Projeto criticado por supostamente promover privatização do litoral já recebeu parecer favorável do relator

O relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê o fim do domínio da União sobre terrenos de marinha, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), disse à equipe do blog que promoverá duas alterações no texto do projeto envolto em controvérsias e críticas por possíveis brechas para privatizar praias no Brasil.

As mudanças visam atenuar críticas, retirando o trecho que torna obrigatória a passagem destes terrenos para particulares. A transferência de propriedade passaria a ser facultativa, mas continua sendo permitida. Essa previsão é um dos pontos que renderam a polêmica dos últimos dias em torno da privatização das praias.

Os chamados terrenos de marinha são áreas situadas próximas à costa marítima e de rios, lagos e ilhas controladas pela União. São faixas de terra situadas a 33 metros da água em direção ao continente, usando como referencial a média das marés máximas registradas em 1831.

Na última semana, após a realização de uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal para tratar do tema, a proposta ficou conhecida como a “PEC da privatização das praias” e esteve entre os assuntos mais comentados nas redes sociais, além de mobilizar bancadas de esquerda no Congresso contra o projeto.

Apoiadores da lei, por sua vez, sustentam que a PEC não trata sobre praias, que estariam protegidas por uma lei federal de 1988 que define esses ambientes como “bens públicos de uso comum do povo” com acesso “livre e franco”.

Após a audiência no Senado, Flávio Bolsonaro decidiu alterar o trecho que prevê que quem ocupa esses locais seja obrigado a comprá-los caso queira continuar. Na nova versão do texto, a transferência de propriedade será facultativa.

Flávio também vai mudar o texto na parte em que prevê a transferência de propriedade de portos, aeródromos e pistas de pouso operados em regime de autorização ao longo da costa brasileira.

Em relação ao primeiro ponto, a PEC prevê um pagamento obrigatório ao governo federal pela transferência da titularidade de propriedades em terrenos de marinha pelos moradores destas regiões, os chamados foreiros, considerando o valor de mercado. Atualmente, a população dessas áreas já paga uma taxa ao governo federal, o foro, e o domínio sobre os imóveis é compartilhado com a União.

Em outras palavras, uma parcela considerável dos moradores teria que pagar pela titularidade de propriedades que já estão em sua posse há anos. Diante das resistências, Flávio decidiu rever a compulsoriedade e, em uma nova formatação do texto, a transferência onerosa será facultativa.

“Teremos que olhar melhor como é que fica a situação das pessoas que não quiserem comprar. Como seria? As terras iriam a leilão, ou continuariam com a União? É preciso ter uma transição e essa opção deve ser facultativa. Quem quiser comprar, vai comprar, e quem não quiser vai continuar pagando o aluguel [foro ou laudêmio] à União”, declarou o senador à equipe do blog.

O caráter compulsório foi discutido na audiência pública da CCJ. Carolina Gabas, representante da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), citou o exemplo da baixa adesão da população à política de remição de foro adotada no governo Jair Bolsonaro. A iniciativa visava justamente transferir aos proprietários o domínio sobre imóveis em terrenos de marinha.

“No tocante à aquisição por valor de mercado, um dos insucessos [foi] a pouca adesão que nós tivemos na política de remição de foro, que já é permitida, hoje, pela Constituição e pela legislação”, disse Carolina.

“As pessoas, ao terem que fazer o pagamento dessa remição do foro com o valor de mercado, acabam achando esse valor muito oneroso e não tiveram interesse em fazer isso. A compulsoriedade combinada com o valor alto pode criar um caos na implementação da proposta, na forma como está hoje. Entendemos que é possível aperfeiçoá-la”.

Já a manutenção de determinadas áreas de portos e aeroportos sob o domínio da União foi um pleito de associações do setor, que temiam impactos sobre empreendimentos que atuam em regime de autorização – o texto da PEC só prevê a exclusão dessas instalações que atuam por concessão ou de forma permissionária.

Segundo Flávio Bolsonaro, cerca de 100 portos de pequeno porte pelo país operam por meio de autorização e seriam obrigados a adquirir compulsoriamente o domínio sobre as terras.

Essa foi outra demanda trazida na audiência da CCJ. Na ocasião, o alerta para os reflexos no setor de portos e aeroportos foi da representante da Associação dos Terminais Portuários Privados (ATP), Ana Paula Gadotti.

Flávio, porém, não pretende mexer nos demais dispositivos da PEC – incluindo os artigos que servem como base para a proposta de extinguir o domínio da União sobre os terrenos de marinha.

“Acredito que a PEC terá um apoio quase unânime no Senado. Foram mais de 400 votos a favor na Câmara do jeito que está. Com as alterações que eu estou fazendo não tem por que votar contra”, garante.

Repercussão da PEC

Mas, diante da repercussão política do caso, é provável que o cenário seja mais pedregoso do que sugere o relator da PEC. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), declarou na última segunda-feira (3) em Brasília que a tramitação do projeto demanda “cautela” e evitou se manifestar a favor ou contra a proposta.

Além disso, senadores à esquerda têm se posicionado contra a pauta. O ministro Alexandre Padilha, da Secretaria das Relações Institucionais, também reiterou a posição do governo Lula contra a PEC – o que já havia sido manifestado pelos representantes da União na audiência da semana passada.

Tudo indica que a proposta ainda dará o que falar em Brasília.


Fonte: O GLOBO