” — que, sob o comando de Ramagem, realizava monitoramento informal de alvos selecionados.
Uma dessas operações clandestinas envolveu a vigilância de um jantar do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em 2020. Na ocasião, ele se reuniu com a ex-deputada federal Joice Hasselmann, o dirigente do União Brasil Antonio Rueda e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres. O encontro foi registrado em imagem e relatado por mensagem de WhatsApp por um agente da PF subordinado a Ramagem.
Especialistas avaliam que a Abin não pode usar ferramentas de espionagem contra alvos que não representem uma ameaça ao Estado.
— Não pode ter drone ou microfone direcional para monitorar reunião de autoridades, por exemplo. Esses casos não são da prerrogativa da Abin — disse Rafael Zanatta, diretor da DataPrivacy Brasil.
A Abin passou a ser investigada após o GLOBO revelar o uso do sistema FirstMile. Em nota, a agência diz que continua à disposição das autoridades no âmbito das investigações sobre fatos ocorridos em gestões passadas de “forma paralela” ao trabalho “legítimo e republicano” de inteligência.
Fonte: O GLOBO
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