Legislação tem como alvo 'interferência externa' e roubo de segredos de Estado, com implicações para empresas, jornalistas, funcionários públicos e outros

Hong Kong aprovou por unanimidade, nesta terça-feira, uma nova lei de segurança nacional que introduz penalidades como prisão perpétua para crimes políticos como traição e insurreição e até 20 anos de prisão para roubo de segredos de Estado, aumentando a repressão à dissidência. Segundo críticos e analistas, a medida frustra décadas de resistência pública e será um duro golpe na autonomia parcial prometida à cidade-Estado pela China.

O extenso projeto de lei de segurança nacional — o primeiro rascunho tinha 212 páginas — foi aprovado pelo Conselho Legislativo de Hong Kong, sem oposição, com uma pressa incomum, a pedido do líder da cidade, John Lee, e debatido em apenas 11 dias.

Entrando em vigor no sábado, a lei introduz 39 novos crimes de segurança nacional, somando-se a uma já poderosa lei de segurança nacional que foi imposta diretamente por Pequim a Hong Kong em 2020, após enormes e às vezes violentos protestos pela democracia no ano anterior. Analistas afirmam que a medida poderá ter um efeito inibidor sobre uma ampla gama de pessoas, incluindo empresários, funcionários públicos, advogados, diplomatas, jornalistas e acadêmicos, levantando questões sobre o status de Hong Kong como uma cidade internacional.

Muitas das figuras da oposição que poderiam ter contestado a legislação foram presas ou se exilaram desde que o Partido Comunista da China, sob o comando de Xi Jinping, seu líder mais poderoso em décadas, impôs a primeira lei de segurança nacional, em 2020. Essa lei deu às autoridades uma ferramenta poderosa para reprimir a dissidência depois que meses de manifestações contra o governo tomaram conta da cidade em 2019.

Agora, o líder de Hong Kong apoiado por Pequim, John Lee, afirma que o pacote de novas medidas é necessário para erradicar a agitação e combater o que ele descreveu como espionagem ocidental. Depois que as leis forem aprovadas, afirmou, o governo poderá se concentrar na economia.

— Hoje é um momento histórico para Hong Kong — disse Lee após a votação. — [A lei] permitirá que Hong Kong previna, proíba e puna de forma eficaz as atividades de espionagem, conspirações e armadilhas criadas por unidades de inteligência estrangeiras, infiltração e sabotagem realizadas por forças hostis.

Conhecida localmente como Artigo 23, a nova legislação abrange uma série de novos delitos, incluindo traição, insurreição, roubo de segredos de Estado e espionagem, sabotagem que põe em risco a segurança nacional e interferência externa. Ela também introduz mudanças importantes no devido processo legal — em alguns casos, a polícia pode agora pedir permissão aos magistrados para impedir que os suspeitos consultem os advogados de sua escolha, se isso for considerado uma ameaça à segurança nacional.

As penas podem chegar à prisão perpétua por sabotagem que coloque em risco a segurança nacional, traição e insurreição; 20 anos por espionagem e sabotagem; e 14 anos por interferência externa. A nova lei também expandiu o crime de "sedição" da era colonial britânica para incluir o incitamento ao ódio contra a liderança comunista da China, com uma sentença agravada de até 10 anos de prisão. E assim como na lei anterior, alguns crimes cometidos fora de Hong Kong estarão sob sua jurisdição.

Uma das emendas de última hora adicionadas na semana passada pelo governo permite ainda que o governo novos delitos — para levar em conta "circunstâncias imprevistas" — puníveis com até sete anos de prisão.

Um país, dois sistemas

Quando Hong Kong, uma ex-colônia britânica, foi devolvida ao domínio chinês em 1997, teve garantidas a liberdade de expressão, reunião e mídia, bem como autonomia judicial e legislativa, por 50 anos, em um acordo conhecido como "Um país, dois sistemas". Isso ajudou a consolidar o status da cidade como um centro de negócios de classe mundial, apoiado por um judiciário confiável e liberdades políticas distintas do continente. Mas a China também insistiu em uma cláusula chamada Artigo 23, que exigia que Hong Kong elaborasse um pacote de leis de segurança interna para substituir as leis de sedição da era colonial.

As primeiras tentativas de aprovar essa legislação, em 2003, deram início a protestos maciços envolvendo centenas de milhares de pessoas. As principais autoridades se demitiram e, nos anos seguintes, os líderes da cidade relutaram em abordar o assunto novamente, com medo da reação pública. Porém, nos últimos meses, o Partido Comunista Chinês pediu ao governo de Hong Kong que promulgasse as leis do Artigo 23.

Havia pouca chance de que a vontade da China não fosse atendida — o Congresso de Hong Kong tem sido esmagadoramente composto por deputados pró-Pequim desde que a China reformulou o sistema eleitoral para excluir candidatos que não são considerados "patriotas".

Especialistas afirmam que, ao aprovar rapidamente a lei, as autoridades reverteram o curso das liberdades prometidas à cidade.

— Uma aprovação rápida tem o objetivo de mostrar às pessoas em Hong Kong a determinação e a capacidade do governo de fazer cumprir a lei — disse Steve Tsang, diretor do SOAS China Institute em Londres. — O novo projeto de lei de segurança nacional tem tanto a ver com intimidação quanto com aplicação. A primeira preocupação [de Lee] não é como as pessoas em Hong Kong ou no resto do mundo veem isso. Ele está se apresentando para o público de um só, o próprio Xi.

A redação vaga de parte da legislação também levantou dúvidas entre os acadêmicos de direito. Por exemplo, um ato de espionagem, de acordo com as novas leis, poderia incluir a transmissão de "informações úteis" a uma "força externa". Uma definição tão ampla poderia desencorajar intercâmbios legítimos com diplomatas, escreveu Simon Young, professor de direito da Universidade de Hong Kong, em um documento enviado ao governo no mês passado.

O ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, David Cameron, pediu que o governo "reconsiderasse" a lei, enquanto os Estados Unidos disseram que ela "corre o risco de agravar a Lei de Segurança Nacional de 2020, que restringiu os direitos e as liberdades das pessoas em Hong Kong". (Com The New York Times e AFP)


Fonte: O GLOBO