José Fernandes, presidente da empresa para a América Latina, cita produção agropecuária e de etanol do país como fatores favoráveis para fabricar o SAF, o querosene de aviação sustentável
A multinacional americana Honeywell, fornecedora de equipamentos e tecnologia para a fabricação de aviões, refino de combustíveis e automação industrial com receita anual de quase US$ 40 bilhões, vê o Brasil pronto para liderar o desenvolvimento tecnológico do SAF, o substituto sustentável do querosene de aviação.
A disponibilidade de insumos, oriundos da agropecuária, e o conhecimento na produção de etanol são trunfos do país, diz o brasileiro José Fernandes, presidente da Honeywell para a América Latina.
Em entrevista ao GLOBO, o executivo defende o SAF como o melhor caminho para reduzir o impacto ambiental da aviação, explica como a melhora do ambiente de negócios, com a Reforma Tributária, é importante para a inovação e demonstra otimismo com os chamados carros voadores, segmento no qual a Eve, da brasileira Embraer, se destaca.
Atualmente, a Honeywell fornece tecnologia em projetos de SAF e diesel renovável com a Petrobras e com a Acelen (empresa do fundo Mubadala, de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos) e trabalha com a Embraer em aviões e carros voadores. Segundo Fernandes, a multinacional americana deverá fechar, nos próximos meses, mais seis projetos de fornecimento de tecnologia no país, a maioria envolvendo SAF ou biocombustíveis.
Vários dos projetos da Honeywell no Brasil são relacionados com o SAF, o combustível sustentável de aviação. Por quê?
A Honeywell é uma empresa secular, que trabalha no setor de petróleo e gás, com tecnologias de ponta. Das 34 tecnologias que existem hoje no mundo para refino de petróleo, 31 pertencem à Honeywell. Somos uma grande detentora de conhecimento. Há mais de uma década, desenvolvemos um processo de fazer combustível de aviação, o SAF, a partir de óleos vegetais e gorduras animais.
Começamos esse processo há mais uma década, justamente de olho que, no futuro, se buscaria a descarbonização de certos setores, como o setor da aviação, como de fato está ocorrendo. O Brasil vai ser um player muito importante nessa conjuntura toda, porque é um dos maiores produtores agrícolas do mundo, em diversas e diferentes culturas.
Isso é por causa da capacidade de produção de insumos?
Exatamente, pela capacidade que o Brasil tem de produção, no setor agrícola e no setor de proteínas. É um dos maiores produtores de carnes no mundo, com uma produção gigantesca de gorduras não comestíveis que são utilizadas como matéria-prima para essa aplicação.
Uma das rotas para se fazer SAF é usando óleos vegetais, lipídios de maneira geral e gorduras animais. A outra rota é ethanol to jet (etanol para jato, em inglês). E o mercado de etanol no Brasil também é pujante. O Brasil é um grande produtor de etanol a nível mundial, só ficando atrás dos Estados Unidos.
Quando vemos a disponibilidade de matérias-primas que existem no Brasil, isso faz com que o país seja muito atraente para que muitas companhias se estabeleçam para produzir o SAF que vai alimentar os aviões no futuro.
A Honeywell tem tecnologia também para motores de aviões. Por que o biocombustível, em vez da eletrificação, é o caminho para descarbonizar a aviação?
Um dos grandes impeditivos de se levar o motor elétrico para o ar está muito mais relacionado, hoje, ao peso das baterias. Hoje, é mais fácil fazer essa transição para automóveis, caminhões ou ônibus. Os carros elétricos têm um peso muito grande.
Se quisermos transferir essa capacidade de energia para fazer com que as turbinas rodassem de forma elétrica, a tecnologia existe, mas o peso é muito elevado. Isso demandaria reduzir tanto o transporte de carga como o de passageiro.
Eventualmente, vamos chegar a um desenvolvimento tecnológico em que as baterias vão ter uma eficiência muito maior e um peso muito menor, o que vai permitir com que isso ocorra, mas, provavelmente, não vai ser na nossa geração. Além disso, existem outros combustíveis que podem vir a ser também importantes na aviação, como o hidrogênio. O hidrogênio é uma importante matriz energética, mas precisa ser bastante bem controlado e dominado para esse tipo de uso.
Um dos projetos da Honeywell no Brasil envolve testes de motores com a Embraer. O fato de que o país tem uma fabricante de aviões contribui para o desenvolvimento do SAF por aqui?
Não diria que é determinante, mas contribui bastante. A Honeywell trabalha com todas as grandes fabricantes de aeronaves no mundo. A Embraer é uma delas. Os motores para jatos executivos são da Honeywell. O SAF foi testado nos nossos motores dentro da Embraer e funcionaram perfeitamente. Se olharmos microscopicamente, não há diferença entre a molécula do SAF e a do querosene de aviação.
Capacete e funcionário da Honeywell em instalações da empresa. — Foto: Divulgação
A Honeywell também será fornecedora de equipamentos para a Eve, controlada da Embraer que está na corrida tecnológica para o desenvolvimento de carros voadores. Esse novo meio de transporte vingará ou é algo para a próxima geração, como aviões elétricos?
Definitivamente, é uma tecnologia que está vindo para ficar. O eVTOL já é uma solução. Estamos nos apoiando em vários níveis de soluções para essa tecnologia, tanto para a questão dos motores, que são movidos a eletricidade, quanto também toda a questão de avionics (sistemas eletrônicos e de navegação para a aviação), porque são específicos para essa aplicação. Eles não vão voar muito mais do que um helicóptero, aliás, deverão voar até abaixo do nível de um helicóptero.
Mesmo assim, vão precisar de toda uma regulação, da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) no Brasil, para determinar rotas aéreas, para que não ocorram acidentes, como é feito hoje já com helicópteros e aviões.
Vemos isso como uma tecnologia que está vindo para ficar. Essa, sim, a nossa geração ainda vai ver e, talvez, até usar.
E existe tecnologia para que eles sejam totalmente remotos. Estamos desenvolvendo essa tecnologia junto com os fabricantes. Vai chegar um eVTOL, você entra nele, ele sobe, vai até o seu ponto final, baixa, você sai e pronto. Vai ter com o piloto e sem piloto. Dependerá muito dos modelos de negócios de cada empresa, e de como as legislações vão avançar. Nos Estados Unidos, já existem muitos carros de entrega de pizza que são Teslas, sem motoristas.
Quanto tempo para esses modelos de negócios se estabelecerem?
É difícil dizer se vai demorar cinco, sete ou dez anos, mas com certeza esse é um caminho futuro para os grandes centros urbanos, principalmente.
Como vê o ambiente de negócios no Brasil e a perspectiva de melhora com a Reforma Tributária?
A Honeywell sempre vai trabalhar sob as políticas governamentais de cada um dos países onde atuamos na América Latina, e respeitamos cada um dos países e as suas determinações, mas, obviamente, o sistema tributário brasileiro não ajuda as empresas a acelerarem processos de inovação. Existe um ambiente econômico-financeiro que, às vezes, é bastante prejudicial ao desenvolvimento de negócios e ao desenvolvimento das companhias.
Vemos com muitos bons olhos a Reforma Tributária, porque é a primeira vez que, realmente, damos um passo na direção de tentar normalizar e baixar a burocracia tributária. Não estamos nem falando de percentuais de impostos.
Essa Reforma Tributária dá passos bastante importantes em ajudar que as empresas consigam ter planejamentos tributários mais adequados no longo prazo. Vai ajudar o Brasil a criar um ambiente de trabalho que seja propício para o investimento de longo prazo, inovação e estabelecimento de novas companhias no Brasil.
É melhor ter a reforma, mesmo que não seja a ideal?
Exatamente. Ela não resolve todos os nossos problemas fundamentais para incentivar a indústria e o comércio no Brasil, mas já é um passo adiante do que vivemos hoje. Dando esse passo, já ajuda a dar um pouco mais de visibilidade, um pouco mais de tranquilidade de planejamento tributário e fiscal para os próximos anos.
Uma companhia como a Honeywell não está no país para fazer uma operação nos próximos 24 meses. Estamos aqui há 66 anos, atravessamos tanto os momentos bons quanto os momentos ruins do país e vamos continuar aqui por mais 66 anos.
Por que um ambiente de negócios favorável, incluindo o sistema tributário, é importante para a inovação na indústria?
Quando se tem um ambiente propício, ele ajuda a acelerar startups, companhias que querem entrar e desenvolver novas tecnologias ou inovar em determinados mercados, de maneira mais rápida.
Quando você tem um mercado no qual a complexidade é grande, a burocracia interna é grande, as leis trabalhistas são complexas, isso tudo afugenta, de certo modo, empresas que não têm uma robustez financeira por trás. Aí, essas empresas preferem tentar começar os seus negócios em mercados que sejam mais propícios para essas iniciativas.
O Brasil não chega a ser um local ideal para iniciar esse tipo de negócio, para ter empresas de inovação. Temos muitas startups, muitas empresas inovadoras no Brasil, mas elas sofrem para fazer o negócio dar certo. E há muitas companhias que têm boas ideias, boas tecnologias e inovações, mas que não conseguem progredir por falta de uma estabilidade econômica e tributária.
Fonte: O GLOBO
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