Barreiras criadas para segurança dos jogos transformaram algumas áreas da capital em 'zonas fantasmas'. Governo estuda compensação a empresários

Fabrice Pierret está acostumado a atender hordas de turistas que lotam o Le Lutétia, uma brasserie que ele gerencia na Île Saint-Louis, onde uma vista esplêndida do Rio Sena, com um copo de vinho tinto e filé com fritas, há muito tempo torna o local uma parada popular para aqueles que visitam Paris.

Mas, na semana da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 — que acontece nesta sexta-feira, as multidões diminuíram drasticamente. As vendas caíram até 70%, depois que as medidas de segurança rigorosas e uma queda inesperada no turismo transformaram alguns dos locais mais famosos da capital francesa em verdadeiras cidades fantasmas.

— É uma catástrofe — lamenta Pierret, observando seu terraço quase vazio.

Medidas de segurança rigorosas e uma queda inesperada no turismo transformam alguns dos locais mais famosos da capital francesa em verdadeiras cidades fantasmas. — Foto: James Hill/The New York Times

Diante dele, milhares de assentos de cores vivas se alinhavam nos cais do Sena, que agora estão isolados. O rio fluía calmamente, sem trânsito, numa cena que fazia lembrar os confinamentos provocados pela pandemia de Covid 19.

— Os Jogos Olímpicos deveriam ser ótimos para os negócios. Em vez disso, estamos sendo duramente atingidos — afirma Pierret.

Os comerciantes estavam contando com os Jogos Olímpicos para trazer um boom econômico. A cidade está se transformando em um gigantesco palco esportivo ao ar livre, começando pela brilhante cerimônia de abertura nesta sexta-feira, quando as delegações vão desfilar em embarcações ao longo de 6,4 km do Rio Sena até a Torre Eiffel, com mais de 300.000 espectadores ao longo do percurso.

Mas o empreendimento gigantesco também transformou o centro de Paris em um local de segurança máxima, com quilômetros de barreiras metálicas e postos de controle policial. As restrições serão parcialmente relaxadas após a cerimônia de abertura.

As pessoas que quiserem jantar perto da Torre Eiffel ou acessar a praça de Notre-Dame precisam de um QR code especial esta semana, que envolve uma verificação de antecedentes, algo que muitos visitantes desconhecem.

Isolados numa 'jaula'

Grandes patrocinadores como o conglomerado francês de produtos de luxo LVMH, Adidas e Coca-Cola devem lucrar consideravelmente com os Jogos Olímpicos e Paralímpicos.

Mas pequenos negócios instalados em regiões onde as medidas de segurança são mais rígidas viram as vendas despencarem até 70% na última semana e 30% em outras áreas restritas de Paris, relatou a Confederação do Comércio Francês na segunda-feira.

Na Boulangerie Notre-Dame, à sombra da catedral, Charles Arnaud aguardava silenciosamente a chegada de clientes. Quando a padaria abriu há um mês e meio, ele vendia 80 sanduíches de baguete na hora do almoço. Mas após a instalação das cercas de segurança na semana passada, as multidões de turistas ficaram presas do lado de fora.

— De um dia para o outro, praticamente não tínhamos ninguém — contou Arnaud.

Agora, ele vende cerca de 20 sanduíches por dia — a maioria comprada por policiais que patrulham a área:

— Parece que estamos dentro de uma jaula.

As empresas francesas esperavam que os Jogos Olímpicos trouxessem um boom econômico — Foto: James Hill/The New York Times

Compensação para os lojistas


Nas proximidades, Yasir Jagafar fechou uma de suas duas lojas de souvenirs, a Notre-Dame Souvenirs. Ele normalmente vende € 1.800 por dia (cerca de US$ 1.950 ou R$ 11 mil) em chaveiros da Torre Eiffel, boinas francesas e bolsas da Mona Lisa. As vendas agora caíram para apenas € 18 (R$ 110) por dia.

— Não podemos continuar operando dessa maneira. O governo precisa estar ciente da nossa situação — reclama Jagafar.

Na segunda-feira, o presidente Emmanuel Macron disse que o governo francês estudaria possíveis compensações para as empresas. Muitos esperam que os turistas voltem após as restrições serem relaxadas, mas as associações comerciais de Paris alertaram que mais de 1.000 empresários teriam dificuldades para recuperar as perdas sofridas durante um período que normalmente representa a maior parte de suas vendas anuais.

Poucos comerciantes estavam otimistas.

Perto da Torre Eiffel, David Zenouda, que dirige o Spot 24, um centro de informações turísticas olímpicas com um café e uma exposição de arte, disse a todos, exceto um de seus funcionários, para ficarem em casa até que a segurança fosse relaxada.

— Não temos clientes. É paradoxal que não deixemos os turistas entrarem em um lugar dedicado a eles.

Para agravar a situação, as vendas das lojas, restaurantes e hotéis parisienses já tinham caído cerca de 11% em junho em relação ao ano anterior, depois de o esperado aumento do turismo não ter se concretizado.

'Evasão de Paris'

A Air France disse que esperava perdas de até € 180 milhões no período de junho a agosto, citando “um comportamento significativo de evasão de Paris” entre os viajantes que preferem evitar multidões e segurança.

As projeções caíram de 15 milhões para 11 milhões de turistas durante os Jogos Olímpicos. Cerca de 1,5 milhão de visitantes vêm do exterior, e o restante são residentes franceses, segundo o escritório de turismo de Paris. Muitos parisienses estão fugindo da capital para evitar os congestionamentos.

Tudo isso aprofundou o pessimismo dos donos de negócios.

Pierre Brisson, que dirige o Musée Vivant du Fromage, um museu na Île Saint-Louis com visitas guiadas para degustação de queijos, estava do lado de fora, com uma boina preta e um copo de vinho branco, acenando a alguns poucos transeuntes.

Veterano no fabrico de queijos, tinha programado a sua abertura no mês passado para atender ao que pensava ser uma aumento de clientes.

Originalmente, a ilha não deveria estar no perímetro de segurança. Mas as autoridades o expandiram com pouco aviso, disse Brisson. Agora, ele não tinha clientes e enfrentava custos de € 50.000:

— Estamos orgulhosos de sediar os Jogos Olímpicos. Mas algumas pessoas vão sofrer por causa disso — pessoas como nós.


Fonte: O GLOBO