Ausência de frase constante no comunicado anterior, sobre não haver mudanças substanciais no cenário, ressalta divisão entre diretores do BC
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, esta semana, que reduziu a taxa básica de juros (Selic) em apenas 0,25 ponto percentual, a 10,50% ao ano, e mostrou um racha entre os diretores — foram 5 votos a 4 — fez o dólar subir 1,01%, a R$ 5,14, enquanto o Ibovespa recuou 1%.
Analistas já reduziram suas projeções de novos cortes. Mas, para entender o que está por trás da decisão, a chave pode estar na ausência de uma frase, que constava do comunicado de março: “o Comitê avalia que o cenário-base não se alterou substancialmente.”
Segundo fontes, seria a avaliação sobre a deterioração do cenário, citada no comunicado, o ponto de divergência entre os diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aqueles que já estavam no comitê na gestão Bolsonaro.
Último corte?
Os juros futuros também avançaram ontem. Aqueles com vencimento em janeiro de 2025 passaram de 10,22% para 10,25%, enquanto aqueles com vencimento em janeiro de 2029 avançaram de 11,29% para 11,40%.
Isso porque, para o mercado, o fato de no ano que vem os diretores apontados pelo governo Lula serem maioria é visto como um sinal de que o BC pode não ser tão duro contra a inflação, já que os quatro diretores que votaram por um corte de 0,50 ponto terem sido os novos membros.
Desempenho do mercado — Foto: Criação O Globo
Sobre os próximos movimentos do Copom, muitos analistas já avaliam que haverá uma desaceleração na redução dos juros, e alguns acreditam até que esse pode ter sido o último corte do ano.
A área de pesquisa econômica do Itaú Unibanco vê a possibilidade “não nula” de o ciclo de cortes terminar na próxima reunião, em junho. A Itaú Asset Management e o C6 Bank também consideram esse cenário, especialmente pelo fato de o BC não ter incluído no comunicado qualquer sinalização futura.
— Já estávamos com essa visão de que seriam mais dois cortes de 0,25 ponto antes da reunião, mas vemos que aumentou a chance de não ter esse último corte, porque achamos o tom do Banco Central mais duro, e ele deixou a próxima decisão em aberto — explica Claudia Moreno, economista do C6 Bank.
No entanto, mais de uma vez, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que o comunicado só traz as avaliações que são consensuais entre os diretores. A explicação sobre as divergências vem na ata, um documento mais longo.
O comunicado fala em deterioração no cenário para a inflação no futuro. E, como só entra o que é consenso, analistas concluíram que os nomes de Lula defenderiam o uso de um “remédio menos amargo”, ou seja, juro menor.
Desde março, o Copom sinalizava que as incertezas sobre os efeitos do aumento de renda no Brasil e sobre o patamar de juros nos Estados Unidos reduziam a visibilidade e, por isso, demandavam mais flexibilidade na condução da Selic. Naquele mês, o BC indicou somente mais um corte de 0,50 ponto à frente.
Os diretores, no entanto, diziam não ver mudança substancial no cenário — o que não ocorreu esta semana.
Com a mudança da meta fiscal no Brasil e a perspectiva de juros altos nos EUA por mais tempo, a ata pode mostrar que a divisão diz respeito a uma avaliação sobre se a amplitude da mudança no cenário seria suficiente para abandonar a indicação dada em março, de um corte de 0,50 ponto.
Até porque, em termos de efeito na inflação, a diferença entre as duas opções seria pequena. Havia divisão até entre analistas do mercado financeiro, ainda que a maioria apostasse em 0,25 ponto.
Em abril, no auge do estresse do mercado com a meta fiscal e os juros dos EUA, Campos Neto afirmou na reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) que, se a incerteza não diminuísse até maio, o ritmo de queda nos juros poderia desacelerar. Mesmo depois de o mercado se acalmar, ele não mudou seu discurso.
No FMI, Campos Neto estava acompanhado de quatro outros diretores, sendo que Paulo Picchetti (Assuntos Internacionais) estava na mesma mesa que o presidente do BC. Isso deixou a impressão de que todo — ou quase todo — o Copom concordava com essa avaliação. Mas o que se viu esta semana foi um comitê rachado ao meio.
Até no Ministério da Fazenda a expectativa era a de um corte de 0,25 ponto, devido às declarações de Campos Neto.
‘Acender um alerta’
Não foi a primeira vez em que a ausência de pontos de divergência no comunicado gerou ruído. Em junho de 2023, não houve alusão a um possível início do corte de juros — o que ocorreu em agosto. A ata daquela reunião mostrou que parte dos diretores queria observar mais os dados antes de sinalizar uma redução.
Os ruídos devem aumentar, na medida em que a influência de Campos Neto no comitê diminui. Seu mandato termina em 31 de dezembro. Gabriel Galípolo, ex-número 2 de Haddad e um dos primeiros indicados por Lula, é o mais cotado para o cargo.
— O Banco Central volta a acender um alerta, há um cenário em que a Selic pode ficar nesse patamar por mais tempo — diz Luan Alves analista chefe da VG Research.
Fonte: O GLOBO
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