Gastos com os dois benefícios temporários saltou de R$ 26,9 bilhões em 2009 para R$ 72,9 bilhões em 2023, segundo relatório do Tesouro Nacional, mas redução é difícil politicamente

Diante da promessa do governo de entregar déficit zero nas contas públicas em 2025 entrou no radar da equipe econômica a revisão de gastos com seguro-desemprego e abono salarial (o abono do PIS).

A despesa com os dois benefícios quase triplicou em 14 anos, saltando de R$ 26,9 bilhões em 2009 para R$ 72,9 bilhões em 2023, segundo relatório do Tesouro Nacional.

Após a disparada do dólar provocada por declarações do presidente Lula que levantaram dúvidas sobre a política fiscal entre os agentes do mercado financeiro, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, anunciaram um corte de R$ 25,9 bilhões no Orçamento do ano que vem.

A ideia é enviar ao Congresso, possivelmente após as eleições deste ano, propostas para cortar despesas obrigatórias de forma mais estrutural.

Simone Tebet e Fernando Haddad: ministros buscam forma de cortar R$ 25,9 bi do Orçamento — Foto: Cristiano Mariz/agência O Globo

O presidente já rejeitou a desvinculação de benefícios permanentes como aposentadorias do salário mínimo, e a equipe econômica se volta agora para o seguro-desemprego — que não para de subir mesmo com o desemprego em queda — e o abono salarial, que são temporários.

Os dois são custeados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que está deficitário, Exige aportes do Tesouro que, neste ano, devem somar entre entre R$ 5 bilhões e R$ 7 bilhões. Em 2025, pode chegar a R$ 10 bilhões. Os técnicos sugerem a desvinculação dos dois benefícios do salário mínimo, mas com algum ganho real (acima da inflação), para quebrar resistências.


Centro de atendimento ao trabalhador em Brasília: pedidos de seguro-desemprego não param de subir, mesmo com emprego em alta no país — Foto: Cristiano Mariz

A atual política de reajuste do piso nacional combina inflação e crescimento do PIB. Se o plano avançar, esses dois benefícios teriam reajuste menor, apenas com uma parte do avanço da economia, explicou ao GLOBO um técnico envolvido nas discussões.

Analista vê ineficiência

Apesar das resistências do PT em mexer em benefícios sociais, integrantes do Executivo avaliam que Lula está decidido a fazer um ajuste nos gastos fixos para preservar os investimentos no Orçamento. E há um precedente. Um freio nas despesas do seguro-desemprego e do abono já foi dado em 2015, no segundo mandato de Dilma Rousseff.

O Congresso aprovou um aumento do período mínimo de permanência no emprego para o primeiro pedido do seguro-desemprego e o pagamento do abono em valor proporcional ao tempo de trabalho. Antes, bastava trabalhar um dia com carteira assinada para ter direito ao abono de um salário mínimo.

Rosenir Fernanda, no Sine-RJ: ela teve de recorrer à Justiça para acessar o seguro-desemprego — Foto: Gabriel de Paiva

Com as mudanças e a suspensão da valorização real do salário mínimo, entre 2020 e 2022, o crescimento do gasto foi atenuado, mas ganhou tração com o retorno da política de valorização do salário mínimo no atual mandato de Lula.

Outro fator para a alta da despesa é a própria dinâmica do mercado formal de trabalho brasileiro, marcado por alta rotatividade, sobretudo em setores como construção civil, agropecuária e serviços.

Segundo a economista Vilma Pinto, da Instituição Fiscal Independente (IFI), cada R$ 1 de aumento no salário mínimo eleva a despesa com seguro-desemprego em R$ 12,4 milhões por ano.

A economista Vilma Pinto, diretora do IFI — Foto: Bianca Gens/Divulgação/FGV

No caso do abono, pago anualmente aos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos (R$ 2.824), são R$ 20,4 milhões. Isoladamente, a despesa do abono mais que triplicou entre 2009 e 2023, saindo de R$ 7,3 bilhões para R$ R$ 25 bilhões, em valores correntes.

— São despesas obrigatórias e sem controle de fluxo. O melhor caminho seria uma avaliação dessas políticas públicas para identificar pontos de ineficiência e, assim, traçar uma estratégia de melhoria do desenho da política, visando uma melhor qualidade do gasto público — diz Vilma.

José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial, defende a desvinculação do seguro-desemprego do salário mínimo e a incorporação do abono a outro tipo de transferência de renda, já que hoje ele só alcança quem tem carteira assinada, deixando fora milhões na informalidade.

— Desvincular esses dois benefícios do salário mínimo e, no limite, acabar com o abono.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren, concorda:

— É um dinheiro público para pessoas que estão empregadas, quando temos milhões sem emprego no país. Esse benefício precisa ser simplesmente encerrado. De preferência, após publicação de avaliação formal, técnica, feita pelo governo, com aval de especialistas e da academia. É preciso ter uma estrutura para avaliar gastos públicos, para valer, e não só no discurso.

A despesa com o abono para 2025 está projetada em R$ 27 bilhões e, ainda assim, há pressão do Tribunal de Contas da União (TCU) para o governo adotar o antigo calendário de pagamento, em um ano só, entre junho e julho.

O governo passado dividiu o calendário em dois anos. Em 2025, serão contemplados quem tinha carteira assinada em 2023. A equipe econômica tenta manter o sistema atual, mas o tema ainda não foi julgado no TCU.

Tarefa difícil

Mexer nos dois benefícios não é fácil politicamente. O ex-ministro Paulo Guedes tentou acabar com o abono, mas foi desautorizado pelo então presidente Jair Bolsonaro. Ele disse que não tiraria “do pobres para dar ao paupérrimo”.

A revisão do seguro-desemprego tem impacto nas contas do governo, mas também na vida do desempregado. Em busca do benefício num posto de atendimento de Brasília, a atendente comercial, Lucimara Costa, 25 anos, vê com preocupação uma mudança. Demitida de um posto de gasolina, pela segunda vez conta com o seguro-desemprego.

Lucimara foi demitida de um posto de gasolina do Distrito Federal e agora teve de recorrer, pela segunda vez, ao seguro-desemprego — Foto: Cristiano Mariz

— Acho que não deve mudar (o valor) porque é uma grande ajuda para quem fica desempregado, principalmente se tem família para sustentar — diz Lucimara, divorciada e mãe de dois filhos.

A doméstica Rosenir Fernanda, de 59 anos, teme acesso ainda mais difícil ao seguro-desemprego. Demitida em 2023, ela teve de recorrer à Justiça para acessar o benefício por falhas no registro. Só no mês passado conseguiu fazer o pedido numa agência do Sistema Nacional de Emprego (Sine/RJ), no Centro do Rio.

— Depois que fui mandada embora, não consegui outro emprego. Consegui ajudar em casa com o meu FGTS, mas ele já está acabando — diz ela, que mora com dois filhos, um deles também desempregado. — Qualquer valor que entrar será para alimentos e aluguel.

Antes de mexer nos valores dos benefícios, o governo parece inclinado a buscar economia com um pente-fino nos cadastros. Uma auditoria do TCU identificou problemas nos dois benefícios entre 2018 e 2022. Foram pagas 382.962 parcelas do seguro-desemprego com indícios de irregularidade a pensionistas e detentos.

No caso do abono, foi apontada falha na habilitação de beneficiários que tinham renda média superior a dois salários mínimos. Outra auditoria, da Controladoria-Geral da União (CGU), identificou parcelas excedentes de seguro-desemprego e pedidos recorrentes do benefício por trabalhadores de mesmas empresas.

Procurado, o Ministério da Fazenda não quis se manifestar. Em nota, o do Planejamento disse que só vai se pronunciar quando houver definição: “O trabalho de revisão de gastos está em curso. Quando houver decisões, elas serão comunicadas.”

*Colaborou Walter Farias, estagiário sob supervisão de Alexandre Rodrigues


Fonte: O GLOBO