Movimento inclui gesto a parlamentares de direita sobre punição à disseminação de fake news, conversas corpo a corpo com a bancada religiosa e a atuação de ministros
Temendo uma nova derrota no Congresso com a derrubada do veto feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto que restringe as “saidinhas” dos presos, o governo aumentou a ofensiva na tentativa de manter a decisão do chefe do Executivo. O movimento inclui um aceno à oposição sobre punição à disseminação de fake news, conversas corpo a corpo com a bancada evangélica e a atuação de ministros. A sessão marcada para hoje vai reunir deputados e senadores, em uma pauta extensa que inclui ainda a análise de medidas tomadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ainda que o Palácio do Planalto esteja empenhado na construção de um acordo que permita a manutenção das saídas temporárias de detentos, parlamentares avaliam que o desenho é complexo e veem como cenário mais provável a definição voto a voto. Esta configuração abriria margem para o governo sofrer um revés nas “saidinhas”, cujo projeto com novas regras foi aprovado com ampla maioria, e ainda ver o plenário manter o veto, implementado na gestão Bolsonaro, ao trecho da Lei de Segurança Nacional (LSN) que trata da proliferação de desinformação.
É em relação a este último ponto que um grupo de governistas defende uma inflexão, em uma operação delicada que encontra resistências na própria base. Originalmente, o governo defende a derrubada da decisão tomada no governo passado, já que o trecho barrado pode ser usado inclusive para punir adversários do Planalto. Parlamentares aliados a Lula contabilizam ter votos para reverter o veto e acenaram a oposicionistas com a possibilidade de abrirem mão da pauta em troca da manutenção do veto das saidinhas.
Contas da oposição
Na oposição, porém, a troca é vista como pouco promissora, já que a contabilidade deste grupo indica que há votos para vitórias nas duas frentes, sem precisar das tratativas com o Planalto.
Na sessão mais recente do Congresso, no início do mês, a apreciação dos vetos na LSN foi usada como instrumento de barganha pelo governo para evitar uma derrota nas “saidinhas”. Sem ter a segurança que iria manter o veto de Bolsonaro, a oposição concordou em retirar os vetos nos dois temas da pauta. Uma equação que volte a unir os dois campos é complexa e tem a discordância de outro grupo de governistas.
— Não tem essa troca. Naquele dia em que a gente estava propondo retirar da votação as “saidinhas”, eles (oposição) falaram: “Está bom, desde que a gente retire da votação a Lei de Segurança Nacional”. Nós concordamos, mas não está condicionado derrubar um veto pelo outro — disse Carlos Zarattini (PT-SP).
Entre os dispositivos vetados por Bolsonaro na LSN está a punição para a disseminação de fake news, com reclusão de um a cinco anos. O próprio ex-presidente entrou em campo neste mês e participou de uma reunião no Congresso na semana passada sobre o tema — a expectativa em uma parcela dos bolsonaristas é que haverá apoio para manter a decisão. O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), no entanto, se mostra mais cauteloso:
— Estamos tentando. Vamos saber amanhã.
Sobre as “saidinhas”, os ministros da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, têm procurado líderes partidários para convencê-los a não derrubar o veto. Mesmo sem acordo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse na segunda-feira que a sessão do Congresso ocorrerá nesta terça.
— A sessão está mantida. Tanto a oposição quer derrubar o veto às saidinhas, como nós queremos derrubar o veto à Lei de Segurança Nacional. Vai ser difícil, vamos ter dificuldade. Mas será um veto versus o outro — disse o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
O líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), ressalta que houve mais tempo de “convencimento” para tratar com os parlamentares sobre as restrições às “saidinhas” de presos, o que, na visão dele, favorece o governo. Parte deste esforço foi feito junto à bancada evangélica.
Um dos argumentos usados por articuladores de Lula é que esse segmento tem papel fundamental na ressocialização de presos, processo que inclui as visitas a familiares em datas comemorativas. O governo reconhece que o terreno da discussão é desfavorável à tese do Planalto, mas identificou nos últimos dias um flanco para virar votos entre deputados da bancada que não têm uma visão radical sobre o tema. No Palácio do Planalto, não há nenhuma garantia de vitória, mas certa expectativa de uma tendência de virada de votos, ainda que apertada, que possa favorecer o governo.
Líder da bancada evangélica na Câmara, o deputado Eli Borges (PL-TO) reconhece que não há consenso no grupo sobre o tema.
— Fizemos uma reunião na última quinta-feira, mas não conseguimos fechar questão. Os parlamentares pensam de maneiras diversas. Por isso, todos estarão liberados para votar como quiserem. Eu, pessoalmente, votarei pela derrubada do veto, mas não posso garantir uma unidade da nossa bancada.
Em abril, Lula seguiu a recomendação do Ministério da Justiça e vetou o trecho central do projeto, que proibia presos no regime semiaberto de saírem da cadeia para visitar a família. De acordo com a avaliação, esta previsão contraria a Constituição e fere o princípio da dignidade humana, além de estar em desacordo com convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. O trecho que barra a saída para convívio social poderia ser sancionado, na visão da pasta, mas o problema é que as duas restrições estão no mesmo artigo. Assim, foi necessário um veto completo.
Fôlego nas emendas
Enquanto nas “saidinhas” o governo ainda enfrenta dificuldades, há uma perspectiva de acordo em relação ao calendário de emendas. Pelo que foi aprovado ano passado pelos parlamentares, e vetado pelo Planalto, o governo teria que obedecer a um cronograma de empenhos até o dia 30 de junho.
A previsibilidade nos repasses é considerada essencial para deputados e senadores para garantir o montante a tempo das eleições municipais, mas a tendência é que o veto seja mantido em troca do compromisso do governo de seguir um ritmo de liberações, acordado com o Parlamento, mesmo sem um calendário definido pela lei.
Pontos de atenção na pauta do Congresso
- Saidinha de presos: sob recomendação do Ministério da Justiça, Lula vetou o ponto central do projeto de lei aprovado pelo Congresso que restringe a “saidinha” de presos. A pasta avaliou que o texto contraria a Constituição e fere o princípio da dignidade humana, além de estar em desacordo com convenções internacionais.
- Lei de Segurança Nacional: dispositivos da lei foram vetados ainda na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Entre os pontos derrubados, na época, estão punições para disseminação de fake news, com reclusão de 1 a 5 anos, e impedir com violência atos e manifestações políticas, com reclusão de 1 a 4 anos.
- Calendário de emendas: o dispositivo vetado pelo presidente obrigava o Executivo a seguir um cronograma de liberação de emendas parlamentares até o dia 30 de junho. O cronograma é considerado importante para deputados e senadores para garantir o montante a tempo das eleições municipais.
- Emendas de comissão: o Congresso derrubou, parcialmente, no início do mês o veto a emendas de comissão não obrigatórias feito por Lula. Em acordo com o governo, foram recuperados R$ 3,6 bilhões dos R$ 5,6 bilhões que haviam sido vetados. Na prática, o governo conseguiu R$ 2 bilhões para direcionar a investimentos.
- Lei dos agrotóxicos: os parlamentares retomaram, na mesma sessão, trechos da lei que regulamenta o uso de agrotóxicos e deram poder ao Ministério da Agricultura, comandado por Carlos Fávaro, para dar aval e fiscalizar como essas substâncias são utilizadas no país. A medida foi criticada por ambientalistas.
- Apostas esportivas: outro veto feito por Lula derrubado no Congresso envolveu a lei que prevê uma taxa sobre apostas on-line, o que inclui jogos virtuais esportivos e não esportivos. O presidente havia vetado, a pedido da Fazenda, a isenção de cobrança de Imposto de Renda para ganhos abaixo de R$ 2.112.
Fonte: O GLOBO
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