Sinônimo de prestígio internacional, apenas os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Índia dominam tecnologia; lançamento de embarcação brasileira sofre com adiamentos
Do primeiro grupo, três já foram entregues, mas a embarcação nuclear, considerada “a joia da Coroa” da iniciativa, sofre com adiamentos devido a restrições orçamentárias e tecnológicas. A última previsão é de que seja entregue até 2030, mas especialistas avaliam que ainda há muito para avançar.
Para a Marinha, o Submarino Convencional de Propulsão Nuclear (SCPN) Álvaro Alberto é o mais importante projeto tecnológico do Brasil na atualidade e, quando pronto, significará um formidável ganho operacional no Oceano Atlântico. Na comparação com um convencional, será mais rápido, terá mais autonomia e capacidade de manter-se oculto por longos períodos em águas profundas.
— Submarinos nucleares têm maior furtividade [capacidade de ocultação], autonomia e profundidade. Somadas essas competências, a capacidade de projetar poder ou dissuasão do país se torna extremamente elevada — explica Augusto Teixeira, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e coordenador do Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos e Segurança Internacional (GEESI).
Submarinos nucleares também são sinônimo de prestígio internacional, já que a tecnologia empregada em seu desenvolvimento é bastante restrita. Hoje, apenas os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, China, Rússia, França e Reino Unido), além da Índia, dominam esse conhecimento.
Para desenvolver um submarino nuclear, não basta ser um país com capacidades de produzir energia nuclear, é preciso dominar a tecnologia de desenvolvimento de “reatores em miniatura, aptos a estarem dentro de um casco específico e que suporte elevadas pressões submarinas”, acrescenta Teixeira. A transferência dessa tecnologia é uma das grandes barreiras no campo da colaboração em Defesa.
— É a vanguarda do conhecimento — defende Teixeira. — Historicamente, é raríssimo que um país detentor dessa tecnologia a forneça a outros, a exceção foi a cooperação assinada entre EUA e Reino Unido nos anos 1960, e mais recentemente o Acordo Aukus, entre Reino Unido, EUA e Austrália.
Por sinal, esse acordo foi firmado após a quebra de um compromisso anterior firmado entre Camberra e Paris em 2021, estimado em US$ 65 bilhões (R$ 323,76 bilhões), que previa a entrega de 12 navios de propulsão diesel-elétrica da classe Attack. O incidente estremeceu as relações entre os dois países, mas começou a ser resolvido a partir do pagamento de uma compensação de US$ 583 milhões (R$ 2,90 bilhões) aos franceses, em 2022, e da assinatura de um acordo de compartilhamento de bases militares, em dezembro do ano passado.
Países costumam relutar em ajudar outros países a adquirir capacidades que possam, no futuro, ser usadas contra eles próprios, a não ser que disponham de vantagens suficientes para neutralizar ou confrontar essas capacidades, afirma o professor de Relações Internacionais da PUC Minas e membro do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), de Londres, Eugenio Diniz. Segundo ele, isso ocorre porque “a capacidade técnica necessária para produzir autonomamente o material nuclear a ser utilizado nos reatores é exatamente a mesma necessária para produzir material nuclear a ser utilizado em artefatos explosivos nucleares”.
— Existe também uma preocupação com a possibilidade de que material nuclear (ou conhecimento) seja repassado, ainda que clandestinamente e sem conhecimento das autoridades, a terceiros. Por isso é que há tanta insistência, por parte dos principais atores nucleares, na existência de salvaguardas – acrescenta.
No caso brasileiro, o desenvolvimento de um submarino nuclear brasileiro também esbarra em questões financeiras. Apesar do orçamento do Ministério da Defesa ser um dos maiores da União, mais de 80% dos recursos são direcionados para pagamento de pessoal da ativa e da reserva, segundo dados oficiais. Uma parcela bem mais enxuta fica para custeio de operações e outra menor ainda para investimentos, distribuída de maneira equilibrada entre as três forças, que priorizam seus programas estratégicos — no caso da Marinha, a construção dos submarinos.
— Sem dúvida, a propulsão nuclear é um desafio técnico significativo, mas a Marinha do Brasil também queixa-se frequentemente da inconstância da disponibilidade de verbas para pesquisa e desenvolvimento. Por outro lado, ao longo dos últimos 20 anos, a força aumentou muito seu efetivo, o que implicou em um aumento substancial (e que se prolonga no tempo) dos gastos com pessoal, tanto ativos como inativos, o que, evidentemente, diminui o total de recursos disponíveis para pesquisa e desenvolvimento — pondera Diniz.
O acordo firmado entre Brasil e França em 2008 prevê a transferência de tecnologia para construção do casco e dos equipamentos internos do submarino nuclear, mas não do reator, que está sendo desenvolvido no Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica (Labgene), no Centro Industrial Nuclear de Aramar (CINA), pertencente à Marinha do Brasil, onde é testado em escala real, ainda que em terra, o sistema de propulsão que deverá equipar o futuro submarino nuclear Álvaro Alberto.
Apesar dos entraves, o almirante da reserva Antonio Ruy de Almeida Silva, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, defende o cronograma brasileiro:
— As dificuldades existem, mas o submarino nuclear será construído. O Brasil está no caminho certo.
Fonte: O GLOBO
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