O avanço da extrema direita no Parlamento Europeu deve acirrar medidas protecionistas que têm parceiros comerciais na mira, como o Brasil. Sob a bandeira verde da redução de emissões de carbono, começa a valer a partir de 1º de janeiro de 2025, o European Union Deforestation Act (EUDR), a lei antidesmatamento da União Europeia (UE), cujo principal objetivo é impedir a importação de produtos originários de áreas que foram desmatadas, legalmente ou não, a partir de 2020.
O governo está particularmente preocupado com a proximidade da entrada em vigor da lei e não descarta recorrer a fóruns internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). A nova lei tem como foco sete setores: gado bovino, café, cacau, produtos florestais (que abrange papel, celulose, bem como madeira), soja, óleo de palma e borracha. A lista inclui derivados, como couro, móveis e chocolate.
Uma análise feita pelos técnicos conclui que 31,8% das exportações brasileiras para a região poderão ser afetados. No ano passado, o Brasil vendeu US$ 46,3 bilhões ao bloco europeu. Com a lei, há impacto potencial de US$ 14,7 bilhões, valor equivalente, por exemplo, ao que o país embarcou para o Oriente Médio (cerca de US$ 15 bilhões) em 2023.
Para a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Tatiana Prazeres, a lei vai punir países que preservaram florestas.
Associação de exportadores de carne diz que entidade tem parecer mostrando que a nova lei fere princípios da Organização Mundial do Comércio (OMC) — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo
— O lado brasileiro tem dito que todas as opções estão sobre a mesa, inclusive a possibilidade de se questionar a medida do bloco europeu nas esferas apropriadas — diz Tatiana.
Ela disse que há um trabalho em curso para reduzir custos e mitigar riscos para os exportadores brasileiros. Uma das frentes é o diálogo com autoridades da União Europeia, para esclarecer dúvidas sobre a legislação e defender os interesses do país na regulamentação e implementação da lei.
— O Brasil defende que dados e sistemas brasileiros sejam levados em conta na definição de desmatamento pela UE. Defende uma aplicação uniforme da legislação pelos vários pontos de entrada dos produtos brasileiros no bloco europeu, entre outros aspectos — diz a secretária.
Caberá aos importadores europeus provar que estão comprando produtos livres de desmatamento e que atendem outros critérios, como a garantia de que não foi usada mão de obra análoga à escravidão e que os produtores respeitam os direitos humanos.
A legislação recai por tabela sobre os exportadores. Por isso, empresas e associações brasileiras se movimentaram, enviaram missões a Bruxelas e desenvolveram plataformas próprias para rastreabilidade dos produtos. Querem, assim, usar a legislação a seu favor, como um diferencial em relação a outros países.
Sem diálogo com países
Para analistas e representantes dos setores que serão afetados, embora a lei tenha a finalidade de conter o desmatamento, ela impõe barreiras comerciais a países sem que um diálogo sobre as regras tenha sido travado em fóruns multilaterais. E atropela legislações nacionais, ao não diferenciar desmatamento legal de ilegal.
—Não considerar o desmatamento legal é muito questionável — diz Rodrigo Lima, sócio-diretor do Agroícone.
Papel e celulose. Setor tem 100% do volume exportado com certificação de que não houve desmatamento desde 1994 — Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo
No Brasil, o Código Florestal permite percentuais específicos de desmatamento para propriedades rurais de acordo com o bioma. Na Amazônia, por exemplo, é 20%. Na Mata Atlântica é de 80%.
Nos países da UE, os limites são bem menos rígidos: apenas 4% das propriedades rurais precisam ser preservadas, segundo a política agrícola comum do bloco. E esse limite deve ser flexibilizado diante da onda de protestos de agricultores deste ano.
Indagado se a nova lei europeia é considerada protecionismo verde, o embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, disse que não:
— Trata-se de um anseio da opinião pública europeia. É uma oportunidade para as duas regiões (Europa e América Latina) trabalharem em conjunto para melhorar o desempenho da agricultura em compatibilidade com as questões climáticas e ambientais. Por exemplo, no processo de certificação.
Para Camila Dias de Sá, pesquisadora do Centro do Agronegócio Global do Insper, com a lei, a Europa tenta impor ao mundo sua ideia do que é sustentabilidade e perde a chance de valorizar ativos ambientais. Segundo ela, o Brasil tem um excedente de reserva legal — ou seja, uma área que está além da que deveria ser preservada legalmente — de 80 milhões a 110 milhões de hectares.
— É uma área que poderia ter sido desmatada e não foi. Isso tem um valor. Como valorar isso? A lei tem apenas incentivos negativos, é punitiva. Ela poderia ter outros incentivos.
Outra crítica é que a lei foi adotada de forma unilateral, sem diálogo com os parceiros comerciais. Da mesma forma que a UE aprovou uma lei que cria barreiras antidesmatamento, EUA e Reino Unido estão discutindo criar suas próprias regras, mas devem barrar os produtos originados de áreas desmatadas ilegalmente. São, também, medidas unilaterais.
— Imagina se a China resolve fazer o mesmo. Cada país terá suas regras. Será uma fragmentação de medidas. Por isso, a gente tem que fazer do limão uma limonada, validar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para provar, sobretudo, que o que vendemos não vem do desmatamento ilegal — disse Rodrigo Lima, sócio-diretor do Agroícone.
Setores querem mais prazo
Setores afetados pela entrada em vigor da lei já começaram a se movimentar, com ações de rastreabilidade do produto, mas têm uma série de reivindicações. Uma delas é uma espécie de moratória na aplicação de multas, solução defendida por cafeicultores do Brasil (que já estão se antecipando às diretrizes da lei), Costa Rica e Colômbia.
A lei prevê que, se os importadores não cumprirem as regras, poderão ser multados em até 4% do faturamento anual. A proposta que será levada à Comissão Europeia é que a pena não seja aplicada por um a três anos, para que haja um período de adaptação.
Outro pleito é que haja regionalização do risco do desmatamento. A lei prevê que os países serão classificados em baixo, médio e alto risco de desmate. De acordo com o nível, as exigências serão maiores ou menores. Mas o Brasil é de dimensões continentais. O risco maior de desmatamento em uma área não necessariamente é o mesmo em outra.
Produtos rastreados
Entre os setores, papel e celulose é um dos mais avançados. O Brasil é o maior exportador de celulose do mundo, e 22% a 23% do que é vendido ao exterior vão para a União Europeia. De acordo com José Carlos Fonseca Jr., diretor de Relações Governamentais da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) e presidente da Associação Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel), 100% do volume exportado têm certificação de que não houve desmatamento desde 1994, ano usado como parâmetro pela certificadora internacional.
— Nossas empresas têm floresta e indústria. Sabemos de onde vem cada árvore que está no pátio — diz ele, que integrou equipe da Ibá enviada a Bruxelas para tratar do tema.
Na cafeicultura, foi desenvolvida plataforma própria, a Cafés do Brasil, parceria do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil com a Serasa Experian. Nela, há dados de sensoriamento remoto, geolocalização dos produtores, lista suja de trabalho escravo. Os associados representam 94% das exportações para a UE.
— A gente quer mostrar que está fazendo tudo de forma organizada, para nos diferenciarmos — disse Marcos Matos, diretor geral do Cecafé.
A Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) defende questionar a legalidade da medida.
— O mercado brasileiro está preocupado com a lei, porque pode fechar portas para os produtos do agro — disse Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da CNA.
Diretor de Sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Fernando Sampaio disse que a entidade tem parecer que mostra que a leio viola princípios da Organização Mundial do Comércio:
— Já fazemos controle de desmatamento, na Amazônia principalmente, desde 2009. Não é dificuldade atender a legislação europeia, mas pedimos transição entre a rastreabilidade parcial e total.
(*) A repórter Danielle Nogueira viajou a convite do governo da França
Fonte: O GLOBO
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