O ex-comandante do Exército não tratou do espinhoso tema da minuta do golpe nas reuniões do Alto Comando
— Ele pode ter consultado alguns, mas chegar e mostrar o documento no Alto Comando, isso não aconteceu. O comandante é o responsável pela tomada de decisão. Ele não tinha outra decisão a tomar que não fosse a de cumprir a lei. Que não é mérito nenhum, ele tem que cumprir a lei. Era uma ordem inexequível. Se ele desse essa ordem para baixo, os comandantes militares de área não poderiam cumprir. Uma ordem ilegal não se cumpre — me disse um oficial que estava no Alto Comando no governo Bolsonaro.
A avaliação no Exército era a de que o general Freire Gomes falaria quando fosse depor na Polícia Federal, apesar de nem ter havido tempo para ele combinar isso com colegas de farda. Quando o Exército foi informado de que ele seria convocado para depoimento na PF, o general Freire Gomes estava fora do país.
A decisão dele de falar, de qualquer maneira, deixou os militares aliviados. Nesse momento há um sentimento de que é urgente a volta à normalidade. Mas a convicção dentro das Forças Armadas é que para isso é importante que tudo seja esclarecido, que todas as informações dos depoimentos e da delação do tenente-coronel Mauro Cid, que hoje correm em segredo de Justiça, sejam divulgadas.
—A gente entende a demanda legítima da imprensa por saber tudo o que aconteceu, mas para nós só chegam informações parciais porque o inquérito está em segredo de Justiça. A gente tem notícia de trechos — me disse uma fonte.
Quanto ao general Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército, que substituiu Braga Netto como ministro da Defesa, a interpretação é a de que ele foi “envolvido” pela condição política do cargo, um erro que o general Fernando Azevedo, o primeiro ministro da Defesa de Bolsonaro, não cometeu. Azevedo deixou o cargo.
Um dos temas debatidos no Alto Comando, em 2022, foi o das manifestações na frente dos quartéis. Hoje está claro, dizem os militares, que as manifestações eram “inadequadas” mas, naquele momento, houve debate sobre o assunto. O que ficou ao final foi a decisão de não intervir.
— O consenso que prevaleceu e a ordem dele ( de Freire Gomes) foi o de não ter nenhuma interação entre as tropas e manifestantes. Não podia dar água, não podia ter pessoas fardadas.
O problema é que o próprio Freire Gomes é um dos signatários de uma nota, em 11 de novembro de 2022, em que as três forças condenam restrições “a direitos de manifestantes”, pedem a “imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população” e acrescentam que era necessário de cada um dos poderes “a estrita observância das atribuições e dos limites da sua competência”. Ora, os manifestantes pediam golpe militar. E Bolsonaro acusava o Judiciário em geral, e a Justiça Eleitoral em particular, de extrapolarem seus limites. Essa nota ainda precisa ser explicada.
Outro assunto que foi debatido no Alto Comando, nessas horas finais, após discutirem os temas administrativos e de promoção, foi a participação dos militares na Comissão de Transparência Eleitoral. Muitos acharam que não era atribuição dos militares, que eles não deveriam se envolver nisso, porque precisam apenas apoiar a logística da urna e garantir os locais de votação e de apuração, quando não houvesse meios suficientes de segurança pública. O que se argumenta hoje é que, apesar de a maioria discordar, eles participaram “porque era uma requisição da Justiça”.
Os militares dizem que querem tudo esclarecido e divulgado para que eles possam tentar superar a desconfiança que ficou entre eles e os civis e pensar no futuro. Um exemplo foi a questão de Essequibo, na Guiana, reivindicada pela Venezuela. O Brasil se envolveu para mediar, mas teve que improvisar. Esse é o tipo de tema de defesa que se quer discutir. Assim que essa tempestade passar.
Fonte: O GLOBO
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