A Petrobras viu suas ações despencarem, na maior queda desde 2021, e seu valor de mercado encolher em R$ 55,3 bilhões depois que o conselho da companhia decidiu não pagar dividendos extraordinários.
O debate sobre a fatia dos ganhos compartilhada com os investidores causou um racha no Conselho de Administração da estatal, mas prevaleceu a posição de conselheiros ligados ao governo (a maioria do colegiado), a favor de reter os recursos em uma reserva de remuneração de capital, o que frustrou os investidores.
No pior momento do pregão, as ações da Petrobras recuaram 13%. Ao longo do dia, a queda foi atenuada, mas voltaram a cair com mais intensidade após a agência Reuters noticiar que a decisão do Conselho de Administração teria partido do presidente Lula, que já defendeu diversas vezes que a petroleira reduzisse a remuneração aos acionistas para ampliar investimentos.
No fim do dia, os papéis preferenciais da estatal (sem direito a voto) recuaram 10,37%, a maior queda desde fevereiro de 2021. A reação do mercado também afetou os ADRs, recibos de ações da empresa negociados nos Estados Unidos, que caíam 11,5% na noite de ontem.
A Petrobras, que teve lucro de R$ 124,6 bilhões no ano passado — o segundo maior da história da empresa, mas um tombo de 33,8% em relação ao ano anterior — também anunciou que pagará um volume menor de dividendos. O total previsto referente a 2023 ficou em R$ 72,4 bilhões, o que significa cair a um terço em relação ao ano anterior.
Em um dos trimestres de 2022, a petroleira chegou a ser classificada como a maior pagadora de dividendos do planeta.
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, comentou o racha no conselho da estatal. Conselheiros ligados ao governo, especialmente ao Ministério de Minas e Energia, queriam que 100% dos dividendos fossem para a reserva de remuneração de capital.
Os que representam acionistas privados queriam que a totalidade dos recursos fosse destinada aos investidores. A expectativa do mercado era que a empresa distribuísse 50% dos dividendos extraordinários e mantivesse o restante em caixa.
— As atas (da reunião do conselho) são públicas. Os conselheiros do governo votaram por 100% (dos dividendos extraordinários) para reserva. Os conselheiros privados votaram por 100% da distribuição. E eu, como presidente, me abstive de votar, porque não faria diferença para o resultado. E acompanhei o voto da minha diretoria, que propôs 50% a 50% (a diretoria não participa do conselho, apenas faz a proposta para votação) — disse Prates.
O episódio expõe a divisão dentro da empresa entre a visão de Prates para a companhia e nomes que foram indicados pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Dividendo futuro
Os dividendos extraordinários, segundo a empresa, serão direcionados para a reserva de capital. Segundo a Lei das SAs, a reserva de capital só pode ser usada para pagar dividendos futuros, juros sobre capital próprio, recompra de ações e absorção de prejuízos. Pela regra, não pode ser usada para investimentos nem para abater dívida.
Em teleconferência com analistas, Prates ressaltou que poderá haver nova distribuição de dividendos, já que isso está previsto nas regras da reserva de capital:
— Respeitamos a decisão soberana do conselho. E lembrando que ela pode também mudar. A gente pode fazer a distribuição de dividendos a qualquer momento. A novela continua. Ela não acabou.
Sergio Caetano Leite, diretor financeiro da Petrobras, lembrou que a companhia tem um programa de investimentos robustos nos próximos anos. Mas frisou que a reserva de capital não pode ser usada para investimentos:
— O objetivo é preservar o capital da empresa e o fluxo de caixa. O recurso para a reserva não pode ser usado para investimento. É para pagamento de dividendos. A apuração de dividendos extraordinários será sempre no fim do ano.
Prates corroborou:
— Não tem que se propagar a informação errada de que esse valor (da reserva) é para investir ou pagar dívida. Esse valor é só para dividendo.
O imbróglio aumentou a desconfiança de analistas em relação à gestão da empresa e à ingerência do governo, além de expor as divisões no conselho, o que suscita dúvidas sobre os rumos da estatal:
— A falta de clareza na estratégia de alocação de capital e a mudança na política de dividendos levantam questões sobre a governança corporativa da Petrobras e sua capacidade de manter a confiança dos investidores a longo prazo — afirmou Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management.
Questão de expectativa
Na divulgação dos resultados, Prates salientou que a companhia seguirá pagando percentual de dividendos superior à média de 20% distribuída por outras grandes petrolíferas. Ainda assim, o valor anunciado em dividendos para o quarto trimestre de 2023, em particular, causou frustração.
Analistas esperavam algo em torno de R$ 18 bilhões, enquanto a estatal informou que pagaria R$ 14,2 bilhões referentes a esse período.
— É uma questão de alinhamento de expectativas. Os dividendos anunciados estão em linha com o que outras empresas pagam, mas, como antes estavam muito acima da média, era muito atrativo para o mercado. Então os investidores começaram a reprecificar a ação e rever suas posições — afirmou Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos.
Em teleconferência com investidores, Prates disse que a companhia vai manter o foco na disciplina de capital. Segundo ele, a estatal nunca vai negligenciar a geração de valor econômico.
— É racionalidade em todos os processos decisórios. Racionalidade que norteou as mudanças implementadas em nossa estratégia comercial, no qual aumentamos nossa competitividade, mais estabilidade para os consumidores e em nossa política de dividendos, que foi aperfeiçoada para considerar maiores investimentos e absoluta necessidade para manter a saúde financeira — disse Prates.
Bancos reduzem recomendação para ações
Após a Petrobras decidir que não pagará dividendos extraordinários, bancos mudaram a recomendação dos papéis da empresa de “compra” para “neutra”, em um sinal de que as ações ficaram menos atraentes com a redução da fatia do lucro distribuída aos acionistas. Bradesco BBI, Bank of America e Santander revisaram sua recomendação.
— A companhia vem num ritmo de pagamento de dividendos bem intenso, e para esse trimestre a diretoria optou por pagar só o mínimo, o que decepcionou o mercado, e agora a crença dos investidores é que essa vai ser a nova tendência — afirmou Phil Soares, chefe de análise de ações da Órama Investimentos.
Para analistas, o episódio suscita desconfiança a respeito de como se dará o pagamento de dividendos no futuro.
Para Bruno Komura, analista da Potenza Capital, os investidores podem seguir se desfazendo dos papéis nos próximos meses.
— Quando consideramos os dividendos extraordinários, o dividend yield (indicador que mede o rendimento de uma ação apenas com o pagamento de dividendos) da Petrobras fica em 15% ou mais, o que faz a estatal se destacar em relação a outras petroleiras. Quando tiramos isso da conta, o dividend yield fica em torno de 9%, próximo ao de concorrentes. Isso faz as ações da Petrobras perderem atratividade, somado ao fato de que as outras empresas do mesmo setor não sofrem com ruídos políticos por não serem estatais — ele afirma.
Fonte: O GLOBO
0 Comentários