Revelação de que então diretor da Abin havia registrado encontro com presidente no Planalto balançou sua candidatura à prefeitura do Rio
Em maio de 2008, quando atuava como delegado da Polícia Federal (PF) em Boa Vista (RR), Ramagem gravou em segredo uma ex-namorada que ameaçava reportar denúncias falsas à PF para atingi-lo e prejudicar sua carreira na corporação caso não reatassem o relacionamento.
O diálogo é detalhado em registros da Polícia Civil de Roraima obtidos pela equipe da coluna. O material tem circulado entre adversários do candidato do PL, que pretendem colar em Ramagem a imagem de autor de grampos secretos – o que costuma fazer estrago, se não perante os eleitores, na classe política.
No Rio mesmo, denúncias de que o então governador Wilson Witzel (PSC) teria feito gravações ilegais e arapongagem contra adversários e até aliados desde o primeiro ano de sua gestão, em 2019, serviram como combustível para derreter seu capital político.
O episódio é tido entre deputados como crucial para a votação unânime pelo impeachment de Witzel na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) em 2021.
No último dia 15, a divulgação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de uma gravação obtida em um celular de Ramagem apreendido pela PF no inquérito da Abin paralela colocou sua campanha em suspense. Como publicou a colunista do GLOBO Bela Megale, Bolsonaro ficou furioso ao tomar conhecimento de que foi gravado sem consentimento.
Mas o entorno do ex-presidente avaliou que a gravação não implicava Bolsonaro e, três dias depois, os dois aliados apareceram juntos em um ato do PL na Zona Norte do Rio. Na ocasião, o ex-presidente afirmou que Ramagem era alvo de perseguição pela “ousadia” de sonhar ser prefeito da capital fluminense.
No caso da ex-namorada, a advogada Roma Angélica de França, Ramagem relatou às autoridades que decidiu gravá-la com seu próprio celular ao ser ameaçado durante um encontro que ela marcou com ele, quando ambos moravam em Boa Vista.
Ele entregou à Polícia Civil um CD com os diálogos registrados após Roma alegar à Superintendência da PF em Roraima ter sido agredida por Ramagem. Na transcrição da gravação, que consta nos autos, a advogada diz que “inventaria” ameaças caso o ex não terminasse um relacionamento com outra mulher e admite que o objetivo da ameaça era chantageá-lo a acatar seu desejo.
Pela decupagem dos áudios, Roma percebeu que Ramagem estava com o celular em mãos, mas desconfiou que ele estivesse conversando com outra pessoa. O delegado da PF, então, tentou despistar afirmando que aguardava uma ligação.
Como publicou a Folha de S. Paulo em março deste ano, a ex de Ramagem abriu um boletim de ocorrência relatando ter sofrido ameaças ainda em 2008, logo após denunciá-lo na PF. O inquérito não foi adiante porque o Ministério Público do Rio de Janeiro arquivou o caso pela falta de evidências que sustentasse a versão de Roma.
Procurada pela equipe do blog, a equipe de campanha de Ramagem não se manifestou até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto.
Escolhido por Bolsonaro
Deputado de primeiro mandato, o candidato do PL à prefeitura foi escolhido por Bolsonaro para representá-lo na corrida municipal após o ex-presidente vetar a candidatura de Flávio Bolsonaro, seu filho mais velho, ao posto.
O PL trabalhava com o plano de lançar Walter Braga Netto, vice na chapa de Bolsonaro em 2022, mas ele foi tornado inelegível por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político e econômico nas celebrações do bicentenário da independência às vésperas do pleito eleitoral.
Próximo de Carlos Bolsonaro (PL-RJ), Ramagem se aproximou do pai quando ele era candidato a presidente, em 2018. Como delegado, ele chefiou a equipe de segurança que a PF fornece aos presidenciáveis. Após a posse, foi nomeado como diretor-geral da Abin.
Em 2020, Bolsonaro tentou nomeá-lo como chefe da Polícia Federal, mas a indicação foi derrubada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, sob o argumento de que a escolha representaria interferência do então presidente sobre a PF. Ramagem substituiria Maurício Valeixo, cuja demissão serviu de pivô para a exoneração do ministro da Justiça Sergio Moro.
Em 2022, quando Bolsonaro apoiou a candidatura de Ramagem a deputado federal, Ramagem foi eleito com 59,1 mil votos. Apesar de ter sido escolhido pelos Bolsonaro como seu representante no Rio, as investigações da PF sobre o esquema de espionagem da “Abin paralela” têm desgastado o candidato à prefeitura.
Ainda assim, como publicamos no blog, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, tem dito em rodas de conversa em Brasília que Bolsonaro entrará “firme” na campanha no Rio para evitar um “vexame” na cidade onde iniciou a carreira política em 1988.
Já o atual prefeito, Eduardo Paes, é favorito nas pesquisas de intenção de voto e conta com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na última pesquisa Genial/Quaest, divulgada na última quinta-feira, o prefeito tem 49% da preferência do eleitorado, seguido por Ramagem (13%) e Tarcísio Motta (PSOL), com 7%.
Fonte: O GLOBO
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