Ex-seminarista está preso há mais de uma década por ter assassinado o pai e a madrasta com nove tiros, em 2004

Classificado pelo teste de Rorschach como impulsivo, imaturo, agressivo, egocêntrico, inconstante e frustrado, o ex-seminarista Gil Rugai, de 41 anos, teve parecer negativo no exame psicológico anexado na semana passada ao seu processo de execução penal. Com isso, o Ministério Público paulista pediu à Justiça que ele continue cumprindo sua pena de 33 anos na Penitenciária de Tremembé, onde está recluso há mais de uma década por ter assassinado o pai e a madrasta com nove tiros, em 2004. Ele havia pedido para cumprir o resto da pena em liberdade, como fazem hoje Suzane von Richthofen, Daniel Cravinhos, Elize Matsunaga, Anna Carolina Jatobá e, mais recentemente, Alexandre Nardoni.

Segundo o promotor Gustavo José Pedroza Silva, do Departamento Estadual de Execuções Criminais da 9ª Região de São José dos Campos, o laudo de Rorschach levantou dúvidas significativas sobre a maturidade emocional e o controle dos impulsos de Gil Rugai. “O teste oferece um panorama mais detalhado e complexo do estado psicológico do reeducando, impondo sérias reflexões sobre sua capacidade de reintegração à sociedade”, argumentou o promotor.

O ex-seminarista cumpre pena no regime semiaberto desde 2021, o que lhe permite deixar a penitenciária cinco vezes por ano nas saídas temporárias, passando sete dias em casa com o namorado, o ex-guarda civil metropolitano (GCM) Marcos Rocha da Silva, de 43 anos, também integrante do regime semiaberto. O casal também sai junto todos os dias da penitenciária usando uma tornozeleira eletrônica para estudar Arquitetura e Urbanismo numa universidade particular em Taubaté.

Marcos Rocha da Silva e Gil Rugai durante saída da prisão — Foto: G1

Na Justiça de São Paulo, o teste é utilizado na execução penal de presos que cometeram crimes hediondos, pedófilos e parricidas para avaliar o arrependimento e o potencial de reincidência. O laudo de Rorschach costuma revelar verdades que o indivíduo tenta esconder, além de avaliar a relação entre os componentes da sua inteligência e os bloqueios emocionais.

De acordo com o laudo psicológico baseado no teste de Rorschach, Gil Rugai “apresenta conflitos afetivo-emocionais e impulsividade latente que se manifestam especialmente em momentos de maior ansiedade e estresse, provocando oscilações de humor”. A imaturidade em sua expressão afetiva é um ponto crucial destacado pela psicóloga-perita. 

“Gil tem mudanças intempestivas de humor e labilidade dos sentimentos, além de uma baixa tolerância à frustração. Essas características, somadas à presença de fantasias imaturas, facilitam reações mais impulsivas e contribuem consideravelmente para a sua desadaptação no relacionamento interpessoal”, escreveu a psicóloga Mônica Evelyn Thiago.

O parecer enfatiza que, no aspecto de processamento das informações – elaboração e organização das experiências na memória –, as associações formadas por Gil Rugai são baseadas em uma lógica mais pessoal e pouco objetiva. Predominam em seu pensamento concepções imaturas que interferem no entendimento mais objetivo da realidade, prejudicando suas capacidades de atenção e concentração, fundamentais para um julgamento mais preciso da realidade.

“No que tange às funções conativas, aquelas que antecedem e possibilitam o comportamento explícito de natureza intelectual e afetivo-emocional, registrou-se que o reeducando tem dificuldade em iniciativa e tomada de decisões, em virtude de um julgamento pouco objetivo. Além disso, ele apresenta fracasso nas situações mais afetivas devido à presença de fantasias imaturas que promovem a perda de controle sobre seus impulsos motores”, argumentou o promotor com base no resultado do Rorschach de Gil Rugai.

Gil Rugai e Marcos Rocha da Silva na universidade — Foto: g1

Outro ponto relevante destacado no laudo é a característica do ex-seminarista que favorece reações mais intensas, podendo apresentar mudanças intempestivas de humor, labilidade dos sentimentos e agressividade com consideração precária das circunstâncias externas. A perita concluiu que eventuais falhas em suas defesas, seja por motivo de estresse ou impacto afetivo mais intenso, podem ocasionar a liberação de seus impulsos mais básicos e egocêntricos.

Embora Gil Rugai possua condições de exercer sua autonomia e autoafirmação, a psicóloga afirma que sua capacidade de adaptação social é frequentemente influenciada por emoções e fantasias imaturas. Isso resulta em sentimentos de impotência e inadequação que o levam a priorizar seu ponto de vista, pautado por um autoritarismo infantil e mostrando resistência a mudanças. Essas mesmas fantasias imaturas prejudicam o comportamento manifesto e dificultam o desenvolvimento de uma adaptação autônoma e amadurecida às situações da vida.

Para manter Gil Rugai na cadeia por mais tempo, o Ministério Público argumentou que ele cometeu um crime “muito grave” (homicídio qualificado com duas vítimas) e que ele só cumpriu aproximadamente um terço da pena. Ou seja, ele só estará quite com a Justiça em 2044. “O tempo proporcional de cumprimento é considerado diminuto, e a exposição de motivos da Lei de Execuções Penais sustenta que a progressão deve ser uma conquista do condenado pelo seu mérito”, argumentou o promotor.

Luiz Carlos Rugai, de 40 anos, e Alessandra de Fátima Troitin, de 33: mortos em 2004 — Foto: Reprodução

No final do parecer encaminhado à Justiça, está escrito: “O Ministério Público conclui que Gil Rugai ainda não reúne os requisitos necessários para a progressão de regime. O reeducando é imaturo e isso afeta suas funções afetivas, conativas e intelectuais. O elevado grau de subjetividade em seu julgamento dos fatos, o desinteresse pelo externo e as preocupações de âmbito apenas pessoal, a atitude de oposição e teimosia, com tendência a impulsos primários e agressivos, permitem a suposição de que Gil Rugai ainda necessita de melhorias no âmbito interno. Ele precisa ter uma melhor apreensão sobre sua conduta, objetivamente considerada, para que possa retornar ao seio da sociedade”.

Gil Rugai nunca assumiu o crime pelo qual foi condenado. Esse fator dificulta sua liberdade, já que lidar com o delito é uma das questões básicas para provar arrependimento. O ex-seminarista tentou escapar do teste de Rorschach durante quatro anos, recorrendo até ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas perdeu todos os recursos.

O laudo anexado agora em seu processo de execução penal não é o único a comprometer a progressão de pena do ex-seminarista. Em seu exame criminológico consta que ele apresenta comportamento egocêntrico, com traços de impulsividade, imaturidade e fantasias ligadas às suas necessidades pessoais. A perícia aponta ainda que Gil foi diagnosticado com transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (TPOC), um distúrbio caracterizado pelo padrão persistente de preocupação com a ordem, perfeição e controle.


Fonte: O GLOBO