Empresário que comanda rede carioca de drogarias há quase meio século faz planos de expansão para ir além das mais de cem lojas que detém atualmente

Há 45 anos, surgia a primeira unidade da Venancio, no coração da Tijuca, na Zona Norte do Rio. Ao longo desse tempo a farmácia carioca cresceu, mudou o foco do atacado para o varejo e deixou de vender só medicamentos para oferecer de tudo um pouco. Na capital fluminense, por onde se olha há alguma unidade da rede.

A estratégia é recorrente num setor tão competitivo quanto o de farmácias: ocupar espaços antes das rivais. É assim que Armando Ahmed, de 81 anos, presidente da Venancio resiste às grandes cadeias nacionais de drogarias no Rio.

Em entrevista ao GLOBO, ele admite o interesse de outros grupos pelo negócio, mas segue em voo solo, ao menos por enquanto. Não descarta uma futura fusão ou abertura de capital na Bolsa. Agora, diz, seu foco é a expansão no Estado do Rio, de forma orgânica, sem endividamento. Nos últimos 12 meses, foram 13 inaugurações e, até o fim de agosto, a empresa somará 125 lojas e 4.700 funcionários.

Armando Ahmed, presidente da rede de drogarias Venancio — Foto: Hermes de Paula

Porto Velho, Rondônia - Há mais de meio século no comando da empresa familiar, Ahmed confessa que está, pouco a pouco, passando o bastão para os três filhos, que hoje são seus diretores. Descendente de árabes com “sangue de comerciante nas veias”, ele tenta conquistar consumidoras de dermocosméticos com promotoras nas lojas e incentiva idosos com atividades de saúde e bem-estar gratuitas em praças, além de disputar preço com os concorrentes.

No plano tecnológico, admite que entrou na pandemia perdendo a batalha do e-commerce, mas traçou um plano emergencial e, desde então, vem ampliando as vendas on-line. Entrega até por meio de aplicativo de comida, mas quer investir num centro de tecnologia para criar “novas formas de vender remédio”.

A história de sucesso no empreendedorismo começou com uma escolha entre um amor e um intercâmbio. Já formado em Direito, o jovem Ahmed cursava Economia quando surgiu a oportunidade de um intercâmbio na Suíça.

Com receio de que o namoro da filha terminasse, o sogro o convidou para trabalhar em sua farmácia, a São Venâncio, em Pilares, na Zona Norte do Rio. Ele desistiu do intercâmbio e ajudou o negócio a crescer: abriu uma filial no Engenho de Dentro.

O pulo do gato foi a adoção do autosserviço, com menos mão de obra. Até então, o cliente não pegava o remédio no balcão para pagar no caixa. Ele tinha de pedir o medicamento, pegar um canhoto, pagar e só então retirar o produto.

Convênios com grandes empresas, como Skol, Klabin e Plus Vita, engordaram a carteira de clientes. Com o tempo, Ahmed decidiu abrir sua própria farmácia na Praça Saens Peña, na Tijuca, na Zona Norte, à qual deu o nome de Venâncio, em homenagem ao sogro.

Nos primeiros 20 anos, dedicou-se também ao atacado. Fazia grandes vendas para hospitais, que não eram atendidos diretamente pelos laboratórios. Quando isso mudou, passou a se dedicar mais ao consumidor pessoa física e na expansão de sua rede.

Veja a seguir os principais trechos da entrevista do empresário ao GLOBO.

A Venancio tem aberto várias lojas bem próximas a outras já existentes. Por quê?

É reserva de mercado. Eu tinha uma loja na Praça Saens Peña (na Tijuca), que teve sucesso substancial. Aí um concorrente foi e abriu praticamente do lado. Eu fui e abri outra perto dele também! E, agora, tive a oportunidade de pegar ali um ponto com o qual sempre sonhei: a esquina da Conde de Bonfim com a General Roca.

Há 45 anos acredito que aquele ainda é o melhor ponto por causa da saída do metrô, e essa chance aconteceu quando eu já tinha duas farmácias na mesma rua. Agora, vou fechar uma delas.

É basicamente uma disputa de marcas por espaço nesse setor? No caso das novas lojas, muitas são em terrenos de antigos postos de gasolina ou bancos. Por que escolher terrenos tão espaçosos?

Não é só isso. Há também uma série de pesquisas das nossas associações que mostram que a população está envelhecendo. Em função disso, as pessoas estão gastando mais com medicamentos para prevenção do que para cura.

Para viver mais, a gente passa a tomar mais vitaminas e remédios. E vale destacar que nem sempre uma loja próxima da outra quer dizer que elas tenham exatamente os mesmos produtos e serviços. Lojas maiores têm espaço para um mix maior e mais variado de produtos, enquanto as mais antigas, por exemplo, podem não ter sala de atendimento farmacêutico, onde é possível se vacinar, aferir pressão e até fazer um exame clínico rápido de HIV.

Além disso, quando conseguimos terrenos que já foram postos de gasolina, conseguimos disponibilizar estacionamento para mais de dez carros, uma conveniência muito grande para o nosso cliente.

Armando Ahmed, presidente da Venancio, diz ter o DNA empreendedor no sangue de origem árabe — Foto: Hermes de Paula

Falando em prevenção, a Venancio costuma fazer eventos de saúde e até uma corrida anual, que aconteceu em julho. Qual é o objetivo? O que mais tem na agenda?

Fazemos a corrida uma vez por ano e também eventos internos, como campeonatos de futebol entre funcionários. Na área de assistência social, temos o programa Saúde na Praça. A gente oferece exercícios físicos em praça pública diariamente, como se fosse uma academia, para pessoas de mais idade.

A verdade é que muitos vão lá mais para conviver que se exercitar. Começamos atendendo cem pessoas e, hoje, o programa atende cerca de 2 mil, incluindo a Praça do Pomar, na Barra da Tijuca; a Praça Serzedelo Corrêa, em Copacabana; o Largo do Machado; e as praças Afonso Pena e a Saens Peña, na Tijuca.

Hoje em dia, a farmácia não é mais um local só para comprar medicamentos, mas onde se encontra de tudo um pouco. Quando vocês se deram conta da necessidade de diversificar?

Percebemos na frente do mercado que os dermocosméticos começariam a ser cada vez mais cobiçados dentro das farmácias. A minha filha, que sempre se interessou pelo assunto, assumiu essa frente da empresa. Somos referência para alguns laboratórios, temos promotoras em quase todas as lojas para explicar o que for necessário ao cliente.

Hoje, a Venancio já é vista como opção para compra de presentes em datas comemorativas, como o dia das mães, dos namorados, dos pais, com a nossa oferta de chocolates, sex toys, panetones e brinquedos infantis. Também estamos lançando cada vez mais produtos exclusivos.

O senhor pretende expandir para outros estados?

Sempre quis crescer de forma natural, com foco na qualidade e não na quantidade. Tem muita gente querendo investir no nosso negócio para que a gente saia do Rio de Janeiro, mas estamos ainda resistindo, querendo o contrário. Queremos ir para outros municípios do estado, porque somos muito concentrados na capital. Mas as coisas podem mudar. Estou passando o bastão para os meus três filhos e não sei como será depois.

Então o senhor já foi chamado para conversas sobre uma possível fusão ou aquisição?

Estou preparado para isso. A empresa é auditada por auditores externos há pelo menos três anos. Tem muito namoro externo para a gente e da gente para fora. Mas eu não posso esperar que desse namoro saia casamento. Se acontecer, vai ser de forma muito natural.

Está nos planos abrir capital na Bolsa?

Há quem diga que nós temos condição de fazer um IPO (oferta pública inicial de ações). Há essa possibilidade, mas não temos data para isso. Nosso foco continua sendo o cliente, o bom atendimento. Mas, se uma oportunidade surgir, é como se diz: cavalo selado não passa duas vezes. Só que as oportunidades não aparecem assim... É como um bom ponto. Eu fiquei 45 anos esperando aquele ponto da Praça Saens Peña.

As vendas nos canais digitais ainda são um desafio para a Venancio? Planejam investimento em tecnologia?

Trabalhamos com dados diariamente. Precisávamos de uma área de inovação em tecnologia. Por isso, nós adquirimos um prédio na Barra da Tijuca (Zona Oeste do Rio). Lá, teremos uma equipe interna e startups dedicadas a pensar em inovações e soluções.

Queremos criar coisas novas para o nosso desenvolvimento, novas formas de vender remédio. Atingimos um público ainda maior quando expandimos nossa capacidade no meio digital. Eu percebo que o mundo vai mudar. Existem pessoas que vão me corrigir dizendo: “já está mudando”. Sim, mas a velocidade ainda é lenta.

Para qual lugar vai mudar, como vai mudar? Ninguém sabe ainda aonde vai chegar. Antes da pandemia, vendíamos 3% por e-commerce. Depois, nós tivemos um crescimento enorme na venda não presencial.

O cliente pode fazer o pedido pelo iFood, Rappi, Uber ou pelo site, e passar em uma loja próxima para pegar. Isso não quer dizer que essa será a solução inovadora. O modelo de venda que estou falando é um que ainda não existe.

A empresa diz produzir 80% da energia que as lojas consomem com geração solar. Isso reduz os custos da empresa?

Sim. Conseguimos unir a questão ambiental e econômica com a implantação de usinas solares. É um orgulho grande a empresa ter esse lado consciente. Nosso escritório, por exemplo, tem selo Leed, o principal certificado de que um edifício é de fato sustentável. A quarta planta solar já está em fase de implantação e deve começar a funcionar no primeiro semestre de 2025.


Fonte: O GLOBO