A decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de reabrir a coleta de provas na ação que pode levar à cassação do senador bolsonarista Jorge Seif (PL-SC) provocou estranhamento entre especialistas em direito eleitoral e três ex-integrantes da Corte ouvidos pela equipe da coluna em caráter reservado.
Isso porque o TSE decidiu buscar, por conta própria, provas que nem os adversários de Seif, autores da ação que o investiga por abuso de poder econômico, não pediram, mesmo com o julgamento em andamento há quase um mês.
A guinada causou ainda mais perplexidade porque o TSE reabriu essa fase sem reconhecer qualquer nulidade na instrução feita pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC), onde o processo se originou – o que seria esperado.
“Não é adequado que o julgador decida pedir provas por conta própria, quando isso foi dispensado pela acusação, pois poderá comprometer o dever de equidistância do árbitro e a sua própria imparcialidade”, aponta a advogada Clarissa Maia, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
A ação contra Seif gira em torno da suspeita de que o empresário Luciano Hang tenha funcionado como cabo eleitoral e ajudado o parlamentar bolsonarista com a frota aérea da empresa e a sua equipe de funcionários. Em novembro do ano passado, Seif foi absolvido por unanimidade pelo TRE de Santa Catarina, que concluiu não haver provas suficientes para caracterizar o abuso de poder econômico.
Conforme informou o blog, o relator do caso, Floriano de Azevedo Marques, trocou de voto duas vezes.
Seu primeiro voto era pela condenação de Seif e foi distribuído por e-mail aos demais gabinetes na véspera do início do julgamento, em 4 de abril.
O segundo voto, pela absolvição do parlamentar, compartilhado em envelope lacrado, em papel impresso, ao longo da última terça-feira (30), para impedir vazamentos. O teor foi revelado pela equipe da coluna.
De acordo com relatos de integrantes do tribunal, depois disso o clima pesou na sala de togas, onde os ministros se reúnem antes do julgamento. Surgiu então a solução alternativa de reabrir a fase de coleta de provas, o que adia o desfecho do caso Seif e sua provável absolvição.
“Tecnicamente, creio que não havia elementos para qualquer condenação e a reabertura da instrução não levará a novas provas, pois a questão é bem específica. Ou seja, deu-se tempo ao tempo, para a nova orientação (pela absolvição) não ficar tão em evidência”, comentou um ex-ministro do TSE, que pediu para não ser identificado.
Para outro ex-integrante do TSE, não faz sentido reabrir a coleta de provas no âmbito de um processo cujo julgamento já foi iniciado há semanas. “Se não tem prova, não tem prova. Vai procurar, reabrir tudo pra achar alguma coisa?”
“Nem mesmo a própria acusação poderia pedir de novo a prova de que ela havia desistido, o que dizer o juiz, sem nenhum pedido nesse sentido? O ônus da prova é da acusação, não do Judiciário”, aponta um terceiro ex-ministro do TSE.
A postura da Corte Eleitoral não agradou nem os adversários de Seif, para quem as provas já reunidas no processo já seriam suficientes para justificar a cassação.
Além disso, para os autores da ação, a questão do uso das aeronaves, que baseou a decisão de Azevedo Marques, é apenas um elemento dentre as várias demonstrações de ingerência da Havan dentro da eleição, como o uso dos funcionários como cabos eleitorais.
Por 6 a 1, os ministros do TSE decidiram ser necessário verificar a lista completa de todas as decolagens e aterrissagens nas cidades que Seif visitou no período da campanha, de 16 de agosto de 2022 a 2 de outubro de 2022, e cotejar com a relação de todas as aeronaves da Havan ou do empresário Luciano Hang, incluindo as alugadas ou cedidas a terceiros.
“As partes e também o juiz investigante devem buscar a prova mais ampla, completa e profunda possível. Há que se ter uma prova consistente”, defendeu o relator.
O ministro disse que adotou essa postura por conta de “fatos supervenientes” da tribuna, citando a manifestação da defesa de Seif, que havia criticado que o processo estava “sem instrução, sem testemunha, sem perícia, sem documento, sem nada”, o que deveria levar ao seu arquivamento.
Ou seja: Azevedo Marques usou a manifestação da defesa de Seif criticando a falta de provas como argumento para reabrir a investigação e buscar essas provas.
O ministro recorreu ao artigo 938 do Código de Processo Civil, que prevê que a “questão preliminar suscitada no julgamento será decidida antes do mérito” e permite que, havendo a necessidade de produção de prova, “o relator converterá o julgamento em diligência”.
Só que a questão preliminar não foi suscitada por nenhuma das partes, mas apenas pelo próprio Floriano, quando o ministro já havia falado que entraria no mérito do caso.
Em sua decisão, o TSE deu 48 horas para que as lojas Havan forneçam os prefixos das aeronaves da empresa e 72 horas para que os aeródromos, helipontos e aeroportos de 10 cidades catarinenses apresentem as informações dos pousos e decolagens. Os ministros fixaram uma multa diária de R$ 20 mil caso a decisão seja descumprida.
Em junho do ano passado, quando o caso de Seif ainda estava no Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC), a coligação de Raimundo Colombo pediu o encerramento da coleta de provas naquele tribunal, apontando não haver “novas diligências a requerer, tampouco outras provas a produzir”.
Depois, quando entrou com um recurso para levar o caso ao TSE, Colombo pediu a cassação com base nos “elementos de prova coligidos nos presentes autos”, sem pedir em momento algum a produção de novas provas perante o tribunal chefiado por Alexandre de Moraes.
Na sessão da última terça-feira (30), Azevedo Marques criticou a atuação do TRE de Santa Catarina, que, na sua avaliação, realizou uma “investigação falha” e uma prova precária, o que resultou numa “grande margem de dúvida” em relação ao uso das aeronaves de Hang por Seif.
“Convenhamos que reabrir a fase de provas é admitir que hoje não há provas para condenar”, afirma uma fonte que acompanha de perto os desdobramentos do caso.
O único ministro que se posicionou contra o pedido do relator foi Raul Araújo. “Não me parece que estejamos fazendo uma mera conversão em diligência, mas sim reinaugurando a instrução processual. Houve manifestação da parte investigante de que as provas até então apuradas seriam suficientes. Acho que não podemos chegar a tanto”, afirmou Araújo.
Em nota divulgada à imprensa nesta quarta-feira (1), Hang disse que “os aviões e helicópteros da empresa jamais foram utilizados por nenhum político na eleição”.
Agora, a grande “margem de dúvida” é sobre quando o caso vai ser finalmente concluído – se na gestão de Alexandre de Moraes, que deixa a presidência do TSE até 3 de junho, ou sob a chefia de sua sucessora, a ministra Cármen Lúcia.
Fonte: O GLOBO
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