Teoria popularizada por Newton da Costa, morto nesta terça-feira aos 94 anos, 'permite que nós raciocinemos sobre sentenças ou teorias contraditórias', explica professor
O matemático e filósofo Newton da Costa, morto na noite desta terça-feira, aos 94 anos, deixou um enorme legado para diversos campos acadêmicos, incluindo, claro, a própria Filosofia e a Matemática, além da Física. Entre seus feitos, está o de ser um dos inventores da lógica paraconsistente, pioneirismo que o tornou conhecido ao redor do mundo e que pode ser aplicado, por exemplo, no universo da Inteligência Artificial (IA).
— É a lógica que permite que nós raciocinemos sobre sentenças ou teorias contraditórias — resume Ricardo Silvestre, professor associado da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e membro do programa em Pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Silvestre explica que a lógica clássica — nascida na Grécia Antiga — determinava que uma sentença não poderia ser, ao mesmo tempo, verdadeira e falsa.
— Algumas pessoas começaram a se questionar se poderíamos ter uma teoria que não seguisse essa lei — completa o professor.
Newton da Costa, que era membro da Academia Brasileira de Filosofia e doutor honoris causa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), iniciou os trabalhos sobre a lógica paraconsistente em 1958 e foi um dos primeiros autores a contribuir para o conceito. No entanto, Silvestre expõe que o principal papel do filósofo para a teoria não foi ter sido um dos criadores, mas por ter a "popularizado".
O professor da UFCG conta que todos conheciam o trabalho de Newton da Costa na Universidade de Montreal, onde fez seu doutorado em Filosofia no início dos anos 2000:
— É de longe o matemático e lógico mais conhecido do Brasil — declarou.
O professor franco-suíço Jean-Yves Beziau, também do programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFRJ, foi marcado pelo trabalho do filósofo, que chegou a ser seu orientador no doutorado em Filosofia.
O professor Jean-Yves Beziau com Newton da Costa e Arthur Buchsbaum no 2º Congresso Mundial de Lógica Paraconsistente, em Juquehy, São Paulo — Foto: Arcevo Pessoal/Jean-Yves Beziau
Beziau organizou um congresso em 2019 em homenagem aos 90 anos do matemático, que contou com concertos de Gilberto Gil, Jorge Mautner e Cecília Beraba. Ele também foi o idealizador do prêmio Newton da Costa, lançado em setembro de 2014, para os 85 anos do professor.
O franco-suíço tem mais de dez artigos publicados junto de Newton da Costa.
Aplicabilidades
Silvestre aponta que a lógica paraconsistente pode ser utilizada nos mais diversos campos acadêmicos, uma das razões para que ela se popularizasse. Uma das aplicabilidades mais recente é no universo da Inteligência Artificial (IA).
Segundo o professor da UFCG, o conceito auxilia a tecnologia a analisar bases de dados que tenham informações contraditórias sobre determinado assunto, sem que se rejeite uma afirmação para favorecer outra.
O mesmo é aplicado, por exemplo, no âmbito do Direito, em que leis ou evidências podem se contradizer e, ainda assim, ambas serem verdadeiras.
Silvestre utiliza como exemplo a máxima de Einstein de que a luz pode se comportar tanto como partícula quanto como uma onda. Apesar de, em um primeiro momento, essa sentença ser contraditória para a lógica clássica, a lógica paraconsistente mostra que duas teorias opostas podem ser verdadeiras.
(*estagiária sob supervisão de Luã)
Fonte: O GLOBO
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