Economia, ponto central em campanhas, tem altos e baixos para a vice-presidente, que se vê exposta na imigração, mas com força em questões de saúde reprodutiva

No dia em que fez o primeiro comício após a saída de Joe Biden da disputa pela reeleição, Kamala Harris, virtual candidata democrata à Presidência americana, afirmou na terça-feira que “fará um governo do povo” caso seja eleita em novembro. Embora não se afaste tanto da linha de Biden, Kamala tem um viés mais progressista , e já começou a expressar isso nas primeiras falas de campanha.

— Esta campanha não é só sobre nós contra Donald Trump, (...) é sobre por quem lutamos — destacou Kamala diante de uma plateia entusiasmada em Milwaukee, no Wisconsin. — Apenas vejam como as campanhas estão sendo conduzidas: Donald Trump confia no apoio de bilionários e grandes corporações. (...) Por outro lado, nós estamos com uma campanha baseada no poder do povo.

Tal como Biden, Kamala Harris se apresenta como uma defensora da classe média. Quando senadora, apresentou projetos para incrementar os incentivos fiscais às famílias, para ajudá-las a pagar as despesas domésticas sem terem que recorrer a empréstimos com taxas elevadas. Quando foi pré-candidata, em 2019, queria ampliar os repasses para até US$ 6 mil (R$ 33,53 mil) por ano por família.

Ela ainda patrocinou planos para ajudar os trabalhadores com gastos com habitação, e apoiou iniciativas para controlar preços dos aluguéis, ameaçando retirar de incentivos fiscais de senhorios que apliquem reajustes abusivos, e para fornecer créditos fiscais para famílias de classe média que comprem imóveis.

— Construir a classe média será um objetivo fundamental da minha Presidência — afirmou ontem em Milwaukee. — Quando a nossa classe média está forte, os EUA estão fortes.

Kamala sabe que essa fatia do eleitorado é crucial para a vitória. Embora o governo atual tenha razões para comemorar sucessos econômicos, como a queda no desemprego e na inflação em termos gerais, a economia está dando sinais de desaceleração, e os custos com energia, alimentação e, especialmente, habitação estão corroendo o apoio aos democratas, e dando argumentos para os rivais.

— Os preços dos alimentos subiram 57%, a gasolina subiu 60%, as taxas de hipoteca quadruplicaram — disse Trump, durante discurso na Convenção Nacional Republicana, na semana passada, praticando seus habituais exageros numéricos. —Os jovens não conseguem financiamento para comprar uma casa.

A campanha também se prepara para ataques sobre imigração. Por vezes chamada de “czar da fronteira” — apesar de não ter tido qualquer poder sobre políticas migratórias — Kamala serviu como alvo de críticas pelo elevado número de pessoas que entraram no país em situação irregular nos últimos quatro anos: apenas em 2022 foram 2,2 milhões.

Anteontem, uma pesquisa do instituto YouGov mostrou que 45% dos americanos acreditam que o Trump terá políticas migratórias melhores do que a vice-presidente (30%), e uma deputada aliada do ex-presidente lançou um ataque direto. Em comunicado, Elise Stefanik disse que apresentará uma “resolução para condenar o fracasso de Kamala Harris como ‘czar da fronteira’ de Joe Biden”

Mas Kamala Harris tem pontos que podem ser explorados a seu favor, como as políticas para as mulheres. A democrata é a principal voz do governo Biden em defesa do direito constitucional ao aborto, derrubado pela Suprema Corte em 2022. Para analistas, embora não esteja disposta a patrocinar medidas mais amplas, como permitir que verbas federais sejam aplicadas em um maior número de interrupções de gestações, sua voz deve pesar mais do que o apoio que Joe Biden vinha expressando a políticas no setor.

— Ter alguém que se sinta confortável e realmente alinhado com os valores e com uma mensagem forte sobre a justiça do aborto, isso é potencialmente uma mudança no que veríamos com um governo Kamala em relação ao governo Biden — disse Kelly Baden, vice-presidente de políticas públicas do Instituto Guttmacher, organização de pesquisa e política focada na saúde sexual, à CNN

Em maio, uma pesquisa do instiuto Gallup apontou que 63% dos americanos acreditam que o aborto deve ser legal em todos os casos. Na segunda-feira, a pesquisa do YouGov revelou que 43% dos eleitores Kamala mais apta para desenvolver políticas relacionadas ao aborto, contra 31% de Donald Trump.

— Nós, que acreditamos na liberdade reprodutiva, vamos parar com as proibições extremas de Donald Trump ao aborto porque nós confiamos nas mulheres para tomar decisões sobre os seus próprios corpos e não ter o seu governo dizendo o que elas têm de fazer — disse Kamala ontem.

Arrecadação ‘recorde’

O discurso desta ontem serviu como um ponto de partida para uma corrida difícil, mas que já começa com um apoio entusiasmado de um Partido Democrata que estava em crise existencial até a semana passada. Desde domingo, a campanha arrecadou US$ 100 milhões (R$ 559 milhões), oferecidos por mais de 1,1 milhão de pessoas. Desses, 62% fizeram suas primeiras contribuições no atual ciclo eleitoral.

— Nós tivemos as melhores 24 horas de doações individuais da História das campanhas presidenciais. E porque nós somos uma campanha do povo, é assim que vocês sabem que nós seremos uma Presidência do povo — disse Kamala em Milwaukee.

Segundo a Associated Press, Kamala obteve na segunda-feira o número necessário de delegados para ser confirmada a candidata democrata à Presidência. Para agilizar o processo, o partido realizará uma votação virtual, antes da convenção marcada para o mês que vem. O chefe do Comitê Nacional Democrata, Jaime Harrison, disse que regras serão definidas nesta quarta, e o processo de indicação deve ser concluído até 7 de agosto, 12 dias antes do início da reunião em Chicago.

Na terça, a já longa lista de apoios a Kamala Harris ganhou três nomes de destaque: os líderes da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, e da maioria no Senado, Chuck Schumer, endossaram a vice-presidente, apostando ainda na retomada do controle democrata do Congresso. Outro a se pronunciar foi o ator George Clooney: na semana passada, em artigo no New York Times, Clooney defendeu a desistência de Biden, afirmando que ele não tinha chances de vencer Trump. Agora, disse à CNN que o presidente “está salvando a democracia mais uma vez”.


Fonte: O GLOBO