País tem a segunda maior colônia na Europa, atrai na maioria pessoas com nível educacional mais alto, mas comunidade registra aumento de imigração para serviços como delivery

São 14h30 de uma terça-feira. Passado o horário de pico das entregas, as motos começam a se aglomerar na curta calçada em frente ao restaurante. No cardápio, carne de panela, costela ou feijoada — todos acompanhados de arroz, farofa e salada. Poderia ser uma cena comum em uma cidade brasileira, mas ela se repete diariamente em Londres. No local está o Feijão do Luís, restaurante tocado pelo brasileiro Luiz (com Z) Souza, que reside há 27 anos na capital inglesa.

Um dos que almoçam diariamente no local é Luan Lucas, de 29 anos. Nascido em Cristalina (GO), Luan era frentista e nunca havia saído do Brasil até que um ex-cunhado, que estava trabalhando como entregador em Londres, deu a dica.

— Era eu e outro amigo frentista. Perguntei se ele tinha coragem, ele topou. Aí eu pedi demissão e ele não pediu (risos). Já tava sem serviço, então vim meio na doida — lembra ele, que em seis anos de Londres diz ainda ter dificuldades com a língua inglesa. — Quando cheguei, era muito perrengue. O cara do restaurante falava “bye” e eu entendia “hi” e ficava esperando. Hoje consigo me desenrolar, mas não sei falar para responder corretamente.

Luan é um dos 220 mil brasileiros que vivem no Reino Unido, segundo estimativas do Consulado do Brasil em Londres. Composto por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, o Reino Unido é o segundo principal destino de brasileiros que buscam fixar residência na Europa, atrás apenas de Portugal. Entregadores em serviços de delivery como Luan, que trabalha para o Uber Eats e o Deliveroo, fazem parte de um grupo que cresce, mas não é maioria entre os brasileiros.

Pela estatística oficial, o brasileiro que imigra para o Reino Unido é, em termos gerais, branco (76%), de classe média alta, com alto grau educacional (75%) e vindo principalmente da região Sudeste (57%). Em especial, de São Paulo, parcela que corresponde a mais de um terço do total, como mostra o levantamento “Brasileiros no Reino Unido”, da pesquisadora Yara Evans, do Imperial College London, que traça o perfil dos brasileiros em terras britânicas.

Novos modelos

Há brasileiros nos 33 bairros de Londres, com maior concentração no bairro de Brent, no noroeste da cidade — são tantos que o conselho local elaborou até uma cartilha em português. O consulado diz que é perceptível a mudança no perfil dos brasileiros que imigraram para o Reino Unido nos últimos anos, em muito impulsionado por novos modelos de trabalho — caso dos entregadores de comida. Mas ainda é difícil alcançá-los.

— Nós detectamos que há um aumento considerável no número de brasileiros trabalhando na área de serviços, como limpeza e delivery, bem como construção civil. Mas ainda é difícil de captar oficialmente porque há muitos casos em que a pessoa permanece de maneira irregular — avalia o embaixador João Alfredo dos Anjos Júnior, cônsul-geral do Brasil em Londres.

Luan Lucas, motoboy em Londres — Foto: Vandson Lima

Como boa parte da comunidade de entregadores, Luan vive em uma espécie de “pequeno Brasil” na capital inglesa. Divide uma acomodação com colegas brasileiros em Finchley, norte de Londres. Almoça comida brasileira todo dia e, no fim de semana, vai a festas organizadas por brasileiros, como a “Noite Pakabá”.

Trabalhando praticamente todo dia, incluindo fins de semana, em turnos que começam cedo e terminam por vezes após as 22h, um entregador consegue receber cerca de £ 700 por semana (R$ 4.409), conta Luan — o que é mais do ele que ganhava como frentista em um mês. Mas não é sempre — e não é fácil.

— Tem dia que você fica na rua três horas e cai uma, duas entregas de £ 2,80 (R$ 17,80). Às vezes você quer largar tudo e ir embora. Tem que insistir — relata.

A jornalista Helena Vieira se encaixa no perfil dos brasileiros que se estabelecem em terras britânicas. Nascida em Salvador e há uma década em Londres, ela é editora da prestigiada publicação LSE Business Review, voltada ao público acadêmico. Morou em Nova York, Roma, Buenos Aires e Arusha, na Tanzânia, é casada com um italiano e está perfeitamente integrada. Aos 61 anos, ela diz estar cada vez mais próxima do momento em que terá de decidir se voltará um dia a morar no Brasil.

— Estou fora do Brasil há mais de 30 anos. Mas a possibilidade de voltar mexe com a minha cabeça. Não quero mais ficar tão afastada do Brasil que não me sinta parte dele.

Helena Vieira, jornalista brasileira que vive em Londres — Foto: Vandson Lima

Já Luiz, do restaurante, não tem mais planos de voltar. Ele está no menor grupo, dos brasileiros que residem há 20 anos ou mais (1%) no Reino Unido — a maioria, 43% fica entre um e cinco anos. Ele foi para a Itália em 1981 como motorista do controverso grupo de dança de “mulatas” de Oswaldo Sargentelli. Conheceu uma italiana, resolveu ficar e depois se apaixonou por uma inglesa.

Com ela, foi para Londres e montou uma carrocinha para vender sorvete no verão e amendoim no inverno. Abriu um restaurante em 1996, mas quebrou em 1998. Aí veio a virada. Sempre perguntado por brasileiros sobre onde assistir aos jogos da seleção na Copa, resolveu ele mesmo organizar festas, com caipirinha, coxinha, pão de queijo e telão.

— Ganhei £ 40 mil (R$ 254 mil) em um mês fazendo jogo do Brasil — conta.

Na Copa de 2002, ganhou mais ainda.

— Colocava 750 pessoas por jogo no Tiger Tiger, cobrando £ 10 (R$ 63) a entrada. Não acompanho futebol, mas até hoje fico louco olhando quando chega a Copa. Pena que o Brasil não tem mais ido longe desde 2002 — lamenta.

Luiz Souza, dono do restaurante Feijão do Luis, em Londres — Foto: Vandson Lima

Luiz recentemente, sofreu um baque com a desapropriação do prédio onde funcionava o Feijão do Luís havia uma década, na Oxford Street. Teve de se mudar às pressas para um local improvisado, no bar de um amigo. Com a mudança repentina, a clientela tem se resumido a algumas entregas e em grande parte à comunidade de motoboys brasileiros. Para eles, Luiz faz um preço menor: os pratos que custam £ 15 (R$ 95) saem por £ 10 (R$ 63) para consumir no local. As quentinhas, por £ 7 (R$ 44). Mas ele mantém a fé em uma nova virada.

— Eu estou feliz aqui? Não. Mas essa cidade é mágica, cara. As coisas acontecem. Então eu preciso estar aqui para quando acontecer — conclui.


Fonte: O GLOBO