Congresso Nacional Africano precisou buscar o apoio da oposição pela primeira vez desde o fim do Apartheid; rivais atacam união com a centro-direita

Duas semanas depois de perder a maioria absoluta no Parlamento sul-africano pela primeira vez desde o fim do Apartheid, há três décadas, o Congresso Nacional Africano (CNA) anunciou um acordo com a oposição para formar um governo e reeleger o presidente Cyril Ramaphosa.

— Conseguimos um grande avanço no acordo comum sobre a necessidade de trabalhar juntos — disse, em entrevista coletiva, o secretário geral do CNA, Fikile Mbalula.

De acordo com Mbalula, além do CNA, a coalizão incuirá a principal sigla de oposição ao atual governo, a Aliança Democrática, de centro-direita e que defende medidas de abertura de mercado e liberalização da economia. Também votará com o CNA o Partido da Liberdade Inkatha, que havia anunciado um acerto com os governistas mais cedo na quinta-feira: em declarações à imprensa, o líder da sigla, Velenkosini Hlabisa, disse que estava dando esse passo “pelo bem do país e por um governo estável. Outras siglas menores também devem se juntar ao CNA, afirmam os governistas.

Depois das eleições de 29 de maio, o CNA se viu diante de uma situação inédita desde o fim do regime do Apartheid, em 1994: a sigla perdeu a maioria absoluta no Parlamento, em parte pelo descontentamento da população com os recorrentes escândalos de corrupção, com o fracasso de políticas públicas, como durante a pandemia da Covid-19, e com o agravamento dos problemas econômicos e da insegurança.

Nas urnas, o CNA obteve 40,18% dos votos, e também perdeu a maioria em assembleias estaduais em três estados controlados pela sigla, Cabo Setentrional, Gauteng e KwaZulu-Natal. A Aliança Democrática, presidida por Helen Zille, ficou em segundo na votação geral, com 21,81%. Diante do resultado do CNA, o partido sinalizou desde o início a disposição para unir forças.

Um fator crucial para que a Aliança se juntar ao CNA foi a possibilidade de Ramaphosa recorrer a políticas “anti-mercado” e populistas para atrair setores de esquerda que, hoje, não querem governar ao seu lado, em especial o Combatentes da Liberdade Econômica (CLE), de Julius Malema. Agora, como aponta Frans Cronje, analista político sul-africano, a sigla de centro-direita terá alguma voz no processo decisório.

— Olhe para onde estamos e onde não estamos — disse Cronje ao Financial Times. — Não estamos diante de um colapso radical populista, e não temos tiroteios nas ruas.

Com a definição de um governo de maioria, o novo Parlamento vai se reunir nesta sexta-feira com uma agenda já definida. A começar pela posse dos deputados e deputadas, que escolherão um presidente para a Casa e, posteriormente, um novo chefe de governo, que deve ser Ramaphosa. A partir daí serão confirmados os cargos ministeriais.

Apesar das similaridades políticas com Ramaphosa, o CLE rejeitou fazer parte de um governo que tivesse a Aliança Democrática ou o partido Umkhonto We Sizwe (MK), criado há apenas seis meses pelo ex-líder do CNA e ex-presidente Jacob Zuma — Zuma foi impedido de concorrer ao Parlamento, e também rejeitou integrar a coalizão. Para Malema, líder do CLE, trazer a centro-direita da Aliança Democrática ou o MK para a mesma bancada é um erro, porque eles representam o “colonialismo” e a “supremacia branca”.

— Será o fim do CNA — disse Malema, em entrevista coletiva nesta quinta-feira.

Horas antes do anúncio da coalizão, o MK ainda buscava manobras para impedir a realização da sessão de sexta-feira. Apesar de ter sido a grande surpresa da votação de maio, terminando em terceiro com 14,58%¨dos votos, o partido questiona os resultados. Sihle Ngubane, secretário-geral da sigla, disse ter “muitas evidências” de fraudes, algo rejeitado pelas autoridades eleitorais e por pobservadores independentes. O MK também prometeu boicotar a abertura dos trabalhos no Parlamento, mas especialistas dizem que a medida não terá efeitos práticos.


Fonte: O GLOBO