Direita tende a expandir presença nos municípios, analisa Carlos Ranulfo Melo, cientista político e pesquisador do Instituto da Democracia

Congresso Nacional - Senado Federal e Câmara dos Deputados — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Este artigo aborda a relação entre as disputas municipais e o quadro político nacional e o faz sob dois ângulos. Por um lado, o foco estará colocado no impacto da eleição presidencial de 2022 sobre as disputas municipais deste ano. Por outro, a ideia é mostrar em que sentido os resultados deste ano podem influenciar a eleição de 2026.

Pesquisas recentes têm mostrado que o percentual dos eleitores que afirmam não votar “de jeito nenhum” em nomes apoiados por Lula ou Bolsonaro para as prefeituras supera o dos que dizem votar “com certeza”. Na pesquisa nacional “A Cara da Democracia” de 2024, 26,5% dos entrevistados votariam com certeza em um candidato apoiado por Lula, 25,8% poderiam votar e 40,4% afirmaram que não votariam. Em se tratando do apoio de Bolsonaro, os percentuais foram de 19,7%, 25,8% e 48,9%, respectivamente.

Os números acima indicam que o apoio de Lula ou de Bolsonaro, por si só, pode ser importante para alavancar candidatos pouco conhecidos e com dificuldade para pontuar nas pesquisas — este seria o caso do Delegado Ramagem (PL) no Rio de Janeiro. Mas a depender do leque de escolhas colocado ao eleitor, a rejeição aos nomes do atual e do ex-presidente da República pode complicar as coisas. O quadro é pior para candidatos apoiados por Bolsonaro: a diferença entre os que rejeitariam a indicação e os que a sufragariam com certeza é mais expressiva (29,2 pontos percentuais) do que no caso dos apoiados por Lula (13,9 pontos percentuais).

Utilizando os dados da “A Cara da Democracia” (veja as informações sobre a pesquisa no fim do artigo), é possível ir além e avaliar o impacto da escolha realizada pelo eleitor no segundo turno da eleição presidencial de 2022 sobre o apoio de Lula ou de Bolsonaro na eleição de outubro próximo. A tabela abaixo mostra os resultados.

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Os dados mostram enorme similaridade quando são comparadas as respostas de eleitores de Lula e de Bolsonaro. Mostram ainda que a escolha feita em 2022 é um indicativo mais claro do que o eleitor rejeita em relação ao que ele apoia. Dos eleitores declarados de Lula, 47,7% seguiriam sua indicação, enquanto 32,5% preferiram dizer que poderiam votar – uma postura que remete ao exame do quadro eleitoral em seu município. A grande maioria destes mesmos eleitores (76,4%) rejeitaria a indicação de Bolsonaro. Para os que declararam ter votado em Bolsonaro, os percentuais são de 46,7%, 36,3% e 76,9%, respectivamente.

Entre os eleitores que se abstiveram (não compareceram, votaram nulo ou em branco) em 2022, a situação é diferenciada. Candidatos apoiados por Lula seriam rejeitados por 42,3%, mas 49,7% votariam com certeza ou estariam abertos a considerar tal possibilidade. A situação daqueles apoiados por Bolsonaro parece pior: 53,8% negariam o voto enquanto 39,8% votariam ou poderiam fazê-lo.

O efeito do apoio de Lula ou Bolsonaro em 2024, portanto, varia a depender do voto dado em 2022. A maior parte dos que votaram em um dos dois tende a seguir a sinalização agora dada. Mais importante, a forte, e similar, rejeição ao candidato apoiado pelo adversário na eleição passada indica o quão arraigadas estão as preferências entre parcelas expressivas do eleitorado.

O impacto de 2024 sobre 2026

Historicamente não existem evidências de que as eleições municipais tenham influência direta sobre as presidenciais. Para citar um dado banal: fossem as disputas pelas prefeituras importantes para a conquista do Palácio do Planalto, candidatos petistas não teriam vencido cinco das noves disputas desde 1989.

Mas quando se considera a disputa para a Câmara dos Deputados o quadro é distinto. As duas eleições encontram-se estreitamente vinculadas: candidaturas a prefeito nas capitais e principais cidades dependem do Fundo Eleitoral de seus partidos, o que é em grande parte definido pelo tamanho das bancadas em Brasília. Uma vez eleitos, e, nesse caso, em uma gama muito maior de municípios, os prefeitos esperam o apoio de “seus” parlamentares às suas reivindicações, na forma de emendas ou de intermediação de demandas em Brasília. Em troca, deputados esperam contar com a influência dos prefeitos aliados, e também dos vereadores de sua base, na batalha pela reeleição.

O gráfico abaixo permite iniciar a discussão pelas prefeituras. Nele, são apresentadas as curvas de desempenho dos maiores partidos — os que, em cada eleição, conquistaram pelo menos 100 prefeituras — agrupados em esquerda, centro e direita.

Como se pode perceber, partidos de direita e de centro alternaram posições até 2016: os primeiros mantiveram-se ligeiramente à frente em 2000 e 2004; entre 2008 e 2016,, foi a vez dos segundos. O melhor desempenho da esquerda foi em 2012, quando venceu em 27,5% dos municípios.

O quadro mudou em 2020. Naquele ano, o MDB venceu em 786 municípios, muito abaixo das 1.037 conquistas de 2016, e o PSDB despencou de 803 para 521 vitórias. Agregados, os partidos de centro recuaram de 41% para 28,9% das prefeituras. Os partidos de esquerda, depois do recuo em 2016, ficaram com 15% dos municípios em 2020. O PT caiu de 625 prefeituras em 2012 para 183 em 2020. No caso do PSB foram 415 vitórias em 2016 e 252 na última eleição.

Enquanto isso, oito partidos de direita conquistaram pelo menos 100 prefeituras em 2020. À exceção do PTB, todos melhoraram seu desempenho e, somados, passaram a controlar 56% das prefeituras país a fora. Os crescimentos percentualmente mais expressivos foram do Podemos (240%); Republicanos (100%); Democratas (74%); e PP (38,5%).

Ademais, levantamento publicado pelo GLOBO mostra que, computadas as trocas de partido realizadas após 2020, PSD, Republicanos, União, PL e PP ficaram com um saldo de cerca de 600 novos prefeitos, boa parte deles provenientes de pequenas legendas também situadas à direita do espectro partidário. Ao mesmo tempo, os partidos de centro perderam cerca de 170 prefeitos. A esquerda manteve-se como estava.

Os dados acima permitem dizer que a direita tende a expandir sua presença à frente das prefeituras com as eleições de 2024. Acrescente-se a isso a expressiva mudança na correlação de forças na Câmara dos Deputados entre 2014 e 2022. Nesse intervalo, o percentual de legisladores eleitos pelos partidos de direita saltou de 38,8% para 61,9% da casa. O centro recuou de 34,5% para 15%, e a esquerda, de 26,7% para 23,2%. Em maior número e dispondo de milhões de reais em emendas para suas bases, parlamentares de direita estão credenciados como jogadores importantes na eleição de outubro.

Por outro lado, a se confirmar, o crescimento da direita nos municípios irá contribuir com preciosos cabos eleitorais para que seus partidos em 2026 mantenham, ou tornem mais robusta, a condição de campo majoritário na Câmara. É claro que nessa equação deve ser levada em conta a eleição presidencial de 2026. Mas mesmo uma nova vitória da esquerda pode não reverter tal tendência —basta ver que, em que pese a volta de Lula à Presidência em 2022, a direita cresceu, enquanto centro e esquerda diminuíram no Congresso.

A pesquisa “A Cara da Democracia” foi realizada com 2536 entrevistas presenciais com eleitores de 188 municípios, de todas as regiões do país, entre os dias 26 de junho e 3 de julho de 2024. A margem de erro é estimada em dois pontos percentuais e o índice de confiança é de 95%.

*Carlos Ranulfo Melo é doutor em Ciência Política e professor titular aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG. É pesquisador do Centro de Estudos Legislativos e da equipe do Observatório das Eleições 2024, iniciativa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT IDDC).


Fonte: O GLOBO