Vincenzo Pasquino descreveu, em depoimento, a realização de 'cúpulas' com chefes de facções brasileiras e tráfico de cocaína em portos do país

Extraditado do Brasil em fevereiro deste ano, o mafioso italiano Vincenzo Pasquino decidiu colaborar com a Justiça do seu país, na Europa. O integrante da 'Ndrangheta, a máfia da Calábria, começou a descrever as relações da sua organização criminosa com facções brasileiras, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).

Essas conexões foram abordadas por Pasquino em seus depoimentos no Tribunal de Locri, na Calábria. O mafioso foi ouvido em 7 de maio, mas suas declarações foram tornadas públicas em julho, quando começaram a ser noticiadas pela imprensa do país europeu. Na audiência, o criminoso descreveu suas passagens por várias capitais brasileiras, 'cúpulas' realizadas com chefes do PCC e do CV, e os interesses dos italianos no transporte de cocaína a partir de portos brasileiros.

Pasquino fez as declarações ressaltando sua vontade de colaborar com a justiça do seu país, conforme noticiou a mídia local. O mafioso reconstituiu as suas relações com alguns grupos envolvidos no tráfico internacional de droga, relatando acontecimentos a partir de 2015. Um dos casos relatados é uma reunião com as cúpulas do crime organizado brasileiro.

Divisão de droga com facção brasileira

Em outro trecho do depoimento, Pasquino descreve como funciona o crime organizado no Brasil. O documento divulgado pela Justiça italiana omite nomes, mas reconstitui o modus operandi do tráfico internacional de drogas em solo brasileiro.

"Em 2020, (nome omitido) saiu de Brasília (onde vivia) e veio visitar-me em Aracaju (onde eu vivia na época), com escala em Salvador e destino em Fortaleza. Ele tomou essas precauções porque eu era um fugitivo. Veio visitar-me porque tínhamos algumas importações em curso, incluindo uma em Roterdã", afirmou Pasquino.

Ele também mencionou uma conversa com um grupo de traficantes na qual foi negociado o envio de meia tonelada de cocaína para Gioia Tauro, na Itália. "Combinamos então dividir os 500 kg 50-50 entre nós e os brasileiros.

Portos brasileiros

O depoimento de Pasquino também menciona que o início das relações da 'Ndrangheta com outro grupo criminoso italiano, o da família Nirta, de San Luca, ocorreu pela necessidade de uma "escalada" no tráfico a partir dos portos brasileiros.

"Depois da ruptura, de que falei num relatório anteriormente (...), pediram-nos para encontrar pessoas sérias com quem trabalhar. Foi nesse momento, como já expliquei, que começaram as relações com o grupo de Nirta", afirmou.

De acordo com o Estadão, o procurador italiano Giovanni Melillo, chefe da Direção Nacional Antimáfia e Antiterrorismo da Itália, informou ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, em 6 de junho, que Pasquino tornou-se delator e tem descrito as relações da 'Ndrangheta com facções criminosas brasileiras.

Prisão no Brasil

Preso em maio de 2021 em João Pessoa, na Paraíba, ao lado de Rocco Morabito, o "rei da cocaína", Vincenzo Pasquino era considerado um dos 30 foragidos mais procurados pela polícia italiana. Ele foi deportado em fevereiro deste ano após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinar a notificação do Ministério da Justiça sobre a decisão da Corte que autorizou a extradição do italiano.

O Supremo deu o sinal verde para a entrega do detento à Itália em dezembro de 2022, mas o procedimento ficou suspenso à espera da análise de um pedido de refúgio de Pasquino. Com a recusa do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), Moraes deu andamento à extradição.

Ao comentar a detenção de Pasquino, a então ministra do Interior da Itália, Luciana Lamorgese, elogiou o trabalho dos investigadores e ressaltou a captura de quem chamou de "figura de destaque no tráfico internacional de drogas e incluído na lista dos fugitivos mais perigosos" da pasta.

Em setembro passado, o mafioso foi condenado, na segunda instância de Turim, a 14 anos e meio de prisão por tráfico internacional de drogas e lavagem de dinheiro. No entanto, Pasquino era procurado desde 2019, quando a Justiça de sua terra natal expediu mandado de prisão contra ele.

"Vincenzo Pasquino é um traficante internacional. Alvo de um procedimento penal da direção setorial antimáfia de Torino, porque pertence ao clã da ‘Ndrangheta chefiado por Nicola e Patrick Assisi", explicou o procurador italiano Giovanni Bombardieri.

De acordo com o jornal La Stampa, Pasquino foi acusado de promover uma associação internacional que "importava toneladas de cocaína" do Brasil para a Itália.

Nicola e Patrick Assisi, pai e filho, foram presos num apartamento de luxo em Praia Grande, na Baixada Santista, em julho de 2019. Na cobertura, foi encontrado um passaporte em nome de Vicenzo Pasquino. Depois da captura dos dois, Pasquino tomou o lugar deles e passou a negociar em nome das principais famílias mafiosas o transporte de carregamentos de drogas com destino ao Piemonte e à Calábria, segundo documentos citados pelo diário local.

Ao longo do trabalho que desencadeou a Operação Eureka, deflagrada em maio passado em oito países da Europa, os investigadores descobriram a existência de ao menos três associações criminosas, segundo a agência Ansa. Uma delas era a família Nirta "Versu", de San Luca, que conta com um braço de atuação no Brasil e era representada por Pasquino.

A análise dos vínculos entre as famílias mafiosas levou a descobertas sobre a fuga de Pasquino e de Morabito, de quem era parceiro. Morabito, chamado de "rei da cocaína", negociou a entrega de armas de guerra com uma facção paulista como forma de pagamento por carregamentos de cocaína enviados à Europa por meio de portos no Brasil, informou a Europol, durante a Operação Eureka.

Morabito chegou a ser preso em 2017 no Uruguai, mas fugiu da cadeia. Ele foi preso novamente no Brasil e extraditado para a Itália em julho de 2022. O "rei da cocaína", o parceiro Pasquino e os Assisi teriam ligação com narcotraficante brasileiro André Oliveira Macedo, o André do Rap, ligado à facção paulista e foragido da Justiça brasileira há mais de três anos.


Fonte: O GLOBO