Plano de cortar impostos dos mais ricos e reduzir regulamentações atrai apoiadores do campo empresarial e financeiro

Antes que 12 cidadãos de Nova York rotulassem Donald Trump como criminoso, um tipo de júri muito diferente – reunido no suntuoso Hotel Pierre, na Quinta Avenida – chegou ao seu próprio veredicto. Mesmo que o júri do Tribunal Criminal de Manhattan considerasse o ex-presidente culpado das acusações, concluíram os abastados de Wall Street, o republicano ainda seria a escolha deles para a Casa Branca. Essa reunião, 16 dias antes do veredicto histórico de quinta-feira, revelou o cálculo frio que está agora em jogo no mundo financeiro dos EUA.

Desde apoiadores de longa data até relutantes aliados circunstanciais, um número crescente de figuras proeminentes no mundo dos negócios e das finanças dos EUA está abraçando a possibilidade de um retorno de Trump – sem se importar com a condenação criminal.

— Este veredicto terá menos que zero impacto no meu apoio — disse Omeed Malik, presidente da 1789 Capital e co-anfitrião da arrecadação de fundos para Trump no Hotel Pierre, enquanto processava a notícia da condenação, na noite de quinta-feira. Ecoando o ex-presidente e os líderes republicanos, Malik caracterizou todo o julgamento de suborno como uma instrumentalização do sistema legal.

Alguns financiadores que abandonaram Trump depois da invasão do Capitólio dos EUA, em 6 de janeiro de 2021, por seus apoiadores – e mantiveram distância enquanto ele continuava a afirmar falsamente que as eleições de 2020 foram roubadas – estão agora apoiando o republicano novamente. Um grande motivo, em uma palavra: dinheiro. Trump prometeu cortar impostos para os ricos e eliminar regulamentações. O presidente Joe Biden quer o oposto.

A arrecadação de fundos no hotel, organizada pelo bilionário Howard Lutnick, alcançou os bolsos das classes altas de Manhattan, mesmo quando o julgamento histórico de Trump se desenrolava com detalhes espalhafatosos em um tribunal no centro da cidade. Malik duvidava que o veredicto de culpado mudasse a opinião de uma única pessoa que estava lá — ou as mentes de muitos outros, ao que parece.

Menos de duas semanas depois dessa reunião, sem esperar pela decisão do júri, o magnata de private equity e doador republicano de longa data, Stephen Schwarzman, anunciou que estava novamente apoiando Trump. O co-fundador da Blackstone Inc. está entre as 40 pessoas mais ricas do mundo, com uma fortuna de US$ 41 bilhões (R$ 213,5 bilhões) segundo o Bloomberg Billionaires Index.

Na quinta-feira, horas antes do veredicto repercutir em Wall Street e Washington, outro proeminente bilionário de Nova York, o investidor de fundos de cobertura Bill Ackman, demonstrou que também estaria inclinado a apoiar o ex-presidente. Em uma postagem no X (antigo Twitter), Ackman repercutiu um tuíte do governador da Flórida, Ron DeSantis, sugerindo que o sistema judicial americano — a promotoria de Manhattan, o juiz e o júri — havia sido cooptado para objetivos políticos. Afirmações semelhantes repercutiram nas redes sociais.

Um porta-voz de Ackman se recusou a comentar, enquanto Schwarzman e Lutnick não foram encontrados para comentar o assunto após o veredicto de culpad

Os acontecimentos – e, mais ainda, o seu timing – ressaltam a mudança na dinâmica entre Trump e alguns dos líderes financeiros do país. Em nenhum lugar isso é mais aparente do que na endinheirada Manhattan, onde Trump primeiro se lançou em busca de fama e fortuna. Durante décadas, as elites da cidade natal de Trump zombaram dele e o rejeitaram como um pequeno ator no setor imobiliário – a ser tolerado, mas nunca aceito.

Agora, a apenas cinco meses do dia das eleições, as promessas do ex-presidente em matéria de impostos e regulamentação estão conquistando os executivos, apesar de Trump ter sido agora condenado no primeiro julgamento criminal de um presidente dos EUA na história do país.

— Wall Street nunca foi conhecida por seu caráter e valores elevados — disse Dan Lufkin, cofundador do Donaldson, Lufkin & Jenrette, o banco de investimento onde Schwarzman trabalhou. — Existe vontade de apoiar Trump se parecer que ele está no caminho certo? Sim. Não tenho orgulho disso e também não faço parte disso.

Lufkin inicialmente apoiou Nikki Haley, uma das primeiras favoritas de Wall Street que atraiu o apoio de Ken Griffin da Citadel e outros.

Após dois dias de deliberação, o júri composto por pares de Trump o considerou culpado de falsificar registos comerciais para ocultar um pagamento clandestino a uma estrela pornô. O veredicto coroou um julgamento de sete semanas que transformou cenas e tradições familiares da política em ano eleitoral em um quadro de sexo e escândalo.

Trump, o presumível candidato do Partido Republicano (a oficialização só deve vir na Convenção Nacional republicana, em julho), entra agora na reta final de uma corrida à Casa Branca com uma marca negra que poria fim à carreira de praticamente qualquer outro candidato presidencial. Previsto para ser sentenciado pouco antes da convenção do partido, ele certamente apelará. A forma como os eleitores reagirão a esta reviravolta nos acontecimentos é incerta.

Mas os apoiadores do ex-presidente – incluindo os da comunidade empresarial e financeira – já começaram a se unir em torno dele. Na verdade, Trump capitalizou os seus problemas legais para angariar dinheiro de doadores abastados. Sua campanha arrecadou US$ 25 milhões (R$ 130 milhões) a mais do que Biden em abril – a primeira vez nesta temporada eleitoral.

Poucos minutos após o veredicto, a campanha de Trump divulgou um e-mail de arrecadação de fundos caracterizando o ex-presidente como um “prisioneiro político” e questionando: “Será este o fim da América?”

Scott Bessent, ex-diretor de investimentos da Soros Fund Management, que está entre os candidatos à vaga para secretário do Tesouro de Trump, disse estar “pessoalmente decepcionado” com o veredicto, mas não acha que isso terá importância em novembro.

— Acho que as pessoas já se decidiram — disse Bessent, acrescentando que o desenvolvimento pode até estimular o entusiasmo por Trump.

Mesmo alguns líderes de Wall Street que anteriormente atacaram Trump moderaram as suas atitudes. Jamie Dimon, em uma reunião de ex-alunos do JPMorgan Chase & Co. na Morgan Library & Museum em Manhattan na noite de quinta-feira, poucas horas após o veredicto, destacou que o ex-presidente teve 74 milhões de votos em 2020 e enfatizou a necessidade de respeitar isso. Foi um afastamento do seu discurso cheio de palavrões sobre Trump numa reunião anterior do grupo, quando os acontecimentos de 6 de janeiro ainda estavam frescos na mente de todos.

As observações ecoaram comentários feitos por Dimon no Fórum Econômico Mundial em Davos, no início deste ano, quando disse que Trump estava “meio certo” em certas políticas e que os democratas deveriam “ser um pouco mais respeitosos” com os seus apoiadores. Alguns dos que se reuniram na noite de quinta-feira especularam febrilmente que o suposto martírio de Trump o beneficiaria, na verdade, antes das eleições de novembro.

Privadamente, os apoiadores de Trump em Wall Street insistem que se trata de mais do que dinheiro. Alguns apontam para o que consideram uma tolerância crescente ao antissemitismo entre os Democratas progressistas, especialmente depois do ataque de 7 de outubro do Hamas a Israel e da subsequente campanha do Estado Judeu em Gaza.

Outros queixam-se de que os progressistas com uma visão negativa do capitalismo – e os capitalistas de Wall Street, em particular – cooptaram Biden e o Partido Democrata. Outros ainda temem que Biden, de 81 anos, seja velho demais para ser presidente (Trump tem 77 anos).

O sentimento amargo em relação a Biden deixa pessoas como Whitney Tilson, que dirigia a Kase Capital Management, um fundo de hedge de US$ 200 milhões (R$ 1,04 bilhão), perplexas, ao avaliar a reação de alguns pares da comunidade financeira, mesmo face aos sucessivos máximos dos mercados, ao baixo desemprego e aos crescentes lucros empresariais.

— Para as pessoas no ramo de investimentos, a presidência de Joe Biden foi extraordinariamente boa — disse Tilson. — É realmente intrigante para mim como as mesmas pessoas que fizeram resultado melhor sob Joe Biden parecem ser as mais insatisfeitas com esta presidência.

O setor financeiro não tem falta de oportunistas. E Tilson suspeita que isso se estende aos apoiadores de Trump nos escalões superiores da comunidade empresarial.

— Eles concluíram que Trump vai vencer — disse Tilson. — E se ele for o próximo presidente, então é do interesse deles apoiá-lo desde o início.


Fonte: O GLOBO