Governo terá de enfrentar um ambiente hostil para equilibrar contas públicas
Sem emendas parlamentares para liberar, devido à legislação eleitoral, o governo terá pela frente um semestre ainda mais desafiador no Congresso Nacional, na missão de equilibrar as contas públicas e evitar o avanço de pautas com impactos sobre os cofres do Tesouro Nacional. Até o fim do ano, a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva precisa consolidar a regulamentação da Reforma Tributária, aprovar mudanças sobre regras no Orçamento, evitar o avanço de medidas com impacto fiscal e, ao mesmo tempo, acelerar projetos que possam impulsionar a arrecadação.
Além disso, há um entendimento cada vez maior no Congresso de que será difícil avançar em pautas de aumento de arrecadação. Entre as “pautas-bombas” que o Executivo tenta barrar no Congresso está a chamada proposta de emenda à Constituição (PEC) do quinquênio, que beneficia as carreiras do Judiciário, já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
O governo prevê um impacto que pode chegar a R$ 42 bilhões por ano com essa PEC. Há divergências sobre o valor, que depende ainda de quais categorias serão incluídas ao fim da tramitação e se aposentados também serão beneficiados. A PEC prevê um aumento de 5% do salário, a cada cinco anos, para integrantes do Poder Judiciário e outras categorias relacionadas à Justiça.
Para barrar essa medida, uma das estratégias será contar com o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que é o autor da PEC. Pacheco “tirou o pé do acelerador” após críticas da sociedade à proposta.
Dívida dos estados
Pacheco, por outro lado, é o principal patrocinador, além de autor, do projeto de renegociação da dívida dos estados, pivô de desentendimentos entre o senador e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana que antecedeu o recesso parlamentar.
Governo enfrentará dificuldades para aprovação de pautas-bombas no Congresso em ano eleitoral — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo
Para o chefe da equipe econômica, é preciso fazer ajustes, e o governo terá de negociar mudanças não apenas com parlamentares, mas com os governadores, diretamente interessados na proposta.
O projeto de Pacheco “troca” os juros reais da dívida de estados, de 4% ao ano, por investimentos em áreas como educação e segurança. Essa redução dos juros depende ainda da venda de ativos dos estados.
No Ministério da Fazenda, o projeto não foi bem recebido, e técnicos falam em tentar barrar o texto. Por outro lado, nos estados, secretários de Fazenda defendem ajustes no projeto para torná-lo mais atraente aos demais entes federativos endividados, sem ativos a serem federalizados, como São Paulo.
A sugestão do Comitê de Secretários de Fazenda (Comsefaz) é que a redução de um até três pontos percentuais na taxa de juros possa ter uma contrapartida flexível, entre a entrega de ativos federalizados ou investimentos no estado. Isso porque a maioria dos estados não tem ativos para federalizar.
— É preciso lidar com estados que não têm mais ativos. O caminho mais atrativo seria um abatimento maior com investimentos, de até 3%, sobrando apenas o pagamento de 1% ao fundo (um fundo de equalização para estados com poucas dívidas), além do IPCA — afirmou o presidente do Comsefaz e secretário de Fazenda do Rio Grande do Norte, Carlos Eduardo Xavier.
Nas preocupações da equipe econômica, há também projetos em tramitação que podem engessar o Orçamento do governo, alguns deles vindo de integrantes do próprio Executivo — como é o caso da proposta defendida pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que prevê o aumento gradual do percentual do Orçamento destinado pelo governo às Forças Armadas, de 1,2% para 2% do PIB.
Sessões adiadas
Para conter rombos maiores, o governo pretende realizar sessões conjuntas do Congresso (com senadores e deputados juntos), apenas após as eleições, no fim de outubro. Há na pauta vetos que, se derrubados, podem provocar impacto econômico, como as decisões do governo relacionadas à Lei Geral do Esporte. São repasses financeiros e isenções tributárias que ainda serão analisados pelo Congresso.
O governo também terá de lutar contra a vontade dos congressistas de inflar ainda mais a fatia do Orçamento capturada pelas emendas parlamentares, atualmente no patamar de R$ 50 bilhões. O governo enviou em abril a previsão para as contas públicas no ano que vem, com uma reserva de R$ 39,6 bilhões para emendas parlamentares. No entanto, já há movimentações para se repetir o recorde deste ano, corrigido pela inflação.
O Executivo busca zerar o déficit em 2025 e promover ajustes estruturais no Orçamento. A equipe econômica estuda ainda reformular a Desvinculação das Receitas da União (DRU), o que necessariamente implica elaboração e aprovação de uma PEC no Congresso. O texto aprovado permite ao governo usar livremente 30% das receitas que hoje são destinadas, por determinação constitucional ou legal, a órgãos, fundos e despesas específicas.
Autonomia do BC é uma das pautas-bombas neste segundo semestre — Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Isso não necessariamente reduz os gastos dessas áreas, mas facilita a gestão do caixa do governo.
Autonomia do BC
Uma proposta que o governo tentará segurar (ou alterar) no começo do segundo semestre é a PEC que dá autonomia orçamentária ao Banco Central. O texto quase foi aprovado no último dia de trabalho legislativo, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas a votação foi adiada após articulações nos bastidores do presidente do colegiado, Davi Alcolumbre (União-AP), e do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
Haddad teme o modelo jurídico proposto no projeto, que transformaria o BC de autarquia em empresa pública. Há receio de impacto primário caso a autoridade monetária registre prejuízo. O governo apresentou uma contraproposta em que o BC continuaria a ser uma autarquia de natureza especial, sem subordinação a ministérios, mas poderia incluir no orçamento da autoridade monetária, já separado do Orçamento Geral da União, despesas de pessoal, investimento, funcionamento, meio circulante e custeio do Proagro, seguindo diretrizes do Conselho Monetário Nacional (CMN).
— O governo até topa uma mediação nessa PEC, porque acreditamos que nem no mercado tem consenso ainda sobre o texto, então podemos construir diálogo — afirmou o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP).
Outro desafio, ainda no Senado, será dar celeridade à Reforma Tributária. O governo queria que o projeto tramitasse com urgência na Casa, porém líderes pediram a retirada da prioridade. O relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), quer realizar audiências e, se houver mudanças significativas, o texto ainda deverá voltar à Câmara.
Fonte: O GLOBO
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