Reunião para oficializar a terceira candidatura consecutiva de Trump à Casa Branca deve marcar tom da disputa com Joe Biden até a votação de novembro

Aconteceu na tarde de sábado e foi o segundo momento histórico da Convenção Nacional Republicana. A melhor visão dos aparelhos de televisão dos saguões dos hotéis em que já se hospedam os 2.429 delegados do partido foi disputada como em tempos pré-redes sociais. Todos queriam confirmar que era mesmo o empresário de 78 anos quem descia do avião no aeroporto da maior cidade do decisivo estado de Wisconsin, no Meio-Oeste dos EUA. E repetir, a partir da observação de seus movimentos e gestos, mesmo que de longe, que Donald John Trump está, sim, bem.

Em Milwaukee, pela terceira vez consecutiva, o maior e mais controverso líder popular da direita no Ocidente será ungido, nos próximos quatro dias, candidato à Presidência dos EUA. O tom do evento, a ser revelado nos discursos das estrelas do partido, sobretudo no do ex-presidente, na quinta-feira, será, apontam especialistas, fundamental para definir o rumo da disputa com o presidente Joe Biden pela Casa Branca. E o próprio futuro da democracia americana, em meio ao temor do aumento da violência política.

A chegada de Trump a Milwaukee, que deve receber pelo menos 50 mil pessoas, entre delegados, militantes, grupos de interesse, imprensa e observadores internacionais, só não inaugurou com antecedência de algumas horas a Convenção Republicana porque ela começou, de fato, na tarde de sábado, com a tentativa de assassinato de sua razão de ser.

Os tiros disparados por Thomas Matthew Crooks, de 20 anos, no comício da oposição na cidade de Butler, na zona rural da Pensilvânia, depois abatido pelo Serviço Secreto, tiraram a vida do também cidadão americano Corey Comperatore, de 50 anos, e deixaram outros dois feridos. A imagem de Donald Trump, sangue no rosto, punho erguido, já é uma das peças iconográficas mais importantes da História americana. E será passada em sequência, por decisão do comando da Convenção, nas áreas principais do evento. Mas também é importante ter ouvidos abertos para o que ele gritou no momento dramático: “Lutem!”.

— Naquele momento, os delegados se encararam. Pensamos no contraste de estarmos aqui, na maior animação, cada vez mais certos da vitória em novembro, enquanto a tragédia acontecia do outro lado do país. Mas a mensagem desta convenção também ficou óbvia: a de que o movimento que criamos não será detido pela violência política. O incidente só nos deixou mais determinados a vencer — afirmou ao GLOBO Evan Power, presidente do Partido Republicano da Flórida.

Barricadas e policiais

Boa parte das ruas do centro da cidade estão cercadas por barricadas e grupos de policiais de diversos estados do país circulam de helicóptero, carro, bicicleta e barco, no Rio Milwaukee e no Lago Michigan. O Serviço Secreto revisou a segurança da Convenção Nacional e mais de um delegado afirmou no domingo ter a certeza de que, “pelos piores motivos”, estão no “lugar mais seguro do país”.

A cidade e o governo estadual são comandados por políticos do Partido Democrata e virou, afirmam fontes locais, questão de honra a segurança de Trump e dos militantes conservadores. A coordenadora das equipes do Serviço Secreto na convenção garantiu que “não há ameaças concretas” no radar. E Biden passou a manhã reunido com sua cúpula de Segurança na Casa Branca antes de fazer dois pronunciamentos de repúdio a atos de ódio.

— É hora de abaixar a temperatura, e todos nós somos responsáveis para chegar a esse momento de calma — disse.

O “lutem” de Trump foi traduzido de forma diversa por nomes coroados do partido. Dois dos mais lembrados candidatos para serem escolhidos seu companheiro de chapa, o senador J.D. Vance, do Ohio, e seu colega Marco Rubio, da Flórida, reagiram com fúria. O segundo postou em suas redes sociais a notícia com um “isso é que dá”, culpando os democratas. O primeiro foi mais ousado, escreveu não se tratar de incidente isolado e sugeriu que a campanha de Biden tinha sua “parcela de culpa”, pois “sua premissa central é que Trump é um fascista autoritário, que deve ser detido a todo custo” e “sua retórica levou à tentativa de assassinato” de Trump.

Uma forte declaração da vice-presidente Kamala Harris, em um par de comícios no país, nos dias imediatamente anteriores ao do atentado, era repetida no domingo nos corredores da convenção como a mais recente prova da violência retórica política democrata. Ao buscar reforçar a imagem de que Biden, após o desastroso primeiro debate na TV, seguiria na disputa, a californiana usou justamente a imagem do “lutador”, que pode até ser alvejado, mas não desiste da batalha. Uma comparação e coincidência, rebatem democratas, no mínimo, respectivamente, discutível e infeliz. E a reação unânime dos governistas ao atentado contra Trump foi de solidariedade e condenação à violência política. O presidente Biden, inclusive, ligou para o antecessor.

O candidato republicano à Presidência, Donald Trump, momentos após sofrer uma tentativa de assassinato na Pensilvânia — Foto: Rebecca DROKE / AFP

Do lado republicano, nomes mais moderados como o do deputado Adam Kinzinger, do Illinois, chegaram à convenção dispostos a impedir que o evento ecoe posições mais acirradas. O anúncio do vice de Trump deve ser feito nos próximos dias, e o escolhido deve discursar na quarta-feira.

Tanto o congressista quanto o presidente do Partido Republicano na Flórida creem que os próximos quatro dias precisam funcionar, ao mesmo tempo, como afirmação da força de Trump e de seu movimento conservador, um atestado da união do Partido Republicano em meio ao caos democrata, e um decidido aceno aos independentes, moderados e até eleitores democratas descontes com Biden e mobilizados pelo natural processo de humanização de Trump após o atentado. A declaração da ex-primeira-dama Melania Trump, em geral distante da campanha, por exemplo, foi minuciosamente estudada para incluir menção ao “sorriso e à inocência” de meu marido.

Centro desconfiado

Pesquisas para consumo interno, no entanto, mostram que o centro segue refratário a apoiar o primeiro ex-presidente condenado criminalmente — por falsificar registros financeiros ao garantir, pouco antes das eleições de 2016, o silêncio da ex-atriz pornô Stormy Daniels, sobre o caso que teriam tido. Trump também responde na Justiça por tentar reverter o resultado das eleições de 2020, quando perdeu para Biden, e de fomentar a invasão do Capitólio, em janeiro de 2021.

Os processos não devem ser julgados até as eleições e há poucas dúvidas de que serão encerrados ou interrompidos se o ex-presidente vencer. Um chamamento à união nacional, afinado com o que anunciou em sua primeira postagem após o atentado, e o deslocamento real de grupos como a Heritage Foundation, responsável pelo Projeto 2025, com propostas que especialistas apontam alimentar atos de violência do próprio Estado, entre eles a prisão e deportação em massa de imigrantes não documentados, serão observados com lupa por observadores e eleitores até quinta-feira.

— Nos próximos quatro dias, a campanha tentará higienizar a extrema direita na convenção, para não escandalizar o eleitor moderado dos subúrbios, desconfiado da acuidade mental democrata, mas assustado com o autoritarismo do republicano. O show de Trump dará certo se a campanha conseguir maquiar os radicais sem diminuir a animação dessa militância hardcore que se vê agora ainda mais próxima do comando do país — diz David Schultz, David Schultz, especialista em legislação eleitoral e ética da Universidade Hamline, do Minnesota.


Fonte: O GLOBO