Rodrigo Paiva, da UFRGS, diz que se não fosse esta área de inundação, o nível do Guaíba poderia ter alcançado sete metros e chegado três dias antes
A vegetação natural das várzeas remanescentes do Guaíba foi fundamental para evitar que a tragédia fosse ainda maior em Porto Alegre e cidades da Região Metropolitana. A várzea serviu como amortecedor da onda de cheia que causou o maior desastre climático da história do Brasil, afirma o hidrólogo Rodrigo Paiva, um dos cientistas à frente das imprescindíveis previsões diárias do nível do Guaíba feitas pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS).
Cálculos preliminares da equipe dele indicam que, se não fosse a várzea, o nível do Guaíba poderia ter alcançado sete metros e chegado três dias antes, causando mais devastação e reduzindo o tempo para que a população pudesse fugir. A seguir, Paiva explica o que esperar para os próximos dias e o que será essencial na reconstrução.
Por que as várzeas das Áreas de Preservação Permanente (APPs) do Delta do Jacuí e do Guaíba são tão importantes?
Elas são o amortecedor natural das inundações. Fizemos uma simulação computacional para traçar o cenário que teríamos se essas áreas tivessem sido removidas. E o resultado impressiona. O nível do Guaíba alcançaria sete metros, é mais que o dobro da cota de inundação. Chegou a 5,3 metros e temos toda essa tragédia. E a onda de cheia também viria muito mais depressa, chegaria três dias antes, reduzindo o tempo de fuga da população. As várzeas foram essenciais.
Por que elas têm esse papel?
Esse é o papel natural da vegetação das várzeas das planícies de inundação, como o Delta do Jacuí e o Lago do Guaíba. A água dos rios que deságuam ali (Jacuí, Taquari, Gravataí, Caí) se espalha por essas áreas alagáveis, cujo solo e vegetação se comportam como esponjas. Isso reduz o volume e a velocidade da água. Em suma, atenuam as cheias. O Guaíba recebe as águas dos rios onde choveu mais e essa onda de inundação, que devastou as cidades da Serra Gaúcha, teria chegado sem freio na planície de inundação onde está a Região Metropolitana de Porto Alegre.
Mas vocês também explicaram que as várzeas têm tornado o escoamento mais lento. Qual a relação custo-benefício?
Sim. A água chega e também escoa mais devagar porque tem que passar pela área de várzea. Mas esse é um preço a pagar porque a devastação que teríamos sem essa proteção natural seria imensamente maior. E é preciso lembrar que muito da área de várzea foi destruída, se ela fosse maior, menos água teria chegado. Além disso, se as comportas e bombas estivessem funcionando direito e tivessem sido melhor dimensionadas, a água em Porto Alegre poderia escoar muito mais depressa. Em resumo, escoaria mais depressa, mas a destruição seria maior.
Tem sido cogitado alargar a boca do canal da Lagoa dos Patos para o mar, para facilitar a descida a da água. Isso pode funcionar?
As simulações preliminares que fizemos no caso de um alargamento de dez quilômetros no canal indicaram que a água não escoaria mais depressa. São projeções, claro, mas é o mesmo modelo que usamos para fazer nossas previsões diárias de cheia e que têm acertado.
O que deve se esperar no futuro?
As grandes cheias retornarão e precisamos estar preparados. O planejamento e as obras não podem mais se basear somente no histórico da região e nos tempos de retorno (estimativas dos períodos em que um desastre pode se repetir) do passado. O clima mudou e o planejamento tem que levar isso em conta. Nossas análises preliminares mostram que grandes chuvas devem se tornar pelo menos quatro vezes mais frequentes a partir de 2050. E a vazão dos rios será pelo menos 15% maior. E pode não demorar a acontecer de novo.
Quando?
Tivemos dois eventos extremos de chuva em dois anos seguidos no Rio Grande do Sul. Em 2023, a cheia recorde do Taquari, que foi superada agora pela inundação do estado. Esses eventos eram considerados muito raros. Pois, vimos que se sucederam em menos de um ano. Precisamos pensar e nos preparar para cenários ainda piores do que este que enfrentamos e eles podem acontecer antes do que se imagina.
O que você elencaria como urgências na reconstrução?
São muitas. Uma é não reconstruir em áreas de risco. Isso é essencial. É preciso impedir que as várzeas, banhados e vegetação de beira de rios continuem a ser ocupados e destruídos. E também restaurar muitas dessas áreas. Isso é o que chamamos de infraestrutura verde e azul. Ela deve ser combinada a obras estruturais, como melhores diques e comportas.
Por que as várzeas das Áreas de Preservação Permanente (APPs) do Delta do Jacuí e do Guaíba são tão importantes?
Elas são o amortecedor natural das inundações. Fizemos uma simulação computacional para traçar o cenário que teríamos se essas áreas tivessem sido removidas. E o resultado impressiona. O nível do Guaíba alcançaria sete metros, é mais que o dobro da cota de inundação. Chegou a 5,3 metros e temos toda essa tragédia. E a onda de cheia também viria muito mais depressa, chegaria três dias antes, reduzindo o tempo de fuga da população. As várzeas foram essenciais.
Por que elas têm esse papel?
Esse é o papel natural da vegetação das várzeas das planícies de inundação, como o Delta do Jacuí e o Lago do Guaíba. A água dos rios que deságuam ali (Jacuí, Taquari, Gravataí, Caí) se espalha por essas áreas alagáveis, cujo solo e vegetação se comportam como esponjas. Isso reduz o volume e a velocidade da água. Em suma, atenuam as cheias. O Guaíba recebe as águas dos rios onde choveu mais e essa onda de inundação, que devastou as cidades da Serra Gaúcha, teria chegado sem freio na planície de inundação onde está a Região Metropolitana de Porto Alegre.
Mas vocês também explicaram que as várzeas têm tornado o escoamento mais lento. Qual a relação custo-benefício?
Sim. A água chega e também escoa mais devagar porque tem que passar pela área de várzea. Mas esse é um preço a pagar porque a devastação que teríamos sem essa proteção natural seria imensamente maior. E é preciso lembrar que muito da área de várzea foi destruída, se ela fosse maior, menos água teria chegado. Além disso, se as comportas e bombas estivessem funcionando direito e tivessem sido melhor dimensionadas, a água em Porto Alegre poderia escoar muito mais depressa. Em resumo, escoaria mais depressa, mas a destruição seria maior.
Tem sido cogitado alargar a boca do canal da Lagoa dos Patos para o mar, para facilitar a descida a da água. Isso pode funcionar?
As simulações preliminares que fizemos no caso de um alargamento de dez quilômetros no canal indicaram que a água não escoaria mais depressa. São projeções, claro, mas é o mesmo modelo que usamos para fazer nossas previsões diárias de cheia e que têm acertado.
O que deve se esperar no futuro?
As grandes cheias retornarão e precisamos estar preparados. O planejamento e as obras não podem mais se basear somente no histórico da região e nos tempos de retorno (estimativas dos períodos em que um desastre pode se repetir) do passado. O clima mudou e o planejamento tem que levar isso em conta. Nossas análises preliminares mostram que grandes chuvas devem se tornar pelo menos quatro vezes mais frequentes a partir de 2050. E a vazão dos rios será pelo menos 15% maior. E pode não demorar a acontecer de novo.
Quando?
Tivemos dois eventos extremos de chuva em dois anos seguidos no Rio Grande do Sul. Em 2023, a cheia recorde do Taquari, que foi superada agora pela inundação do estado. Esses eventos eram considerados muito raros. Pois, vimos que se sucederam em menos de um ano. Precisamos pensar e nos preparar para cenários ainda piores do que este que enfrentamos e eles podem acontecer antes do que se imagina.
O que você elencaria como urgências na reconstrução?
São muitas. Uma é não reconstruir em áreas de risco. Isso é essencial. É preciso impedir que as várzeas, banhados e vegetação de beira de rios continuem a ser ocupados e destruídos. E também restaurar muitas dessas áreas. Isso é o que chamamos de infraestrutura verde e azul. Ela deve ser combinada a obras estruturais, como melhores diques e comportas.
Mas esses sistemas têm efeito localizado, não bastam. Também precisamos de planos de emergência, de alerta e de educação. E é preciso refinar os mapeamentos, as redes de equipamentos, identificar riscos futuros, para não vivermos em interminável reconstrução. Não existe proteção total, mas precisamos aprender a conviver com os extremos.
Fonte: O GLOBO
Fonte: O GLOBO
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