Novos resultados da investigação preliminar israelense reafirmam versão inicial sobre o episódio; em fevereiro, mais de 100 civis morreram e 750 ficaram feridos

O Exército israelense divulgou, nesta sexta-feira, novos resultados de sua investigação preliminar sobre a morte de mais de 100 palestinos que buscavam ajuda humanitária na Faixa de Gaza no final de fevereiro. O comunicado mais recente reafirma a versão inicial de Israel sobre o episódio, mas acrescenta que as tropas do país “atiraram precisamente” contra suspeitos que se aproximaram dos soldados.

Inicialmente, as Forças Armadas do país afirmaram que as mortes decorreram de uma confusão durante a entrega dos suprimentos, “com empurra-empurra, pisoteamento e atropelamentos”. Em seguida, afirmou que os soldados apenas dispararam para o ar e contra as pernas de um grupo de residentes que se aproximou de uma unidade militar. Naquele dia, o porta-voz da instituição, Daniel Hagari, afirmou que só foram feitos “disparos de alerta para dispersar a multidão”.

— [Os soldados dispararam] apenas em face do perigo, quando a multidão se moveu de uma forma que os pôs em risco — afirmou. — Apesar das acusações, não disparamos contra aqueles que buscavam ajuda humanitária, nem no comboio, por terra ou ar.

O Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo grupo terrorista Hamas, acusou Israel de disparar e matar dezenas de pessoas em meio a uma entrega caótica de ajuda no enclave. Ao todo, conforme a mesma fonte, 120 pessoas morreram e ao menos 750 ficaram feridas no episódio. Segundo comunicado do Exército israelense divulgado nesta sexta, porém, a “revisão do comando” descobriu que “as tropas não atiraram no comboio humanitário”, embora tenham “atirado em vários suspeitos que se aproximaram das forças e representavam uma ameaça a elas”.

Segundo testemunhas, milhares de pessoas se precipitaram em direção aos caminhões de ajuda naquela manhã, e os soldados de Israel “atiraram na multidão quando as pessoas se aproximaram demais dos tanques”. Diretor interino do hospital al-Awda, Mohammed Salha tratou 161 pessoas naquele dia. Ele afirmou ao jornal britânico Guardian que a maioria delas parecia ter sido atingida por tiros. Husam Abu Safiya, diretor do Hospital Kamal Adwan, afirmou ao New York Times que cerca de cem pessoas com ferimentos a bala chegaram à sua instituição.

Nesta sexta-feira, o Exército israelense indicou que cerca de 12 mil palestinos se reuniram ao redor dos caminhões de ajuda e começaram a pegar os suprimentos. O comunicado diz que, “durante o saque, ocorreram incidentes de dano significativo a civis devido ao tumulto e pessoas sendo atropeladas pelos caminhões”. A nota, que reitera a primeira declaração do órgão sobre o caso, também afirma que as tropas “dispararam tiros de advertência para afastar os suspeitos”, e que, depois que eles continuaram a avançar, as forças “atiraram precisamente em direção a vários suspeitos para remover a ameaça”.

O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, que controla o território ocupado da Cisjordânia, descreveu o incidente como um “massacre horrível conduzido pela ocupação israelense contra pessoas que esperavam caminhões de ajuda”. Já o Egito classificou o episódio como “um ataque desumano israelense” e pontuou que havia “civis palestinos desarmados”. “Nós consideramos atacar cidadãos pacíficos que correm para pegar parte da ajuda um crime vergonhoso e uma flagrante violação do direito internacional”, afirmou em nota.

Ataque a jornalistas

Também nesta sexta-feira, Israel negou ter jornalistas como alvo do ataque que matou um repórter e feriu outros profissionais da imprensa no Líbano em 13 de outubro. As Forças Armadas afirmaram que “não atiraram deliberadamente em civis, incluindo jornalistas”. A declaração ocorreu após a Organização Holandesa de Pesquisa Científica Aplicada (TNO) concluir que era “provável” que seus soldados tivessem atirado nos jornalistas com uma metralhadora. O Exército também teria disparado com tanques contra eles.

Na ocasião, o jornalista Issam Abdallah, da agência de notícias Reuters, morreu instantaneamente. Outros seis profissionais (dois da Reuters, dois da al-Jazeera e dois da Agence France-Presse) ficaram feridos. Uma delas, a fotógrafa da AFP Christina Assi, de 28 anos, teve uma perna amputada. A Anistia Internacional e a Human Rights Watch afirmaram que o grupo estava claramente identificado como jornalistas e que o episódio merece uma investigação por “crimes de guerra”.

Em nota, o Exército israelense afirmou nesta sexta-feira que suas tropas responderam a ataques de combatentes do Hezbollah usando “fogo de artilharia e tanques para eliminar a ameaça”. O sul do Líbano é a área de atuação do Hezbollah, grupo considerado terrorista por Israel e que declarou apoio ao Hamas.

Crise humanitária

A ofensiva israelense mais recente em Gaza começou em 7 de outubro, após o Hamas ter invadido e matado cerca de 1,1 mil pessoas em Israel, a maioria civis. Durante os ataques, o grupo terrorista também sequestrou cerca de 250 pessoas. Do lado palestino, o Ministério da Saúde do enclave calculou mais de 30,8 mil mortos em cinco meses de guerra, sendo a maior parte mulheres e crianças. Além disso, estimativas das Nações Unidas apontam que 2,2 milhões de pessoas, a grande maioria da população, estejam ameaçadas pela fome no território.

O caso é ainda pior no norte, onde destruição, combates e saques tornam quase impossível o transporte de ajuda humanitária. Segundo a Agência da ONU para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), quase 2,3 mil caminhões de ajuda entraram em Gaza em fevereiro, com uma média de 82 veículos por dia. O número é 50% menor que em janeiro. Antes do conflito atual, quando as necessidades eram menos urgentes, cerca de 500 caminhões entravam no enclave todos os dias.

Nesta quinta-feira, o presidente dos EUA, Joe Biden, usou parte do discurso do Estado da União para reiterar sua solidariedade com Israel após os ataques terroristas do Hamas. Ele reconheceu o direito do país à autodefesa, mas disse que os israelenses têm a responsabilidade de proteger os civis palestinos. Biden defendeu o retorno dos mais de 100 reféns que ainda estão no enclave, mas pediu que Israel não use a crise como “moeda de troca”. O democrata aproveitou para anunciar que os Estados Unidos montarão um porto em Gaza para a entrega de ajuda.

— Na noite de hoje, estou orientando o Exército dos EUA para que liderem uma missão para estabelecer um píer temporário no Mediterrâneo, na costa de Gaza, que possa receber grandes navios levando comida, remédios e abrigos temporários — declarou Biden.

Na última semana, a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, criticou Israel por não fazer o suficiente para conter uma “crise humanitária” em Gaza e pediu um “cessar-fogo imediato”. Ela mencionou a “urgência de um acordo para os reféns” e congratulou o Estado judeu pela “abordagem construtivas nas negociações”. Apesar disso, Harris também indicou que Israel deve fazer mais para permitir o fluxo de ajuda para Gaza, incluindo a abertura de novos cruzamentos de fronteira, a suspensão de restrições desnecessárias à entrega de suprimentos e a restauração de serviços no enclave.

— O que estamos vendo todos os dias em Gaza é devastador. Temos visto relatos de famílias comendo folhas ou ração animal. Mulheres dando à luz a bebês desnutridos com pouco ou nenhum atendimento médico. E crianças morrendo de desnutrição e desidratação. Como disse muitas vezes, muitos palestinos inocentes foram mortos — disse Harris. (Com AFP)


Fonte: O GLOBO