Mudanças climáticas e desmatamento, que resultam na escassez de rios da região, são as principais causas; governo do MS decreta situação de emergência

Nem mesmo no primeiro semestre de 2020, o ano em que um terço do Pantanal foi devastado pelo fogo, houve tantos focos de calor no bioma quanto agora. Os primeiros seis meses de 2024 são um recorde de incêndios na série histórica, o que levou o governo do Mato Grosso do Sul a decretar situação de emergência no estado nesta segunda (24). 

A estatística no período também representa um recorde no Cerrado, e na Amazônia é o maior registro em 20 anos. Uma combinação entre a atuação do El Niño e as mudanças climáticas vêm resultando em secas severas pelo país, que geram tantos focos de calor, explicam especialistas.

Segundo os dados do Programa de Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), já houve 3.262 focos de calor no Pantanal entre os dias 1º de janeiro e 24 de junho, o maior número desde 1988, quando começou a série histórica. 

Esse valor é quase 30% maior que o registrado em 2020. Naquele ano, um terço da área do bioma foi consumido pelo fogo, o que matou cerca de 17 milhões de animais. Mas, 60% dos incêndios do que foi conhecido como o ano do fogo aconteceu entre agosto e o fim de setembro, tradicionalmente período mais seco da região.

Por isso, os incêndios não deveriam estar tão recorrentes nesse primeiro semestre. No ano passado, por exemplo, foram apenas 150 focos registrados neste período, segundo o Inpe, número 2.074% menor que o de 2024. 

Especialistas explicam que as mudanças climáticas e o El Niño, que teve forte atuação ano passado, contribuíram para longa estiagem nos rios que abastecem o Pantanal. Com a seca, a vegetação torna-se mais seca e inflamável, criando condições propícias para ocorrência de propagação de incêndios florestais.

Combate a incêndio na região do Paraguai-mirim, fica há cerca de 2h30 por embarcação rio Paraguai acima, saindo de Corumbá (MS) — Foto: Brigada Alto Pantanal/IHP/09-06-2024

A bacia do Rio Paraguai, que é a principal bacia hidrográfica do bioma, está com níveis extremamente baixos neste ano. No período de 1º de janeiro a 24 de junho, a média do nível do rio, na altura de Ladário (MS), vizinha de Corumbá (MS), foi de apenas 92 centímetros. A efeito de comparação, a média do rio no ano passado foi de 2,56 metros e de 1,30 metro em 2020.

— Mudanças climáticas vão continuar agravando essa situação, tornando esses períodos de seca cada vez mais intensos e frequentes. Não só no Pantanal, mas nos outros biomas — explica Fernando Rodovalho, especialista em manejo integrado do fogo do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê), que também destaca o impacto do desmatamento para o problema. 

— Os principais afluentes do Pantanal nascem no Cerrado. O avanço do desmatamento no Cerrado (onde ficam as nascentes dos principais rios que vão ao Pantanal) e a devastação das áreas de proteção permanente impactam gravemente nos ciclos hidrológicos da região.

Até domingo (23), a área queimada no Pantanal já havia alcançado 627 mil hectares: 480 mil hectares no Mato Grosso do Sul e 148 mil no Mato Grosso, de acordo com Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

No final de semana, as imagens das celebrações do Arraial do Banho de São João em Corumbá com um incêndio ao fundo, na floresta, viralizaram e chamaram a atenção para o problema. 

Nesta segunda (24), o governador Eduardo Riedel (PSDB) publicou o decreto de situação de emergência no estado, com duração de 180 dias. Com isso, ficam dispensadas as realizações de licitação nos casos de emergência ou calamidade pública e bombeiros e brigadistas podem entrar em casas para prestarem socorro aos moradores, bem como determinar evacuações em propriedades particulares atingidas pelo fogo.

Conforme o decreto, três municípios sul-mato-grossenses estão em condições de seca severa. O documento também destaca a "situação crítica de escassez quantitativa dos recursos hídricos" na bacia do Rio Paraguai.

Especialista em Conservação do WWF-Brasil, Daniel Santos diz que as ações emergenciais precisam ser intensificadas.

— Isso significa mais brigadistas, mais equipamentos, mais recursos e melhor planejamento nas intervenções e com os estados. As pessoas precisam usar a terra com bom senso e parar de aplicar o fogo em suas práticas agrícolas, em um momento que as condições climáticas são favoráveis a propagação do fogo. Estamos falando do patrimônio natural do Brasil que está virando fumaça.

A Operação Pantanal 2024, de combate aos incêndios, foi iniciada pelo governo estadual no dia 2 de abril. Foram instaladas 13 bases avançadas no bioma, para reduzir o tempo de resposta ao fogo em locais mais isolados. Segundo o governo, já foram investidos R$50 milhões na estrutura de enfrentamento ao fogo.

No sábado, o governo federal confirmou o envio de reforço à região. Serão enviadas sete aeronaves, três do ICMBio, e quatro do Exército, além de 50 homens da Força Nacional.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou na segunda-feira que as queimadas no Pantanal são "fora da curva" e "uma das piores situações já vistas" no bioma.

— Na Amazônia, a estiagem leva a esforços em relação à logística e abastecimento. E, no Pantanal, tem a ver com logística e incêndio. Porque nós estamos diante de uma das piores situações já vistas no Pantanal — disse a ministra.

Cerrado e Amazônia também batem recorde

O fogo intenso não atinge somente o Pantanal. O primeiro semestre também representa recorde de focos de calor no Cerrado e na Amazônia. No Cerrado, onde mais da metade dos casos acontece no Matopiba (fronteira agrícola entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), já houve 12.121 focos de 1º de janeiro a 24 de agosto, número 31% maior que o ano passado e o maior desde 1988. Já na Amazônia, o aumento foi de 72% em relação ao ano passado, e o maior desde 2004.

Enquanto o Cerrado vem sofrendo com alto desmatamento, as taxas na Amazônia diminuíram, como reflexo da atuação prioritária do governo federal desde o início da gestão. No entanto, a crise climática, que resultou na seca histórica dos rios do bioma ano passado, é a principal explicação para a estatística de fogo, dizem os especialistas.

— Mesmo com a redução do desmatamento na Amazônia, as condições climáticas têm contribuído para o aumento de focos de calor. O El Niño atrasou bastante a chegada das chuvas no final do ano passado, chovendo bem menos que o esperado em algumas regiões. O que choveu de lá pra cá não é o suficiente pra reestabelecer a situação hídrica de forma plena — afirmou Fernando Rodovalho.

Ataques da oposição

O crescimento do número de incêndios no bioma motivou novos ataques da oposição à pasta ambiental do governo petista. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou ambientalistas, a quem chamou de “eCUlogistas”, por falta de cobranças gestão de Lula. Durante seu mandato federal, entre 2018 e 2022, o antigo chefe do Executivo foi criticado devido às queimadas no Brasil.

O ex-presidente Jair Bolsonaro criticou ambientalistas nesta segunda-feira — Foto: Reprodução/Redes sociais

O suposto silêncio de ambientalistas também foi criticado pelo deputado federal Mário Frias (PL-SP). "No governo Bolsonaro, as queimadas eram culpa do Bolsonaro. No governo Lula, a culpa é do clima", disse o parlamentar.

"Em qual momento o Pantanal deixou de ser importante? No Governo do Lula todos estão em silêncio, talvez porque tenham mais de 16 bilhões de motivos para ficarem caladinhos...", escreveu Frias em outra postagem.

A deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) também ironizou o resultado negativo no bioma. "Ué! O problema não era o Bolsonaro?", questionou a parlamentar.


Fonte: O GLOBO