Economista francês Gabriel Zucman detalha plano de taxação global de bilionários que será discutida em reunião dos ministros de finanças dos países-membros do grupo no Rio em julho
Os EUA rejeitaram. A Alemanha está cética. E a França de repente enfrenta um futuro incerto que pode ameaçar seus esforços para defender a ideia.
O economista francês Gabriel Zucman detalhou nesta terça-feira seu plano para criar uma taxação global dos bilionários, um ponto central da presidência do Brasil no G20, que já enfrenta grandes desafios em um ambiente internacional tumultuado, dominado por eleições tensas e duas grandes guerras.
A proposta prevê um imposto mínimo de 2% que atingiria cerca de 3.000 das pessoas mais ricas do mundo, e será debatida quando os ministros de finanças do G20 se reunirem no Rio de Janeiro, no mês que vem.
Mas embora vários governos tenham apresentado propostas de tributar os ricos para reforçar as contas públicas e combater a desigualdade, construir o consenso necessário para fazer isso em nível internacional já se mostrar difícil.
A ideia de um imposto global para os super-ricos já dividiu nações do G7 há um mês, depois que a Alemanha manifestou reservas e o governo Biden criticou alguns aspectos específicos do plano mencionados em um rascunho do comunicado do grupo.
Por outro lado, os chefes financeiros do G20 tiveram dificuldade em manter o foco em assuntos econômicos em sua reunião de fevereiro, em meio a divergências sobre a guerra da Rússia na Ucrânia e o conflito Israel-Hamas, que impossibilitaram uma declaração comum.
Desde então, o sucesso de partidos nacionalistas de direita nas eleições parlamentares europeias pode comprometer a cooperação multilateral necessária para implementar propostas como esta. Eleições iminentes na França e nos EUA, que poderão levar à vitória do partido de Marine Le Pen no parlamento francês e Donald Trump de volta à Casa Branca, podem complicar ainda mais as coisas – e começaram a consumir a atenção de Joe Biden e de Emmanuel Macron.
Mas o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva segue firme na defesa da ideia, que considera vital para as lutas mundiais contra a pobreza e as mudanças climáticas – os objetivos principais da primeira experiência do país como líder do G20.
O plano poderia arrecadar até US$ 250 bilhões ao ano a partir de uma taxação de 2% da riqueza — e não da renda — ou até mais se alíquotas mais altas que Zucman considera forem adotadas, de acordo com as suas projeções. A ideia já conquistou o apoio de nações ricas e em desenvolvimento, incluindo França, Espanha e África do Sul, que assumirá a presidência do G20 no lugar do Brasil no final do ano.
Zucman e autoridades do Ministério da Fazenda dizem que seus esforços miram o longo prazo, como o esforço de anos para implementar um imposto corporativo mínimo global de 15%, que finalmente entrou em vigor em janeiro, com a adesão de mais de 140 países.
Da mesma forma, a tributação de bilionários proposta pelo Brasil pretende oferecer uma solução global para um problema que muitas nações não têm sido capazes de resolver por conta própria, de acordo com Zucman, professor assistente da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que fez fama ao expor onde os super-ricos escondem seu dinheiro.
“Essencialmente, em toda parte, independente do tipo de medida antiabuso que os governos tentem implementar, o imposto de renda não consegue tributar os super-ricos”, disse ele em entrevista antes da divulgação do plano.
As regras fiscais existentes enfrentam críticas em ambos os lados do espectro político por conterem lacunas que permitem aos super-ricos pagar muito pouco. O que talvez seja mais preocupante para Zucman, de 37 anos, é que isso tem “um efeito bola de neve na desigualdade”.
Sua proposta foi inspirada no imposto corporativo global mínimo desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, um esforço que começou na esteira da crise financeira de 2008, quando líderes mundiais procuravam uma resposta aos fatores que levaram a décadas de crescimento da desigualdade.
Esse imposto garante agora que as empresas multinacionais paguem uma taxa mínima, independentemente da sua jurisdição. Se uma empresa pagar menos de 15% de imposto sobre os lucros em um país, uma série de regras permite que outras nações cobrem uma chamada taxa complementar.
O plano de Zucman, detalhado em um extenso relatório divulgado na terça-feira, prevê a aplicação de uma tributação mínima semelhante de bilionários para garantir que paguem uma parte justa, deixando a critério de cada nação determinar como alcançar isso - seja através de aumentos de alíquotas de imposto de renda, novos impostos sobre a riqueza ou ganhos de capital não realizados, ou outras medidas.
O plano não é uma política única para todos os países, disse Zucman, “o que é importante é que cheguemos a um acordo”.
Mas as comparações com a tributação das multinacionais destacam as dificuldades que o plano de Zucman irá enfrentar. Mesmo em um ambiente relativamente mais favorável a uma reforma global do que agora, foi necessário mais de uma década para chegar a um consenso.
Avaliar renda e riqueza para fins tributários também é mais difícil do que fazer o mesmo em relação a lucros de empresas. Além de apoio político, o plano do Brasil precisará desenvolver mecanismos regulatórios que permitam aos governos participantes cobrarem dos bilionários mesmo quando as autoridades de seus países de origem não queiram fazê-lo, disse Pascal Saint-Amans, que atuou como mediador-chefe no plano de tributação corporativa global por uma década.
“Se não fizermos isso, ninguém se moverá porque é necessário nivelar as condições”, disse Saint-Amans, ex-diretor do Centro de Política Fiscal e Administração da OCDE.
Zucman reconheceu que o atual ambiente político torna mais difícil chegar a um consenso, mas disse que a recente reforma tributária corporativa mostra que a mudança é possível mesmo quando o consenso não existe. O imposto mínimo corporativo global avançou apesar de não ter sido ratificado pelo Congresso dos EUA, e o objetivo da proposta atual é conquistar “compromissos cruciais no maior número possível de países”, acrescentou.
Mas para obter esse apoio, o Brasil poderá primeiro precisar provar que são possíveis reformas menos ambiciosas, disse Saint-Amans. Caso contrário, o impulso corre o risco de terminar junto com a presidência do país no G20.
“O verdadeiro desafio dos brasileiros é manter isso no radar”, disse ele.
Fonte: O GLOBO
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