Convenções para as eleições municipais deste ano expuseram divergências internas e lançaram dúvidas sobre o cumprimento do objetivo da sigla do ex-presidente

As convenções do PL para as eleições municipais deste ano expuseram divergências internas e lançaram dúvidas sobre o cumprimento do objetivo da sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro: eleger ao menos mil prefeitos pelo Brasil. Em um cenário turbulento, viraram alvo de desgaste campanhas em que Bolsonaro e o presidente nacional da legenda, Valdemar Costa Neto, estão em lados opostos, bem como os palanques em municípios nos quais o partido estará com aliados de esquerda, contrariando orientação nacional.

Na tentativa de fortalecer a base mais fiel, Bolsonaro tem travado ainda um duelo com o comando do partido para vetar também nomes de centro. À revelia de Valdemar, grupos de direita têm feito uma força-tarefa para denunciar neoaliados. O objetivo é fortalecer a “guerra cultural” e preservar as bandeiras do bolsonarismo. Em algumas cidades, o próprio ex-presidente procura privilegiar aqueles que estão mais alinhados aos valores que o elegeram em 2018, independentemente da filiação partidária.

Palcos da discórdia — Foto: Editoria de Arte

Alvo: reduto de Valdemar

As divergências entre o ex-presidente da República e Valdemar se concentram em São Paulo, estado do dirigente partidário. Em Guarulhos, por exemplo, Bolsonaro apoia a candidatura do deputado estadual Jorge Wilson (Republicanos), o “Xerife do Consumidor”. Mas o candidato de Valdemar, filiado ao PL, é o vereador Lucas Sanches. 

Já em Ilhabela, Bolsonaro apoia Diana Almeida Matarazzo (Podemos), enquanto Valdemar lançou Toninho Colucci (PL). Diana era do PL até o início do ano, mas precisou sair da legenda para ser candidata. Aliados de Bolsonaro dizem que a vereadora é apadrinhada por Renato Bolsonaro (PL), irmão do ex-presidente e candidato a prefeito de Registro, cidade que fica na região do Vale do Ribeira (SP).
 
Em São Bernardo do Campo não há divergência entre Bolsonaro e Valdemar, mas ainda assim a decisão do partido contrariou militantes mais ligados ao bolsonarismo. O PL vai apoiar o deputado federal Alex Manente (Cidadania) e estará representado na chapa dele com o candidato a vice Paulo Chuchu. Manente chegou a ser alvo de vaias de bolsonaristas em um evento realizado na cidade no final de maio. Na ocasião, ele ouviu gritos de “fora, Manente” e foi chamado de “petista”. O PT também vai disputar na cidade e terá Luiz Fernando Teixeira como candidato.

Em Búzios, na Região dos Lagos do Rio, apesar de o PL ter candidato à prefeitura, o vereador Rafael Aguiar, o ex-presidente estará no palanque de Alexandre Martins, do Republicanos.

Em São Luís, capital do Maranhão, uma aliança improvável entre PT e PL se consolidou, o que é considerado inadmissível por bolsonaristas. Os dois partidos vão apoiar o mesmo pré-candidato, o deputado federal Duarte Junior (PSB). A composição ocorreu à revelia de resolução baixada por Valdemar na semana passada proibindo dobradinhas com o PT.

Filho primogênito de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) nega brigas da família com Valdemar, mas ataca quadros do PL que comandam diretórios locais.

— Em Búzios, por exemplo, não poderíamos apoiar um candidato como Rafael Aguiar, que escolheu um vice já apoiado pelo PT. Para nós, isto é inadmissível e estaremos sempre fora. Mas, quando falamos do partido em todo o Brasil, é necessário entender que ainda temos diretórios do PL que são comandados por pessoas anteriores ao bolsonarismo. É o caso do Maranhão, que tem um diretório completamente desalinhado com nossos valores e permitiram essa bizarrice que é um palanque compartilhado com o PT. Não apoiaremos isto, de jeito algum.

Além da capital maranhense, PT e PL vão estar juntos em outras cidades. Em uma delas, no interior de Santa Catarina, um prefeito do partido de Bolsonaro tem como vice um petista. Ari Pasinotto (PL) e seu candidato a vice, Valdenir Marchioro (PT), vão concorrer à reeleição em Xavantina, distante cerca de 500 quilômetros de Florianópolis.

Além da resolução do PL que proíbe as alianças com PT-PCdoB-PV e com PSOL-Rede, a presidente do PL Mulher, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, divulgou uma nota pedindo que casos onde esse tipo de coligação exista sejam denunciados.

Nas redes sociais, os militantes de Bolsonaro têm exercido pressão para manter distanciamento da esquerda ou de nomes de centro. Até mesmo o ex-ministro do Meio Ambiente e deputado Ricardo Salles, que saiu do PL e se filiou recentemente ao Novo, é cobrado.

Salles, considerado um linha-dura do bolsonarismo, foi alvo de questionamentos por causa da presença do ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (Republicanos) em palanque do governador de seu partido, Romeu Zema (MG). Ambos apoiam a chapa de Mauro Tramonte (Republicanos) à prefeitura de BH. Lá, Bruno Engler (PL) é a aposta do bolsonarismo, a quem a militância virtual exige fidelidade. Salles demonstrou irritação e expôs a situação do PL em vídeo gravado para as redes.

— Não dá pra dizer que isso (palanque em BH)prova que o Novo não é de direita. Menos, bem menos. Até porque está cheio de candidato do PL, inclusive em São Paulo, que foi contra o Bolsonaro em 2022, e agora está filiado ao PL para pegar dinheiro do fundo partidário e pegar votos dos bolsonaristas — rebateu Salles.

No Nordeste, o incômodo é grande. PT e PL estarão, por exemplo, na mesma coligação em cidades do interior da Paraíba. Em Aparecida, o prefeito João Neto (PSB) vai concorrer à reeleição com o apoio das duas legendas. Ao divulgar a convenção que confirmou sua candidatura, o prefeito compartilhou uma foto em que aparecia ao lado do deputado Wellington Roberto (PL-PB) e do governador João Azevedo (PSB).

No mesmo estado, os partidos de Lula e Bolsonaro também estão juntos na coligação de Julhinho (PP), candidato a prefeito de Piancó; de Bal Lins (PSB), candidato em São José de Piranhas; e de Matheus Bezerra (PSB), em Bananeiras.

Aposta em resolução

O presidente do PL na Paraíba é Wellington Roberto, que faz parte da ala menos ligada a Bolsonaro. Ainda assim, outros integrantes do partido minimizam as divergências e avaliam que a resolução que impede aliança com o PT será cumprida. Depois da proibição, por exemplo, as coligações que reuniram PT e PL nas cidades de Ingá e Monteiro naufragaram.

Marcelo Queiroga, candidato a prefeito de João Pessoa pelo PL e ex-ministro de Bolsonaro, disse que “um ato administrativo do partido pode mudar” as decisões locais que confirmaram as alianças com a esquerda.

— A resolução (que impede aliança com PT e outros partidos) foi dada e tem que ser cumprida, não tem conversa. Isso não é uma questão de ser contra o partido ou contra as pessoas, é uma questão de ser a favor do eleitor — disse Queiroga.

Apesar disso, ele evita o confronto com o presidente do PL na Paraíba.

— Wellington Roberto é um parlamentar antigo da Paraíba, tem sete mandatos. Nesses municípios menores do estado, onde ele é votado, existe muitos prefeitos que votam no Lula — disse.

No Ceará, o presidente do PL no estado, Carmelo Neto, teve que dissolver o diretório municipal do partido em Ipueiras para impedir que o PL apoiasse o candidato Nenem do Cazuza (PSB), que tem o PT na vice.


Fonte: O GLOBO