Suspensão temporária da plataforma, antes conhecida como Twitter, acontece no momento em que oposição consegue superar anos de domínio do governo no debate digital

O proprietário do X, Elon Musk (à esq.), e o presidente venezuelano Nicolás Maduro — Foto: AFP

Há anos, o X, antes conhecido como Twitter, era um dos principais instrumentos de propaganda do chavismo para difundir a sua narrativa na Venezuela. No entanto, a onda vermelha que por muito tempo predominou entre os usuários do país sofreu uma virada durante o processo eleitoral, atingindo seu ápice com a contestação do resultado do pleito, que consagrou a vitória do presidente Nicolás Maduro. 

Na última quinta-feira, o impacto do ativismo digital nas ruas, tomadas por milhares de apoiadores da oposição, culminou na inédita proibição da plataforma, a princípio por 10 dias — o primeiro bloqueio a uma rede social em 25 anos de chavismo.

Diversos fatores explicam a mudança de postura do regime venezuelano com o X. Na superfície, há o recente embate de Maduro com Elon Musk, proprietário da rede desde 2022, acusado pelo chavista de colaborar com um "golpe cibernético" contra o seu governo e de promover os protestos após as eleições, em 28 de julho, que já deixaram 25 mortos, quase 200 feridos e mais de 2.500 presos. Por outro lado, Musk chama o mandatário de ditador e chega a convidá-lo para uma briga. Mas este está longe de ser o único motivo.

Embora o chavismo tenha apostado por anos em bots e financiamento de contas pessoais para amplificar suas postagens nas redes de forma inorgânica, a estratégia não impediu que a sua narrativa perdesse espaço na rede social preferida dos formadores de opinião e da mídia independente venezuelana.

Segundo análise do Observatório Digital Probox, publicada no jornal venezuelano Efecto Cocuyo, ao longo do mês de julho, o partido governista conseguiu pautar grande parte das discussões no X, promovendo 51 Trending Topics que renderam mais de 1,7 milhão de postagens, além de terem propagado 54% das hashtags que circularam na Venezuela. Isso, de acordo com o Probox, costumava ser o comum do modus operandi chavista.

A partir do dia 28 de julho, porém, as tendências começaram a mudar. Dois dias depois da votação, o perfil do Ministério do Poder Popular para Comunicação e Informação (MIPPCI) — principal conta para difundir a propaganda chavista — não conseguiu, pela primeira vez desde o início das análises do observatório, impulsionar nenhuma hashtag ou Trending. Todas as hashtags registradas no dia focavam nos protestos populares, ou cobravam a auditoria dos boletins das urnas e liberdade para a Venezuela (como #VenezuelaLibreDeDictadura, #YoDefiendoMiVoto, #MuestrenLasActas).

Na primeira semana de agosto, o chavismo conseguiu emplacar um ou outro Trending Topic no X, mas nenhum deles foi capaz de dominar o debate na plataforma como a oposição e a sociedade civil fizeram.

A título de comparação, em 2023 o partido governista dominou 81% das conversas no X entre usuários venezuelanos, promovendo Trending Topics que acumularam mais de 195 milhões de tweets, cerca de 95% das postagens do países. Apenas a conta do Ministério da Comunicação foi responsável por 50% dos assuntos que viralizaram na rede social.

De acordo com o observatório, a predominância da oposição na X foi percebida também através da análise de palavras-chave que se mantiveram entre as tendências por mais de um dia, como o próprio nome da líder da oposição, "María Corina", que acumulou mais de 1,3 milhão de tweets entre 28 e 31 de julho, e "atas", em referência aos boletins das urnas que o CNE não apresentou ao declarar a vitória de Maduro, que ficou nos Trending Topics no mesmo período com mais de 1,3 milhão de publicações.

Segundo o Relatório Global Digital deste ano do DataReportal, mais de 21 milhões de venezuelanos estão conectados à internet hoje, cerca de 73% da população. Enquanto o Facebook tem 14 milhões de usuários na Venezuela, o Instagram, 8,1 milhões e o TikTok ,12,3 milhões, o X está entre os últimos em número de usuários, com 2,3 milhões. A rede, porém, se tornou indispensável para o debate público no país, e é frequentemente usada para registrar truculências contra manifestantes em protestos e denunciar arbitrariedades cometidas pelo regime. Segundo Musk, o X é um dos aplicativos mais baixados no país na categoria "notícias".

Na prática, o bloqueio — que Maduro ameaçou tornar permanente — afeta sobretudo o público informado no país. Apesar do número mais baixo de usuários, as informações que circulam na plataforma repercutem em diversas outras redes sociais e ajudam a driblar a censura na imprensa tradicional.

Além disso, a medida — que pode se estender a outras plataformas digitais, como o WhatsApp, que também tem sido alvo de ataques por parte do regime — isola ainda mais os venezuelanos que vivem no país do que acontece no mundo.

Na segunda-feira, o Parlamento da Venezuela, controlado pelo chavismo, suspendeu o recesso parlamentar para dar início às discussões sobre um projeto de lei pela regulação das redes sociais no país, anunciou o presidente da Casa, Jorge Rodríguez. Segundo Rodríguez, as novas regulamentações foram um pedido de Nicolás Maduro e são essenciais para "acabar com a ditadura das redes sociais". Uma consulta pública sobre a proposta foi aberta nesta quarta-feira.

— A Venezuela precisa regulamentar o funcionamento das redes sociais. Vamos nos dedicar à tarefa nesta sessão de aprovar um pacote de leis que o senhor solicitou para poder cuidar e defender nossa população do ódio, das expressões de ódio social, do terrorismo e da disseminação de ideias fascistas e ideias de ódio nas redes sociais — disse Rodríguez durante um evento, dirigindo-se ao presidente Nicolás Maduro.


Fonte: O GLOBO