Ministros alinhados ao ex-presidente da República preparam voto que pode ajudá-lo no caso das joias sauditas

A ala bolsonarista do Tribunal de Contas da União (TCU) pretende livrar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de devolver um relógio presenteado pela grife francesa Cartier em 2005, no seu primeiro governo, e avaliado em R$ 60 mil na época.

A postura dos ministros da corte de contas ligados ao ex-presidente estará alinhada com a tese de sua defesa, que pretende usar uma eventual decisão a favor de Lula para ajudá-lo a escapar de uma denúncia no inquérito das joias sauditas que tramita no STF.

A análise do caso, provocada por uma representação do deputado federal bolsonarista Sanderson (PL-RS) está marcada para a tarde desta quarta-feira (7), a partir das 14h30, e deverá dividir o plenário, conforme informou o blog.

O TCU é formado por nove ministros, dos quais três costumam votar de acordo com as teses do campo bolsonarista: Jorge Oliveira, que foi ministro da Secretaria-Geral do governo Bolsonaro; Jonathan de Jesus, indicado pelo senador Ciro Nogueira (PP), que foi ministro da Casa Civil; e Augusto Nardes, que em 2022 enviou a amigos um áudio no WhatsApp em que comentou um “movimento forte nas casernas” após manifestantes bolsonaristas protestarem na frente de quartéis pedindo intervenção militar contra a vitória de Lula nas eleições. O áudio foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo.

O presidente Bruno Dantas só vota em caso de desempate. “Teremos fortes emoções”, afirma um dos magistrados.

A expectativa nos bastidores é a de que a discussão do caso divida o plenário em pelo menos três correntes: os que defenderão que Lula e todos os ex-presidentes devam devolver todos os presentes valiosos recebidos no período em que chefiaram o governo; os que acolherão o parecer técnico dizendo que Lula pode ficar com o relógio, mas Bolsonaro deve devolver as joias; e os que vão defender que ninguém tenha de devolver nada.

É dessa última ala que devem sair quatro votos que devem poupar Lula, mas que também podem servir para ajudar Bolsonaro no caso das joias sauditas.

Nesse caso, nenhum deles estaria preocupado em poupar Lula do constrangimento político de devolver um presente recebido há 19 anos, mas sim pavimentar uma solução jurídica para tentar salvar Bolsonaro depois.

A equipe da coluna apurou que a tendência é de que um quarto ministro, Aroldo Cedraz, se junte a essa corrente.

Nesse caso, seriam quatro dos nove ministros contra a devolução de presentes por presidentes da República. Se esse entendimento for majoritário, o que ainda não está claro, mudaria o entendimento adotado pelo TCU em 2016 – o de que apenas itens "personalíssimos", ou seja, de uso pessoal, e ainda de baixo valor, podem ser incorporados ao patrimônio pessoal de presidentes da República.

O relógio de Lula, um Cartier Santos Dumont, foi dado de presente pelo próprio fabricante durante uma visita oficial a Paris, para as celebrações do Ano do Brasil na França, iniciativa dos dois governos para promover relações bilaterais. A peça é feita de ouro branco 16 quilates e prata de 750.

Conforme informou o blog, aliados de Bolsonaro torcem discretamente para que o TCU decida que o relógio é um item personalíssimo, recebido quando não havia regras para a devolução de presentes por parte de chefes de estado, e libere Lula de devolvê-lo.

Se isso acontecer, a defesa do ex-presidente poderá usar a decisão como precedente para tentar livrar Bolsonaro do inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).

Bolsonaro foi indiciado em julho pela Polícia Federal por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro no inquérito das joias sauditas, sob a acusação de se apropriar indevidamente de presentes dados por autoridades estrangeiras durante o período em que ocupou o Palácio do Planalto.

O relator do caso, Antonio Anastasia, vai apresentar o voto nesta quarta-feira e deve seguir o entendimento da área técnica do TCU, para quem Lula não deve ser obrigado a devolver a peça.

Na época em que o presente foi recebido, não havia ainda a regra que diz que o presidente da República só pode levar para casa após o final do mandato os chamados “itens personalíssimos” – peças de uso pessoal e baixo valor.

Esse entendimento foi firmado pelo TCU apenas em 2016, mas aliados de Bolsonaro avaliam que o voto do relator, Walton Alencar, deixou uma zona cinzenta ao não delimitar uma linha de corte com um valor para diferenciar os itens personalíssimos dos outros nem estabelecer critérios mais claros para diferenciar uma coisa da outra. Mas o ministro frisou à época que as joias não podem ser considerados itens pessoais.

Mapeamento de votos

No mapa de votos do julgamento do relógio de Lula, Walton Alencar é considerado o mais inclinado a dar a posição mais rigorosa: obrigar os ex-presidentes, inclusive Lula, a devolverem todos os presentes valiosos recebidos.

As dúvidas em torno do julgamento ficam por conta de outros dois magistrados cujas posições são consideradas incógnitas e que podem selar o placar final: o vice-presidente do TCU, Vital do Rêgo, e o ministro-substituto Marcos Bemquerer, que vai votar no lugar de Benjamin Zymler, que saiu de férias.

Vital do Rêgo costuma votar de acordo com os interesses do governo petista e é considerado pelos colegas como integrante da “ala lulista” da Corte de Contas. Ele é irmão do vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), aliado de Lula.

Já Bemquerer é visto como um ministro “técnico”, “ponderado” e “superdiscreto” – e já foi auditor federal de controle externo do TCU.

Nos bastidores do tribunal, os últimos dias foram agitados, com muitas conversas e especulações entre ministros e auxiliares sobre qual postura tomar. O suspense, porém, continua. E deve durar até o último momento.


Fonte: O GLOBO