O ministro Flávio Dino, durante sessão do STF — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/17-04-2024
A reação foi imediata. Na Câmara, foi adiada a votação de destaques da regulamentação da reforma tributária, pauta prioritária do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O cancelamento foi interpretado como um “recado” a Dino e ao governo, já que o magistrado, até fevereiro, era ministro da Justiça do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Logo depois, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso rejeitou uma Medida Provisória (MP) que prevê um aumento no orçamento do Poder Judiciário. A derrubada da MP, contudo, ainda precisa ser votada em sessão da Câmara.
Na sentença, apesar da suspensão das emendas, Dino determina que não serão represados os recursos destinados a obras já iniciadas e em andamento ou de ações em casos de calamidade pública. Emendas impositivas são recursos indicados por parlamentares com pagamento obrigatório pelo governo.
Faz parte dessa fatia do Orçamento a chamada emenda Pix, enviada diretamente ao caixa de estados ou municípios, mas sem um fim específico, como uma obra ou desenvolvimento de política pública. Também são afetadas pela decisão as emendas individuais, que têm destinação carimbada, e as emendas de bancada, indicadas coletivamente por parlamentares de um mesmo estado.
Dino considerou incompatível com a Constituição a execução de emendas ao Orçamento que não obedeçam a critérios técnicos. O ministro frisou que as emendas parlamentares impositivas devem ser executadas nos termos e “nos limites da ordem jurídica”, e não ficar sob a liberdade absoluta do parlamentar autor da emenda.
Invasão de poder
“Afinal, é uma grave anomalia que tenhamos um sistema presidencialista, oriundo do voto popular, convivendo com a figura de parlamentares que ordenam despesas discricionárias como se autoridades administrativas fossem. Em outras palavras, o equivocado desenho prático das emendas impositivas gerou a ‘parlamentarização’ das despesas públicas sem que exista um sistema de responsabilidade política e administrativa ínsito ao parlamentarismo”, afirma o ministro na decisão.
Desde o governo de Jair Bolsonaro, houve um avanço significativo da participação de parlamentares em investimentos com uso de emendas. A justificativa para assumir a responsabilidade é que os representantes eleitos conhecem melhor as realidades locais do que a burocracia de Brasília. Já o governo federal tenta reverter o quadro e se queixa da falta de planejamento para o desenvolvimento de políticas públicas nacionais.
O rito estabelecido com as emendas, na visão de Dino, tira grande parte da liberdade de decisão do Poder Executivo sobre a implementação de políticas públicas e transforma os parlamentares em uma espécie de “co-ordenadores de despesas”. Ainda de acordo com o magistrado, as alterações na Constituição não podem ir contra cláusulas pétreas, como o princípio da separação de Poderes.
Em razão da legislação eleitoral, este ano as emendas só puderam ser empenhadas (quando o dinheiro é reservado) até 30 de junho. A liberação efetiva desses recursos pode ocorrer ao longo do ano. Portanto, é provável que a determinação do ministro tenha um impacto reduzido no curto prazo. Mas, ainda assim, gera um mal-estar político.
Ontem, integrantes do governo demonstraram preocupação com uma possível reação do Congresso e tentaram se desvincular da decisão do magistrado. O assunto, inclusive, estava sendo conversado internamente. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, chegou a dialogar nesta semana com líderes e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre o papel das emendas.
Em 2024, R$ 49 bilhões ficaram nas mãos do Congresso em emendas. Foram R$ 25 bilhões reservados para as emendas individuais, montante que inclui R$ 8,2 bilhões em emendas Pix; R$ 8,5 bilhões em emendas de bancada; e R$ 15,5 bilhões em emendas de comissão.
A decisão de Dino foi dada em uma ação apresentada pelo PSOL que questiona trechos de quatro emendas constitucionais que tornaram obrigatória a execução das emendas parlamentares individuais e de bancada.
Anteontem, antes mesmo da decisão, já havia sinais de que uma ação mais incisiva do STF poderia gerar uma forte reação. Lira defendeu a prerrogativa do Congresso sobre a destinação das emendas parlamentares e disse que um “ato monocrático” não pode mudar este entendimento.
Ele se referia à série de decisões de Dino que exigiram maior transparência nas “emendas Pix” e de emendas de comissão.
— Eu não poderia deixar de fazer uma referência à atual discussão sobre a autonomia do Poder Legislativo em relação à destinação das emendas parlamentares. Com todo o respeito à autonomia dos demais Poderes, continuarei a defender que é o Congresso que mais sabe, que mais conhece a realidade dos municípios — disse Lira.
O deputado, que pode ter o poder esvaziado caso haja uma decisão mais dura da Corte, ainda fez um alerta.
— Não podem mudar isso, com todo o respeito, num ato monocrático, quaisquer que sejam os argumentos e as razões, por mais que elas pareçam razoáveis — afirmou.
Como mostrou O GLOBO, congressistas avaliam que a melhor maneira para alterar as regras e dar transparência às emendas pix nas quais os valores são enviados por parlamentares ao caixa de prefeituras e estados, é dar um “carimbo de destinação”.
Congresso estuda opções
Na Câmara, já há linhas gerais de consenso para o texto que trata das emendas Pix. A alternativa seria através de um projeto de lei enviado pelo governo, no qual seriam incluídos artigos relativos à modalidade. Uma sessão do Congresso seria convocada nos dias de esforço concentrado de agosto para votá-lo e as mudanças seriam feitas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano.
Em paralelo, outras possibilidades estudadas para retomar as rédeas e o controle das verbas são o aumento da verba para emendas individuais, que são de pagamento obrigatório, e até mesmo a criação de uma emenda distribuída a líderes partidários, de forma proporcional. Anteontem, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu uma negociação entre Legislativo, Executivo e Judiciário. O senador ressaltou que outros tipos de emenda podem ser reforçados.
Fonte: O GLOBO
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