Trum fala em comício sobre economia — Foto: AFP
Quando traçaram a estratégia para a vitória em novembro, os republicanos identificaram na economia um dos dois principais trunfos do ex-presidente Donald Trump na corrida eleitoral. O outro era o fluxo recorde de imigrantes não-documentados pela fronteira com o México nos anos Joe Biden. Eles seriam combinados, ainda que dados oficiais provem o absurdo de tal correlação, com a imagem dos “ilegais” tirando postos de emprego do trabalhador americano, já às voltas com o, aí sim real, aumento do custo de vida nos últimos quatro anos. Deu certo. Pelo menos até o presidente ser forçado a abandonar o projeto de reeleição.
Um dos mantras de Trump, desde as primárias, repetido à exaustão nos comícios e na Convenção Republicana, foi o “vocês estão melhores ou piores do que há quatro anos?”. O roteiro seguia com a orientação para o eleitor pensar em como o aluguel subira e avaliar o que consegue comprar hoje no supermercado com os mesmos dólares de 2020. Vão às urnas, finalizava o ex-presidente, com a certeza de que comigo a vida era mais fácil.
Até essa semana, sem exceção, todas as pesquisas qualitativas mostravam Trump bem à frente de seu sucessor quando a pergunta era sobre quem era mais talhado para comandar a economia do país a partir de 2025. Mas a nostalgia por tempos pré-pandêmicos e pré-Guerra na Ucrânia parece ter passado na medida em que a vice-presidente Kamala Harris, sucessora de Biden na disputa, deixou em segundo plano a defesa da Bidenomics (agenda econômica centrada em nova política industrial, com investimentos públicos de US$ 2 trilhões em 10 anos).
Ela passou a repetir, em peças nas redes sociais e comícios coreografados, que Trump defendia nova diminuição de impostos, mas só para os ricos. De que a inflação está em queda, o desemprego em baixa histórica e “dias melhores virão”, com ela eleita, para a classe média e os mais pobres. Ofereceu, ainda que sem detalhes, a visão de um futuro brilhante para a maioria da população, em oposição à volta ao passado “dourado só para os magnatas”, em suas palavras, defendida pelo adversário duas décadas mais velho.
À catequese saudosista de Trump, Kamala Harris apresentou o populismo da esperança. E o anúncio, nesta quarta-feira, de que o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) caiu para 2,9% em julho, o menor desde março de 2021, a ajuda.
Na última segunda-feira, a manchete da edição americana do Financial Times informou: “Em virada radical, Kamala lidera Trump em pesquisa sobre confiança dos eleitores na gestão da economia”. A pesquisa do jornal em parceria com a Escola de Negócios Ross, da Universidade do Michigan, mostrou que 42% dos eleitores confiam mais em Kamala para tocar a economia do país, contra 41% para Trump. A rodada anterior marcava Trump com os mesmos 41%, mas bem à frente dos 35% de Biden.
Em outra consulta, a do New York Times/Universidade Siena, divulgada no último fim de semana, a democrata já reduzira a diferença nos três estados mais decisivos da Muralha Azul (Wisconsin, Michigan e Pensilvânia) sobre quem é mais confiável no mesmo quesito, de 14% (com Biden) para 6%, no limite do empate técnico. Em suas respostas, os eleitores diziam que a Economia, com 21%, liderava entre as questões centrais na hora do voto, seguida por outra que favorece os democratas, o direito ao aborto, com 7%
Mudanças de números que não são mérito exclusivo da democrata. Kamala foi decididamente ajudada pelo caos trumpista. Após a saída de Biden, quando o comando da campanha republicana pedia para o ex-presidente relembrar os eleitores de que a vice era apenas uma nova face para o mesmíssimo governo, Trump preferiu questionar a identidade racial da adversária, debochar de sua risada, afirmar que seu sucessor tinha sido vítima de um golpe interno no Partido Democrata, que a nova chapa governista (com o governador Tim Walz, de Minnesota) era formada por dois “comunistas” decididos a oferecer absorventes em banheiros para meninos nas escolas públicas.
Demora pode ter custado a Trump votos preciosos
Demorou três longas semanas para retornar, no comício desta quarta-feira, aos dados que ajudaram a minar a candidatura Biden: nos últimos quatro anos, os preços de bens de consumo subiram 20,02%, o de alimentos 21,6%, o do aluguel 22% e o da eletricidade 31,7% nos últimos quatro anos. Batizou-os, finalmente, como a direita já anunciava nas redes sociais, de Kamalanomics. A demora pode ter lhe custado votos decisivos.
Nesta sexta-feira, será a vez de Kamala destrinchar sua receita para os próximos anos no menu econômico. Terá a difícil tarefa de se distanciar dos números traduzidos na imagem dos bolsos vazios cunhada por Trump, mas sem castigar medidas tomadas pelo governo do qual ainda faz parte. Uma das críticas dos republicanos é justamente a de que a vice, a menos de uma semana da Convenção Democrata, que começa na segunda-feira, não tenha participado sequer de uma entrevista. Sabem que uma das perguntas óbvias seria sobre sua agenda econômica para o país.
O GPS dos dois discursos sobre a economia também importa. E escancara o tamanho da onda Kamala. Eles foram marcados em cidades da Carolina do Norte. Pesquisas essa semana trouxeram mais uma dor de cabeça para Trump: o estado sulista, onde ele teve sua vitória mais apertada em 2020 (com metade dos votos que lá tivera em 2016) e que nas últimas quatro décadas só votou democrata em 2008, com Barack Obama, registra hoje empate técnico. Contra Biden, o ex-presidente liderava com vantagem de dois dígitos. Os 16 delegados da Carolina do Norte podem decidir em novembro a cada vez mais apertada batalha pela Casa Branca.
Fonte: O GLOBO
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