Em meio a crise no Oriente Médio e desafios geopolíticos, grupo dá sinais que avançará em coordenação interna sobre 'temas quentes'

O presidente do Irã estava exultante durante a reunião do Brics em agosto do ano passado, que aprovou a entrada de seu país e de outros cinco como novos membros do grupo. Em seu discurso, Ebrahim Raisi afirmou que o Brics seria beneficiado por “vantagens “históricas” com a adesão da República Islâmica, em “um novo passo para a justiça, a moralidade e a paz no mundo”.

A adesão do Irã foi um dos motivos para que o novo time ficasse desfalcado antes mesmo da estreia. Seis semanas antes da entrada em vigor do “novo Brics”, a Argentina deu uma guinada para a direita ao eleger Javier Milei, que disse não ao convite. A recusa não foi só por diferenças ideológicas com Teerã (e também com China, Rússia e até o Brasil de Lula), mas pelo histórico iraniano na Argentina. Há poucos dias, a Justiça do país apontou o Irã como mandante dos atentados contra a comunidade judaica de Buenos Aires, que deixaram um total de 114 mortos em 1992 e 1994.

Chefiado na época por Celso Amorim, o Itamaraty teve um papel indireto na crise, quando a Embaixada do Brasil no Irã cuidou dos interesses da Argentina no país devido ao estremecimento entre Buenos Aires e Teerã. Em seu livro “Teerã, Ramalá e Doha”, Amorim lembra que em seguida, já embaixador na ONU, defendeu uma política que permitisse manter o Irã “engajado” com a comunidade internacional, apesar dos indícios de envolvimento com o terror. Anos depois, a aproximação levaria Amorim a ser um dos protagonistas na tentativa de intermediar um acordo nuclear com o Irã. O acordo até saiu, mas foi descartado pelos EUA e ficou só no papel.

De volta àquele encontro de 2023 em Johannesburgo, a expansão foi uma vitória sobretudo de Pequim, que exibiu musculatura geopolítica para realizar seu antigo projeto, o “Brics Plus”. A ideia era aumentar o peso coletivo com a adição de novos sócios aos cinco originais: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Atingida pelas sanções do Ocidente após a invasão da Ucrânia e dependente da China, a Rússia mergulhou de cabeça no plano para ganhar uma camada extra de proteção diplomática. Brasil, Índia e África do Sul foram atrás.

Para o Irã, alvo de sanções americanas desde 1979, as vantagens de entrar num clube de emergentes encabeçado pela China eram ainda mais óbvias, uma nova frente de apoio para mitigar seu isolamento no cenário internacional. Em seu encontro com Lula durante a cúpula, Raisi disse que a “pressão máxima” dos EUA serviu de incentivo para a República Islâmica obter avanços tecnológicos e novas parcerias. Na prática, as sanções fortaleceram os ultranacionalistas e a linha-dura do regime.

O escudo diplomático esperado pelo Irã com a adesão ao Brics foi testado na recente escalada na região, com sucesso parcial. Quando o Irã atacou Israel, Rússia e China afirmaram que era seu direito de defesa. Outro novato no Brics, a Arábia Saudita pediu calma, enquanto circulavam notícias de que ajudou Israel a se defender. Já o Brasil foi econômico em sua reação inicial, com uma nota do Itamaraty manifestando preocupação.


Não quer dizer necessariamente que o comedimento brasileiro tem a ver com a nova parceria com o Irã no Brics, mas há sinais crescentes de um esforço em coordenar posições sobre temas quentes da geopolítica dentro do grupo. A China certamente tem interesse nisso. No mês que vem, Amorim tem marcada uma visita a Pequim, a convite do governo chinês.


Fonte: O GLOBO