Ex-presidente aproveitou formato do evento, que não previa checagem de afirmações, e a apatia do adversário, que pareceu incapaz de seguir no comando da maior potência global

O primeiro debate presidencial da corrida à Casa Branca foi um desastre completo para Joe Biden. Nem o mais ardoroso defensor de Donald Trump sonhou que poderia ser tão ruim. Em troca de mensagens vazadas para a imprensa durante o evento, democratas discutiam se a convenção do partido, em agosto, não deveria incluir outros candidatos. 

No mínimo, reconhecem, vai ficar mais difícil convencer doadores a engordar o caixa da campanha. Se nem seus correligionários acreditam que o presidente tem condições de comandar o país, fica muito difícil imaginar como indecisos, independentes e republicanos anti-Trump se animarão a sair de casa para votar pela reeleição.

Sem meias palavras, Joe Biden precisava provar no debate que não está caduco ou doente e desenhar para os eleitores americanos que seu adversário é uma ameaça à democracia. Falhou miseravelmente nas duas tarefas.

Logo no primeiro bloco do debate, não conseguiu sequer se expressar de forma coerente quando tentava comparar o que fez em saúde pública com o desastre do governo Trump no combate à pandemia. Confuso, quando quis se gabar de uma vitória de seu governo sobre a indústria farmacêutica começou a falar do Medicare, o sistema de saúde pública para americanos com mais de 65 anos ou em vulnerabilidade social. Não fazia sentido. Foi um dos momentos mais constrangedores da noite, quando os debatedores ficaram sem saber o que fazer após o presidente emudecer sem concluir o raciocínio.

Tópico após tópico, da economia ao direito ao aborto, da imigração às invasões russas da Ucrânia ("Biden incentivou Putin", disse o republicano, rebatido por um tímido "nunca ouvi tamanha besteira") e das hostes trumpistas ao Capitólio, o ex-presidente se mostrou mais assertivo. Donald Trump soube usar o formato do debate a seu favor. Mentiu e distorceu fatos descarada e seguidamente, sem que suas leviandades fossem retrucadas pelos debatedores.

Trump até jurou, algo no mínimo inusitado em um debate presidencial, que “não fez sexo com uma atriz pornô”, em referência à sua condenação por pagar pelo silêncio de Stormy Daniels, com quem teria tido um caso, e assim abafar escândalo que poderia prejudicá-lo na disputa com Hillary Clinton em 2016.

Trump tentou reduzir o efeito negativo no eleitorado de seus embates com a Justiça ao dizer ser agora “tão condenado quanto Hunter Biden”, o filho do presidente sentenciado por omitir sua dependência química ao comprar uma arma. E buscou inverter o jogo, repetidamente chamando Biden de criminoso. Na acusação mais contundente, disse que o adversário tinha “sangue nas mãos” por “afrouxar as fronteiras” e deixar “terroristas, inclusive da América do Sul” entrar no país e matar cidadãos americanos, novamente esticando descaradamente a realidade a seu favor. Biden reagiu, a voz sempre rouca, enumerando medidas de seu governo de endurecimento da segurança nas fronteiras.

No segundo bloco, o presidente, que, segundo democratas começaram a dizer no intervalo, "pegou um resfriado", parece ter acordado. Conseguiu ao menos interagir com a realidade à sua volta e falar de energia limpa e crise climática. Too little, too late.

O debate foi um passeio para Donald Trump, que, a propósito, saiu pela tangente quando perguntado se aceitaria o resultado das eleições em novembro. Há quatro anos, ele afirmou falsamente que Biden venceu em 2020 por conta de fraudes. O ex-presidente disse que concordará com o que dizem as urnas "se o processo for justo, legítimo e correto”. Se isso significa vencer no Colégio Eleitoral, como em 2016, ele ficou mais próximo de seu objetivo após a performance abismal de Joe Biden no primeiro duelo dos dois em quase quatro anos. Faz sentido o pânico no flanco democrata.


Fonte: O GLOBO