No satélite terrestre ou em asteroides, busca por água ou metais raros para mitigar esgotamento de recursos na Terra passa por entraves legais e com obstáculos tecnológicos a serem superados

Imagine que a busca por recursos valiosos nos confins do espaço para suprir as demandas de uma Terra sobrecarregada, como aquela retratada no premiado "Avatar", de 2009, deixasse de ser apenas uma fantasia cinematográfica e se tornasse uma realidade tangível. 

Hoje, 55 anos após a histórica missão Apollo 11 ter nos mostrado aquele "pequeno passo na Lua" — parafraseando o astronauta Neil Armstrong naquele 20 de julho de 1969 — e com avanços tecnológicos e investimentos bilionários, a Humanidade caminha rapidamente para dar "um grande salto" em direção ao cosmos, com a mineração espacial, uma ideia antes confinada à ficção, sendo uma das grandes promessas para o futuro.

Com asteroides ricos em metais raros (como platina, níquel, ouro, cobalto e vanádio) e a Lua em Hélio-3 (considerado o "combustível do futuro"), além da busca por água, a mineração no espaço promete abrir uma nova fronteira de possibilidades. 

Além de suprir material para missões futuras e para bases e estações espaciais, há uma grande necessidade de encontrar alternativas diante do crescente esgotamento de recursos terrestres — estima-se que o consumo global de recursos naturais aumente 60% até 2060, em comparação com os níveis de 2020, segundo um relatório do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA) de março.

Não surpreende, portanto, que o setor espacial seja um dos que mais avança atualmente, com projeções que indicam um valor aproximado de US$ 1,8 trilhões (R$ 9,8 trilhões) até 2035, segundo um relatório de abril da consultoria McKinsey & Company. 

Já as empresas do ramo de mineração espacial, como as americanas AstroForge e TransAstra, e a chinesa Origin Space, para citar apenas algumas, estão em constante crescimento — assim como o valor de mercado estimado para tal atividade, que pode chegar a US$ 3,9 bilhões (R$ 22 bilhões) até 2025, segundo a plataforma alemã de coleta de dados Statista.

Quintilhões de dólares

Mas extrair recursos de corpos celestes em grande escala não é uma missão tão simples. O pesquisador em Astronomia e Astrofísica do Observatório Nacional, Jorge Carvano, divide tal empreitada em cinco etapas: a definição de regiões de interesse, o transporte e a operação de equipamentos até o alvo, a extração de fato, o retorno desses materiais à Terra e, por fim, como eles serão processados e utilizados.

A ciência e a tecnologia atuais, explica Carvano, já permitem alcançar pelo menos os dois primeiros objetivos. A identificação e classificação da composição de asteroides, por exemplo, têm sido objeto de pesquisas acadêmicas há décadas, e hoje já é possível ter alguma precisão sobre possíveis alvos de interesse, "mesmo que o aperfeiçoamento dessas técnicas ainda seja desejável", aponta o pesquisador.

Atualmente, segundo o Centro de Estudos de Objetos Próximos à Terra (CNEOS) da Nasa, são conhecidos 1,3 milhões de asteroides, dos quais cerca de 35 mil foram identificados perto da Terra. Esses variam em tamanho, desde vários metros até centenas de quilômetros de diâmetro.

Entre os exemplos mais comumente citados quando se fala em mineração espacial, devido ao potencial científico e de retorno financeiro, estão os asteroides Davida (rico em recursos como água, níquel, ferro, cobalto, nitrogênio, amônia e hidrogênio), e o 16 Psyche (composto predominantemente de metais e atual alvo de uma missão da Nasa, lançada em 2023, com estimativa de chegada em 2026).

Ambos estão localizados no cinturão de asteroides entre as órbitas de Marte e Júpiter, com valores estimados em US$ 27 quintilhões e US$ 10 quintilhões, respectivamente — para fins de comparação, o PIB atual dos Estados Unidos, o maior do mundo, é de "apenas" US$ 27 bilhões.

Determinado o alvo, a próxima etapa seria chegar até o local e manter os equipamentos operacionais durante todo o processo. Nessa parte, o pesquisador destaca a importância da participação do setor privado em avanços tecnológicos recentes, permitindo uma considerável redução de custos de lançamentos, sendo a Índia e sua crescente presença no setor um dos principais atores nesse sentido.

Desafios à frente

O próximo passo, porém, é mais complicado e representa a barreira que os pesquisadores e empresas espaciais estão tentando superar atualmente, com tecnologias ainda em estágio inicial.

Tanto a Lua quanto os asteroides são cobertos por uma camada de regolito, uma mistura de poeira fina e pedras de vários tamanhos, variando de milímetros a metros de espessura, explica o pesquisador.

— Métodos para recolher amostras pequenas, entre miligramas e um pouco mais de 1kg, já foram desenvolvidos para missões espaciais em asteroides e na Lua [como a missão chinesa Chang’e-6, que retornou em junho com cerca de 2kg fragmentos de solo e rochas], mas volumes muito maiores teriam que ser coletados em atividades de mineração — diz Carvano.

A água, ele explica, seria o recurso mais simples de separar dessa camada externa. Presente em pequenas quantidades nos regolitos de áreas do "lado escuro" da Lua (onde apenas a China conseguiu realizar pousos bem-sucedidos de sondas até agora) e, possivelmente, em certos asteroides, a água poderia ser extraída com um aquecimento moderado desse material superficial. Para minerais de interesse, no entanto, o processamento seria muito mais complexo, exigindo temperaturas mais altas e métodos mecânicos, químicos ou biológicos que ainda estão em desenvolvimento.

— O quarto passo depende do uso pretendido do recurso. A água pode ser usada como propelente ou insumo para exploração espacial. O problema é armazená-la, transportá-la até a órbita necessária e criar os mecanismos para a transferência entre os recipientes a as naves/sondas espaciais — explica Carvano. — No caso de minerais para uso terrestre, o processo envolve transportar o material processado até a órbita da Terra e desacelerar através da atmosfera de forma que atinja a superfície de forma segura. A tecnologia para tudo isso já existe, mas ainda não está claro se é adequada ao volume que deveria ser transportado.

A quem pertence o espaço?

O último desafio passa também pela regulamentação internacional. Afinal, quem tem o direito de extrair recursos no espaço? Uma única nação ou corporação poderia ser "dona" de uma região na Lua ou, quem sabe, de um asteroide avaliado em quintilhões de dólares? Quais os impactos disso tudo em nível global?

Se, por um lado, a mineração espacial tem o potencial de mitigar a extração de certos recursos terrestres, que frequentemente causam danos ambientais significativos (como desmatamento, poluição e degradação do solo), por outro, há uma grande preocupação sobre como isso poderia afetar negativamente a economia global. Uma nação ou empresa que monopolizasse a comercialização de um único recurso natural proveniente do espaço facilmente ameaçaria países dependentes dessas exportações, explica o pesquisador.

— A população deixaria de sofrer os impactos ambientais da mineração terrestre, mas as fontes de renda e empregos poderiam sumir nas regiões onde são mais necessários — diz Carvano.

Diante dessas questões, surge o problema legal. Atualmente, as leis e tratados internacionais existentes sobre o espaço, o Tratado do Espaço Exterior (OST, na sigla em inglês) de 1967 e o Acordo da Lua de 1979, estabelecem que o espaço é um bem comum da Humanidade e que os corpos celestes não podem ser reivindicados por soberania nacional. No entanto, esses tratados, elaborados e promovidos sob a égide da ONU, não são claros sobre mineração e propriedade de recursos espaciais, criando uma lacuna legal sobre quem teria o direito de reivindicar e usar esses recursos.

Para o especialista em direito internacional, ShahrYar Mahmoud Sharei, essas regulamentações são "primitivas", podendo ser interpretadas de maneiras diferentes devido às brechas, e permitindo que os países mais poderosos e também expoentes na corrida espacial, os EUA, a Rússia e a China (que também são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU), possam agir fora dos limites dos tratados "sem enfrentarem consequências".

— Talvez o OST possa ser revisado para incluir disposições semelhantes às da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) e conter referências ao "patrimônio comum da Humanidade". — opina Sharei, que também é presidente e diretor executivo do Centro de Pesquisa Constitucional da ONU (CUNCR), um think thank com sede em Bruxelas com foco em pesquisa e análise sobre as práticas institucionais da ONU. — Mas mesmo na UNCLOS, que possui um tribunal, sem um mecanismo de aplicação, a justiça ainda pode falhar.


Fonte: O GLOBO