Ações pedem reconhecimento de prejuízo causado por emissão de carbono, enquanto CNJ estabelece parâmetros
O Judiciário brasileiro tem discutidos nos últimos anos a possibilidade de condenação por dano climático, um segmento ainda novo no direito. Nessas ações, um cálculo é feito para estimar o prejuízo causado por emissões de gases do efeito estufa. Ainda há divergências, contudo, sobre a forma de calcular esse dano, o que dificulta o andamento das ações, e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prepara uma regulamentação.
Entre 2018 e 2023, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apresentou dez ações civis públicas pedindo reparação por danos climáticos. Dessas, três geraram condenações, com valores entre R$ 1 milhão e R$ 3,8 milhões.
A ação mais recente, apresentada no ano passado, pediu indenização com valor recorde — R$ 292 milhões — contra um único infrator ambiental, autuado por ter desmatado e queimado 5,6 mil hectares da floresta Amazônica entre 2003 e 2016. Esse caso ainda tramita na Justiça e não houve sentença.
Por outro lado, dois pedidos do Ibama foram julgados parcialmente procedentes: houve a condenação para recuperar a área degradada, mas o pagamento por dano climático foi rejeitado, com alegações sobre a dificuldade no cálculo.
Em um outro caso, ao analisar um pedido de liminar, o juiz responsável considerou o valor de dano pedido “desproporcional” em relação à área degradada e afirmou que faltavam estudos técnicos. Essa ação, contudo, ainda será julgada.
O levantamento sobre o andamento das ações foi feito pelo Grupo de Pesquisa Direito, Ambiente e Justiça no Antropoceno (Juma), da PUC-Rio, que mantém uma plataforma sobre casos de litigância climática no Brasil.
A coordenadora-geral do grupo, Danielle de Andrade Moreira, especifica que existem uma série de variáveis no cálculo do dano climático, incluindo a quantidade do gás que teria sido lançada na atmosfera e também uma precificação desse carbono. Até agora, contudo, são usadas metodologias diferentes nessas estimativas.
— É um assunto muito complexo, muito técnico, que tem desafiado os juízes, não só, mas também quem aciona, quem leva ao Judiciário — avalia Moreira. — A gente tem uma diversidade de metodologias sendo utilizadas no Judiciário e a gente não tem uma orientação única.
Casos de condenação
A primeira condenação, entre os dados levantados, ocorreu em 2020, contra uma empresa que tinha 3.359,993 m³ de madeira sem licença ambiental em Novo Progresso (PA). A companhia foi sentenciada a recuperar uma área de 96 hectares e a pagar R$ 1 milhão.
Em 2022, um juiz federal do Amapá condenou uma empresa a recuperar 14 hectares, mas inicialmente considerou que o pagamento do dano climático só deveria ocorrer após a restauração da área. Meses depois, contudo, aceitou um recurso do Ibama e alterou a decisão para determinar o pagamento de R$ 1,4 milhão.
Já a maior condenação por dano climático ocorreu no ano passado, contra uma madeireira do Amazonas condenada a pagar R$ 3,8 milhões e a recuperar uma área de 39 hectares.
Cálculo não ‘factível’
Já a rejeição dos pedidos ocorre por questões técnicas. No ano passado, por exemplo, um juiz federal do Pará condenou uma empresa a recuperar uma área de 22,14 hectares. O mesmo magistrado, contudo, rejeitou o pedido de pagamento do dano climático, por considerar que ainda não há parâmetros necessários para realizar o cálculo.
"Todavia, deixo de acolher o pedido, tendo em vista que não há um consenso — que na realidade torna-se impossível, em virtude das evidentes incertezas científicas que envolvem o tema — nem parâmetros, seja jurisprudencial, legal ou no âmbito da doutrina especializada, para fixação do aludido dano", argumentou.
Em 2020, também no Pará, um empresário foi condenado a reflorestar uma área desmatada, de 20 hectares, mas o pedido de compensação foi negado por não ser "factível". O juiz considerou que não uma perícia que possibilitasse o cálculo.
Uma outra ação que tramitava em Rondônia foi extinta, sem análise do mérito do caso, porque o juiz considerou que o Ibama não teria legitimidade para tratar do caso, que seria de competência estadual.
CNJ atua por parâmetros
Em 2021, o CNJ editou uma resolução instituindo a chamada Política Nacional do Poder Judiciário para o Meio Ambiente. Um dos pontos tratou sobre o cálculo do dano ambiental. Ficou definido que o magistrado deve considerar, como parâmetros, “o impacto desse dano na mudança climática global, os danos difusos a povos e comunidades atingidos e o efeito dissuasório às externalidades ambientais causadas pela atividade poluidora”.
No ano passado, o CNJ realizou uma audiência pública para discutir a questão. Depois, foi instituído um grupo de trabalho especificamente para estabelecer diretrizes para o cálculo. Os trabalhos do grupo devem ser encerrados neste mês.
Fonte: O GLOBO
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