Família briga na Justiça por tratamento de neuromodulação de R$ 400 mil negado por plano de saúde

Emocionado e sem conter as lágrimas, Ricardo Carvalho relembra, em tom saudosista, toda a trajetória de sua filha Larissa Carvalho, de 31 anos. Formada em Farmácia e estudante de Medicina, ela vive há mais de um ano em estado vegetativo por conta de complicações em uma cirurgia ortognática. Antes do procedimento cirúrgico, feito em Juiz de Fora, Minas Gerais, Larissa era apaixonada por vôlei e "rodeada de amigos".

Casado há mais de 30 anos, Carvalho teve duas filhas: Emiliana e Larissa. Quando crianças, as duas começaram a natação, mas, aos 9 anos, Larissa migrou para o vôlei, e desde então nunca havia abandonado a modalidade. O pai, hoje aposentado, também lembra o quanto o esporte foi importante na vida da filha, que chegou a ganhar uma bolsa de estudo por conta de suas habilidades no vôlei.

— Ela jogou com o professor que também formou a Marcia Fu (ex-jogadora da Seleção Brasileira). Na época, ela conseguiu uma bolsa de estudos em um colégio renomado em Juiz de Fora e ficou até se formar no Ensino Médio. O vôlei foi muito importante para ela. Na faculdade, ela também continuou praticando — recorda.

Larissa Moraes de Carvalho, de 31 anos, com Bernardinho — Foto: Arquivo pessoal

Como primeira opção de carreira, Larissa escolheu cursar Farmácia pela Universidade Federal de Juiz de Fora — segundo o pai, muito por influência da irmã que também já fazia a graduação. Durante a sua formação, ela seguiu jogando vôlei e ajudou a criar uma associação atlética do curso.

Formada, ela se especializou na indústria de Alimentos e Bebidas e trabalhou com a produção da cervejaria Heineken. Durante seu período, ela também fez um intercâmbio para complementar os estudos. A jovem morou, entre 2014 e 2015, na cidade de Bristol, na Inglaterra, onde se graduou em ciência forense pela University of the West of England. Orgulhoso, Ricardo conta que a experiência foi enriquecedora para a filha.

Larissa Moraes de Carvalho, de 31 anos, teve complicações em uma cirurgia ortognática — Foto: Arquivo pessoal

— A Larissa fez muitas amizades, que também a ajudaram depois de formada. Teve um período que ela morou na Bahia e acabou ficando na casa de uma amiga que ela conheceu na época do intercâmbio — disse ele.

No final de 2019, aos 27 anos, a jovem decidiu voltar para a casa dos pais, em Juiz de Fora, para tentar o vestibular de Medicina. Em 2022, ela ingressou no curso na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e veio morar na capital fluminense. O pai também revela que ela sempre teve a ideia de fazer o curso, mas acabou optando por Farmácia por se espelhar muito na irmã mais velha.

Com a ida para o Rio, Larissa precisou sair novamente da casa dos pais, o que não abalou a relação da família. A irmã mais velha também mora na capital fluminense e as duas passavam muito tempo juntas. E quando os pais podiam ir à cidade, aproveitavam o tempo juntos.

— A saída dela de casa foi natural, mas a gente sempre aproveitou muito, sempre estivemos juntos. A nossa relação é muito boa, sempre foi ótima. O que importa para gente é saber que nossas filhas estão bem. E com essa tecnologia toda, a gente fazia muita chamada de vídeo, então, sempre nos sentimos muito perto delas — relembra.

Larissa, os pais e a irmã — Foto: Reprodução/Redes sociais

Durante o ano que ela cursou a faculdade, Carvalho conta que ela pôde fazer muitas amizades. Segundo ele, a filha é uma pessoa "aglutinadora", que sempre estava acompanhada de amigos.

— Ela é uma pessoa de uma facilidade de fazer novos amigos, é incrível. Agora a gente também vê o quanto ela é querida, não só com homenagens, mas alguns amigos da Uerj foram visitá-la no hospital. Eu mesmo cheguei a trocar mensagens com colegas dela, que no início de março fizeram uma homenagem — diz emocionado.

Sobre a personalidade da filha, o pai é só elogios. Segundo ele, a estudante sempre foi uma pessoa com facilidades para fazer novos relacionamentos e apoiava e motivava as pessoas que eram importantes em sua vida.

— Ela era uma pessoa que todo mundo sempre gostou, não é porque é minha filha não. Larissa era muito de apoiar as pessoas, adepta a defender as diferenças. Sempre foi uma pessoa de motivar, tinha uma preocupação tremenda com a minha saúde e da minha esposa, com os amigos dela. Uma pessoa aglutinadora, ela era daquelas pessoas que quando ela chamava, todo mundo aparecia — conta ele.

Cirurgia

Ricardo também conta sobre a decisão da estudante de fazer a cirurgia ortognática. Como ele explica, desde adolescente, o dentista que acompanhava a família já tinha feito a recomendação do procedimento.

— A necessidade da cirurgia surgiu quando ela não tinha nem 15 anos. O dentista que acompanha nossa família falou que ela ia precisar porque ela ia poder ter problemas futuros. Era uma coisa deveria ser feita, mas não por conta de estética.

Ao decidir fazer o procedimento, no ano passado, Larissa tinha um cirurgião buco maxilo facial em Juiz de Fora, que a acompanhou e fez todos o risco cirúrgico, mas o plano de saúde negou e ela precisou recorrer a outro médico.

Logo após o procedimento cirúrgico, em março de 2023, Larissa foi levada para um quarto, onde sofreu uma parada cardiorrespiratória. A família relata que ela não teve assistência imediata, o que agravou o quadro da estudante. Ela chegou a ser reanimada e permaneceu internada na unidade de saúde por mais de um ano, mas não voltou a ficar consciente. Após a parada cardiorrespiratória, Larissa ficou um mês no CTI, pegou pneumonia e infecção urinária. Depois foi transferida para um quarto, onde permaneceu até março deste ano.

— Era para ter sido uma cirurgia muito comum, mas longa. Não era para ter acontecido, mas foram muitos erros durante o procedimento e a falta de assistência que não cumpriu às normas do hospital. Se ela tivesse sido prontamente socorrida, nada disso teria acontecido — lamenta o aposentado.

Busca por tratamento traz esperança

Atualmente Larissa está em casa, no tratamento de home care, e a família busca uma evolução no quadro. Eles pretendem conseguir uma liberação para que a jovem consiga realizar o tratamento de neuromodulação. O método consiste em modular a atividade do sistema nervoso, na tentativa de mudar a atividade neuronal. Com estimulação elétrica fraca ou magnética, é possível tentar ajudar os neurônios a recuperar a função que está danificada.

— Ela não tem a interação adequada, infelizmente, ela não se comunica com a gente. É até meio suspeito de a gente falar porque a gente é pai, mas vemos o olhar, é como se estivesse olhando para gente — diz Ricardo.

O pai da estudante também conta que a própria médica que cuidou da filha no hospital recomendou este tratamento e fez o pedido ao plano de saúde em junho, que negou. O pai ainda tentou contato com o plano, mas também foi negado.

Diante das duas recusas do plano de saúde, a família buscou a Justiça em setembro de 2023. Em janeiro deste ano, o juiz responsável negou a liberação do tratamento pelo plano. O processo, que está nas mãos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em Belo Horizonte, desde o dia 10 de maio, foi negado em 1ª Instância e, atualmente, aguarda uma decisão da 2ª Instância.

O valor total do tratamento intensivo ao longo de um ano custa R$ 406.560,00. O plano de saúde contratado pela família, o Saúde Servidor, da Prefeitura de Juiz de Fora, negou duas vezes o tratamento, alegando que a neuromodulação não está no rol de procedimentos médicos cobertos pelo Plano de Assistência à Saúde.

Ricardo também desabafa sobre os desafios de ver a filha que sempre foi ativa deitada em uma cama e sem conseguir realizar o tratamento de neuromodulação.

— Tem dias que a gente acorda e pensa que não poderíamos estar vivendo esse pesadelo, mas não podemos ficar pensando nisso, temos que focar na recuperação dela. A gente fica triste com a situação, mas procuramos estar do lado dela, alegre. Essa é nossa realidade, sempre focando no tratamento dela — diz emocionado.

O que é a cirurgia ortognática?

Esta intervenção cirúrgica busca corrigir desalinhamentos nos ossos do rosto e nos dentes. Para além do apelo estético, pois ajuda a harmonizar a face, a cirurgia ortognática também melhora a qualidade de vida, principalmente ao facilitar a respiração e o sono. Essa é a mesma cirurgia à qual a adolescente Rafaela Justus, filha de Roberto Justus e Ticiane Pinheiro, foi submetida.

Além disso, ela varia de acordo com a abordagem dependendo da disfuncionalidade observada pelo cirurgião. São elas:
  • Assimetrias: maxilares tortos;
  • Atresia de maxila: mordida cruzada posterior ou maxilar estreito;
  • Retrognatismo: mandíbula pequena;
  • Prognatismo: mandíbula grande e/ou maxilar pequeno;
  • Disfunção da ATM (articulação temporo-mandibular).
Os riscos são os mesmos associados a outras cirurgias, como perda de sangue e infecções. Em geral, esse é considerado um procedimento seguro.


Fonte: O GLOBO