Estados Unidos retomaram sanções contra petróleo e gás de Caracas após candidatos de oposição serem barrados de concorrer às eleições
Depois de alguns meses de alívio, os EUA retomaram na quarta-feira as sanções contra o petróleo e o gás da Venezuela após candidatos da oposição terem sido impedidos de concorrer às eleições em julho. O declínio do país tem ocorrido em paralelo à da Petróleos de Venezuela SA (PDVSA), a empresa estatal de petróleo do país, nos últimos anos. A principal fonte de financiamento venezuelano tornou-se uma rede de ganância e desonestidade.
A história de Tareck El Aissami, ex-ministro do petróleo e confidente de Nicolás Maduro, que foi preso no início do mês por promotores por desviar bilhões de dólares, não é uma exceção, mas sim a regra: quatro diretores da empresa durante o chavismo foram acusados de corrupção. Dois deles foram condenados, um está no exílio e outro morreu na prisão.
Rafael Ramírez, presidente da PDVSA de 2004 a 2013, o czar da energia de Hugo Chávez em seu auge político e uma figura tradicional nas estruturas de poder revolucionárias, está agora no exílio, enfrentando acusações de corrupção apresentadas por seus ex-colegas.
Ramírez e sua comitiva foram acusados de desviar, juntamente com pessoas próximas a ele, vários milhões de dólares em grandes operações irregulares, desvios de capital, contas secretas, subornos e lavagem de dinheiro — o que ele nega. Anteriormente, em 2016, os deputados da oposição haviam feito acusações muito semelhantes contra ele.
Foi substituído em 2014 por Eulogio del Pino. Em 4 de setembro de 2017, as forças de segurança do Estado bateram na porta de sua casa nas primeiras horas da manhã e o levaram, acusado de peculato doloso (desvio de fundos públicos), associação criminosa (açambarcamento) e sobrepreço em operações milionárias em detrimento do interesse nacional. Os antichavistas sempre suspeitaram de Ramírez e denunciaram sua corrupção, até que o governo agiu contra ele.
Del Pino foi sucedido por Nelson Martínez, que foi preso por corrupção no ano seguinte, em uma época em que as ruas do país estavam fervilhando de raiva com a hiperinflação e a escassez de alimentos e remédios. Martínez morreu na prisão naquele mesmo ano de uma doença cardíaca crônica agravada por sua situação pessoal. Seus parentes reclamaram que ele estava detido por um ano sem julgamento.
Os governos de Manuel Quevedo e Asdrúbal Chávez passaram, aparentemente sem escândalos à vista, mas administraram uma empresa sancionada internacionalmente, que precisava de manutenção, com seu pessoal qualificado emigrando e descapitalizada em uma velocidade enorme graças à âncora cambial que o governo de Nicolás Maduro se recusou a revogar. A produção nacional de petróleo atingiu uma queda livre de 400 mil barris por dia, quando há dez anos eram produzidos 2,5 milhões.
O último elo dessa história foi escrito pelo próprio El Aissami, o chefe mais importante de um novo expurgo anticorrupção, no caso, a PDVSA-Crypto, que envolveu uma fuga de dinheiro estimada em US$ 21 bilhões. Seu caso também evidencia fissuras graves dentro do chavismo, no ano em que Maduro buscará sua reeleição.
Em Caracas, comenta-se que o ex-presidente da PDVSA já participou de planos para derrubar o presidente, e teria ambições próprias de poder. Maduro propôs no sábado uma reforma constitucional para estabelecer prisão perpétua e inabilitação política vitalícia para crimes de corrupção e traição à pátria no país — um claro recado aos chavistas que pretendem desafiá-lo.
Ao menos 57 pessoas relacionadas com o esquema foram detidas, segundo dados oficiais citados pelo jornal El Pitazo. Na primeira etapa da investigação, no ano passado, foram presos 61 funcionários, políticos e empresários.
PDVSA 'vermelha, vermelhinha'
O divisor de águas histórico entre a nova PDVSA, dos tempos do chavismo, e a antiga Petróleos de Venezuela, fundada sob a democracia, ocorreu há 22 anos, em 11 de abril de 2002. Naquela época, Hugo Chávez enfrentou um complô para depô-lo depois que um movimento maciço de cidadãos saiu às ruas para exigir sua renúncia após um período tempestuoso de estridência e decisões unilaterais do Estado.
Aquela foi a primeira vez que a PDVSA entrou no furacão de um debate público apaixonado: Hugo Chávez — ciente de que tinha a diretoria da empresa contra ele — realizou uma campanha para colonizar a liderança da organização com seus objetivos políticos. Em um momento de raiva, pouco antes do golpe que tentou depô-lo, ele demitiu todos os executivos em cadeia nacional de rádio e televisão, com um capacete e um apito na boca.
Os militantes chavistas argumentaram na época que se a PDVSA "estava bem", então "o país não estava bem". O governo queria usar as enormes receitas da empresa para direcioná-las ao investimento social, o que foi obstinadamente contestado pelos gerentes da estatal. Chávez desenvolveu uma estratégia para encurralar a alta gerência da PDVSA (ironicamente estigmatizada como "a meritocracia"), acusando-a de aumentar deliberadamente os custos de produção, cobrar salários excessivos, trabalhar no interesse de empresas transnacionais e constituir uma elite privilegiada em uma sociedade cheia de necessidades.
Fundada pelo social-democrata Carlos Andrés Pérez em 1976, após a nacionalização do petróleo, a PDVSA — uma das grandes conquistas organizacionais da Venezuela democrática — foi durante décadas uma empresa estatal superavitária, intocada pelas paixões do debate político, limpa em seus processos e com casos bastantes isolados de corrupção. Sua força profissional e sua administração eram uma fonte de orgulho nacional. Seu primeiro presidente, Rafael Alfonzo Ravard, é lembrado como um dos modelos de gestão pública no país.
O prestígio dos gerentes da PDVSA era tão grande que, em 2002, muitas pessoas acreditavam que Hugo Chávez não resistiria a um confronto com a empresa que comandava a economia nacional e que se tornou, por conta própria, uma das maiores exportadoras mundiais de petróleo bruto, gás e combustíveis derivados.
Durante a famosa greve do petróleo, orquestrada pela sociedade anti-Chávez como um esforço adicional para tirá-lo do poder (dezembro de 2002 a março de 2003), Chávez acabou vencendo a alta administração da empresa (chefiada na época pelo engenheiro Juan Fernández), conquistando definitivamente suas estruturas, bem como as das Forças Armadas a partir de 2004.
Ao derrotar a greve petroleira contra ele, Chávez demitiu vários milhares de trabalhadores que o haviam renegado anteriormente. Surgiu a PDVSA "vermelha, vermelhinha", como Ramírez a chamou, e a visão "nacional, popular e revolucionária" do gerenciamento de energia foi consolidada.
— Para mim, o declínio do setor tem a ver com a queda na produção de petróleo e gás. O ano-chave foi 2005 — lembra Rafael Quiróz, economista de petróleo e professor da Universidade Central da Venezuela.
Naquela época, o país caiu abaixo do limite de três milhões de barris por dia e nunca mais se recuperou.
Mudanças operadas
Quiróz faz um breve resumo da operação de gestão chavista que destruiu o negócio petrolífero do país:
— Ter fundido o cargo de presidente da PDVSA com o do Ministério de Energia e Petróleo; ter dado à empresa responsabilidades que nada têm a ver com o setor (construção de casas, importação de alimentos, distribuição de mercadorias, todas fontes de corrupção); e tê-la colocado a serviço de um projeto político, revolucionário ou não.
A consequência desses três elementos, acrescenta Quiróz, trouxe um quarto, uma consequência dos anteriores: o desinvestimento. E, abraçada a tudo isso, a corrupção.
Fonte: O GLOBO
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