Instituições de pagamento serão responsáveis pelo desenvolvimento do novo sistema, que deve estar pronto em 2026. Custo de implementação também é visto como obstáculo
Aposta do governo para reduzir a carga tributária, o recolhimento automático de tributos previsto no novo modelo de cobrança de impostos sobre o consumo é visto com preocupação por entidades do setor financeiro. Conhecido como split payment, o sistema vai permitir que o tributo seja recolhido ao Fisco no ato de compra de um bem ou serviço.
Seu desenvolvimento, contudo, é considerado complexo por bancos e empresas do setor de pagamentos, que terão a missão de construir e operar o mecanismo e que querem ser remunerados para isso.
O split payment vai integrar a emissão da nota fiscal eletrônica, a transação de pagamento e a arrecadação tributária. Isso será possível pela inclusão no documento fiscal de uma chave numérica vinculando essas operações. Com tudo eletrônico e automatizado, a expectativa é que o percentual de impostos não recolhidos por sonegação, fraude e inadimplência caia a menos de 15%. Hoje, é de mais de 20%.
O Ministério da Fazenda estima que o sistema seja responsável pela redução de dois a três pontos percentuais da alíquota de referência do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), previsto na Reforma Tributária. Esse tributo vai unificar cinco impostos e terá alíquota estimada em 26,5%. Ou seja, se o recolhimento instantâneo não vingar, a alíquota já poderia beirar 30% — acima dos 27% projetado para manter a carga tributária atual.
O IVA será dividido em dois: o federal vai se chamar Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) e vai reunir PIS, Cofins e IPI. O outro vai se chamar Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e vai unificar o ICMS, estadual, e o ISS, municipal. Na prática, o novo modelo de recolhimento automático vai permitir a separação da fatia do imposto que vai para a União e a que vai para estados e municípios do total de tributo pago na hora da compra de um bem ou serviço.
Isso vai valer para quando o pagamento for feito de forma eletrônica, como cartões, boletos, transferências e Pix.
Atualmente, as empresas pagam os tributos no mês seguinte à operação comercial. Nesse meio tempo, ficam com o dinheiro em caixa. No sistema previsto no projeto de regulamentação da reforma, o recolhimento aconteceria em tempo real ou, no máximo, em três dias úteis após a liquidação do pagamento, o que traz receios sobre impactos no capital de giro das empresas.
Versão inicial em 2026
A ideia do governo é que o modelo seja “inteligente”. O montante a ser retido referente aos impostos já seria abatido dos créditos tributários que as empresas acumulam ao longo da cadeia de produção, ou seja, a compensação será instantânea.
Por exemplo, um supermercado varejista tem direito a créditos dos impostos que ele paga em produtos ao atacado, bem como com gastos como conta de luz e água. Esse crédito já fica computado no sistema. No momento em que o supermercado varejista vende ao consumidor final o seu produto, ele precisa pagar impostos ao governo. No entanto, quando esses débitos com o poder público entram no sistema, já serão compensados os gastos que ele teve lá atrás, com a compra do atacado.
A criação de um split “inteligente”, no entanto, só torna mais complexa a construção do sistema. Um sistema nesses moldes não existe em país algum do mundo. Por isso, há preocupações também sobre o tempo hábil para colocá-lo de pé. Uma versão inicial teria que ficar pronta em 2026, quando começa o período de transição da reforma.
Na avaliação de associações do sistema financeiro, o projeto é audacioso, com diferentes riscos e custos, e o prazo é exíguo. Os executivos veem com bons olhos a inovação e dizem que o Brasil está mais preparado que outros países para o desafio, já que a digitalização do sistema financeiro está avançada. Mas afirmam que há temores sobre questões de responsabilidade tributária, riscos de segurança e velocidade das operações, além de gastos.
O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, cita a questão do split payment no topo das preocupações do sistema financeiro hoje. Como o sistema irá recolher não só os impostos de empresas, mas também de consumidores, abrangerá todas as operações financeiras eletrônicas sujeitas ao IBS e à CBS, algo visto pelo setor com riscos de operação e de segurança “altíssimos”.
— Se nós não tivermos atendidas as premissas operacionais, ficará difícil o apoio (à medida). Por ora, estamos apostando no diálogo, que seremos chamados como indústria de pagamentos para dar nossas visões e espero que o governo se sensibilize nesse sentido — disse Isaac Sidney.
O diretor-executivo da Associação Brasileira de Instituições de Pagamento (Abipag), Vinicius Carrasco, afirma que o split vai exigir muita discussão e “enorme concertação” de esforços dos mais diversos setores. Segundo ele, a discussão precisa abarcar a questão da não responsabilização das instituições financeiras e de pagamentos, os custos de desenvolver a infraestrutura, como os serviços prestados serão remunerados e como lidar com os riscos operacionais.
— Do lado da implantação, nos parece ser um projeto desafiador e que precisa ser planejado e executado com calma. O Open Finance (plataforma em que há compartilhamento entre instituições financeiras de informações de usuários, sob seu consentimento) está em processo há cinco anos, para dar um exemplo da construção coordenada de nova estrutura. O governo está fazendo certo: ouvindo todos de maneira atenta.
Remuneração
A diretora jurídica da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Cristiane Coelho, acrescenta que é importante que todos os meios de pagamento entrem juntos no split, não só por uma questão concorrencial, mas também para garantir que o sistema vai cumprir seus objetivos de reduzir a sonegação e a fraude. E, se houver muitas fricções, no limite, pode ter fuga do pagamento eletrônico para o dinheiro.
— Se colocar split só em cartão de crédito, vai ter migração para outros meios de pagamento, como Pix. O fato de entrar todo mundo junto é relevante — disse Coelho.
O diretor de programa da Secretaria Especial de Reforma Tributária (Sert), Daniel Loria, reconhece que a adequação tecnológica para o modelo, tanto por parte de empresas, quanto pelo sistema financeiro, terá custos. Ele não descarta uma remuneração para as instituições financeiras que irão organizar esse nova estrutura de pagamento de impostos.
— Sim, terá um custo. Hoje quem está credenciado na rede de arrecadação já tem uma remuneração. Não temos uma definição para o novo sistema. Temos que pensar sobre isso. Ainda não temos uma ideia de como seria essa remuneração — afirmou o diretor
A adoção do split payment será uma obrigação para todas as instituições de meios de pagamentos e está prevista no projeto de lei complementar de regulamentação da reforma. Isso, de acordo com a Fazenda, dará equidade entre as instituições e acaba com o temor de surgir novo meio de pagamento para quem não quiser se adequar ao sistema.
— Ainda existem dúvidas por parte das empresas sobre a capacidade do split payment ficar pronto, da capacidade do governo de organizar isso. Mas acreditamos que vai se concretizar — disse o integrante do grupo de trabalho da Reforma Tributária na Câmara, Claudio Cajado (PP-BA).
Relembre os pontos da reforma
- O modelo aprovado pelo Congresso no fim do ano passado simplifica e dá mais transparência ao sistema tributário brasileiro com a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, que contempla uma parte federal e outra de estados e municípios.
- O IVA federal é a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que une PIS/Cofins e IPI. Já o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) unifica o ICMS, estadual, e o ISS, municipal.
- A estimativa para a alíquota de referência do IVA é de 26,5%, sendo 8,8 pontos percentuais de CBS e 17,7 pontos de IBS.
- Mas nem todos os produtos e serviços pagarão a mesma taxa. Alimentos básicos terão alíquota zero e carnes, por exemplo, alíquota reduzida, de 60%.
- Há também regimes específicos para setores como o o agronegócio. E o Imposto Seletivo, que vai incidir sobre produtos que fazem mal à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros.
- A proposta prevê o chamado split payment, modelo que vai permitir o recolhimento instantâneo dos tributos em pagamentos eletrônicos. As empresas de sistemas de pagamento vão separar o imposto devido pelo contribuinte em cada operação e enviá-lo para a administração tributária.
- O objetivo é reduzir sonegação e fraudes. O Ministério da Fazenda estima que o split payment será responsável por dois a três pontos percentuais de redução da alíquota de referência do novo sistema de impostos.
Fonte: O GLOBO
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