Militares prestam apoio na linha de frente perto de Kharkiv, alvo de ofensiva russa desde o começo do mês, e já provocaram estragos milionários nas forças inimigas

Além de tentar recuperar as extensas faixas de terra ocupadas pelos russos desde fevereiro do ano passado, um dos pilares da estratégia ucraniana na guerra tem sido realizar ataques dentro da própria Rússia, com artilharia, foguetes e drones. 

Nos últimos meses, refinarias, bases militares e instalações civis foram destruídos, deixando algumas centenas de vítimas e causando prejuízos consideráveis. E uma unidade específica do Exército ucraniano tem assumido a responsabilidade por parte dessas ações: a “Código 9.2”, especializada em ataques furtivos com aeronaves não tripuiladas.

Ligada a uma brigada criada em 1999 que chegou a combater no Iraque em 2003, a “Código 9.2” já destruiu dezenas de equipamentos, alguns deles de alta tecnologia, e tem causado estragos ao lançar minas explosivas em posições russas, inclusive em trincheiras nas zonas de combate. Em um desses incidentes, em agosto de 2023, foram destruídos um tanque T-80, um canhão S21 e um veículo de apoio MTU-90, que serve como uma ponte móvel, em apenas um ataque, de acordo com as Forças Armadas ucranianas.

“Graças às habilidades de nossos soldados e ao drone, os russos não conseguirão mais atingir as posições das Forças de Defesa com obuses e tanques. Também não serão capazes de transportar equipamentos através de corpos de água usando a ponte móvel”, escreveu o ministro de Transformação Digital da Ucrânia, Mykhailo Fedorov, no Instagram, na ocasião do ataque.

No YouTube, vídeos mostram os “feitos” da unidade, com ataques a soldados, veículos e tanques — o modus operandi é sempre o mesmo: um voo furtivo, um explosivo liberado e uma explosão subsequente. Um dos vídeos, publicado no ano passado, mostra o que seria um ataque múltiplo contra uma trincheira, e a descrição afirma que “um drone Mavik-3 destruiu 10 wagneritas (integrantes do Grupo Wagner) em apenas um dia”. Não foi possível confirmar de maneira independente a alegação.

Além do Código 9.2, há um outro batalhão responsável por operações com drones na 92ª brigada, o Aquiles, que em dezembro destruiu um tanque russo T-72B3 nos arredores de Bakhmut.

Militares do batalhão Aquiles acompanham voo de drone próximo às linhas russas — Foto: Genya SAVILOV / AFP

Os drones têm sido equipamentos cruciais para a estratégia de defesa da Ucrânia desde os primeiros momentos da invasão russa, em fevereiro de 2022. Quando as forças da Rússia pareciam se dirigir a Kiev, em uma coluna que se estendia por algumas dezenas de quilômetros, aeronaves não tripuladas como o turco Bayraktar TB-2 causaram perdas consideráveis de tropas, armas e equipamentos, contribuindo para a retirada posterior.

Em questão de dias, “vaquinhas” foram criadas para pagar os US$ 6 milhões cobrados pela aeronave, e até uma música popular louvava seu papel nos primeiros e caóticos dias da guerra. Hoje, o Bayraktar é considerado praticamente inútil para ações de combate, e atua em missões de reconhecimento.

De fabricação turca, o drone Bayraktar TB2 é usado pelos ucranianos — Foto: Reprodução

Em seu lugar, começaram a ser empregados drones de outros tipos, alguns feitos até de papelão, e armas um pouco mais complexas, usadas contra alvos a algumas centenas de quilômetros dentro de território russo — em uma dessas ações, um avião foi adaptado para voar mais de mil quilômetros sem piloto e atingir uma unidade de produção de drones na região central da Rússia.

No começo do mês, uma reportagem da revista Wired mostrou os bastidores da crescente indústria de drones na Ucrânia. Usando peças e modelos disponíveis na internet, em boa parte vindos da China, produtores desenvolveram modelos capazes de instalar minas explosivas, de detonação tardia, em estacionamentos, e perto de embarcações, tanques e veículos de alguns milhares (ou milhões) de dólares. Em dezembro do ano passado, Zelensky disse que o país produziria “um milhão de drones” em 2024, e em fevereiro ele assinou um decreto criando um braço das Força Aérea dedicado apenas a veículos não tripulados.

— Posso dizer que vamos dobrar esse número — afirmou à Wired Natalia Kushnerska, chefe do setor de tecnologia de defesa da Brave1, uma agência do governo ucraniano que liga a iniciativa privada às Forças Armadas. — Temos a responsabilidade e a motivação para fazer isso hoje e fazer isso rapidamente, já que não temos outra escolha.

Alguns desses itens acabaram nas mãos da unidade Código 9.2, que atua como força de apoio para o avanço de tropas terrestres. Como revelou uma reportagem da rede CNN, o kit básico de combate consiste em uma antena Starlink (empresa de internet por satélite de Elon Musk), uma antena de longo alcance, baterias e dois drones do tipo “Vampiro” — o equipamento, com custo estimado de US$ 25 mil também foi usado para levar suprimentos a tropas sob ataque. Segundo militares de Kiev, o drone teria sido apelidado pelos russos de "Baba Yaga", a mais conhecida bruxa da cultura eslava, e haveria uma recompensa de até US$ 500 e uma semana de folga a quem derrubar um deles.

Drone russo modelo Orlan-10 é de pequeno porte e pode carregar pequenas bombas — Foto: Reprodução

Enquanto preparam os drones para a ação, os operadores tentam se esconder dos veículos de monitoramento Orlan, equipados com câmeras térmicas, e que podem indicar locais a serem atingidos por bombardeios. Rapidamente, eles carregam os drones “Vampiro” com minas explosivas, que serão lançadas contra as posições e contra o território russo, a partir da região de Kharkiv, hoje epicentro dos combates entre os militares de Moscou e da Ucrânia.

— Silêncio. Orlan — diz Andrey, um dos militares acompanhados pela CNN. — Eles [drones Orlan] estarão nos ares a noite toda.

Enquanto conversavam com a equipe da CNN, eles podiam ver ao longe as luzes de Belgorod, cidade na Rússia que é alvo recorrente de ataques. Todo o trabalho precisa ser feito até o anoitecer, quando as bombas, granadas e minas levadas pelos drones começarão a ser despejadas, inclusive dentro do território russo. Segundo integrantes da unidade, o recorde de decolagens em uma só noite é de 24, mas eles parecem dispostos a superar o número.

— Meus pais estão logo ali, então, se, que Deus não permita, nós fracassarmos, se houver um avanço [russo]...é uma grande responsabilidade — disse um outro soldado, Artem, à CNN, apontando que seus pais moram a apenas alguns quilômetros da linha de frente.


Fonte: O GLOBO