Extensão das atividades da facção criminosa não se restringe à venda da pasta da cocaína para os usuários de drogas que circulam pelo Centro de São Paulo

A maior operação policial feita na região da cracolândia de São Paulo revelou na terça-feira a extensão das atividades da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que não se restringe à venda da pasta da cocaína para os usuários de drogas que circulam pelo Centro.

 A organização também é responsável por crimes como receptação de armas e celulares, exploração de prostituição e de trabalho análogo à escravidão, segundo os promotores que participaram das investigações que levaram à operação Salus et Dignitas (saúde e dignidade, em latim). E com a conivência de integrantes ou ex-integrantes da Guarda Civil Metropolitana (GCM), que tiveram a prisão ordenada pela Justiça.

Mais de mil agentes das polícias Civil, Militar, Federal e Rodoviária Federal vasculharam hotéis, pensões e ferros-velhos que seriam usados para lavagem de dinheiro e distribuição de drogas. Os policiais removeram 78 veículos, lacraram 44 estabelecimentos, apreenderam dez quilos de entorpecentes e R$ 155 mil em espécie e cheques. Outros crimes constatados na execução da Salus et Dignitas foram a poluição do solo com reciclagem de ferro-velho, o uso de dependentes químicos para o trabalho análogo à escravidão na cracolândia e a captação ilegal das comunicações de rádio da polícia.

Foram presas cinco pessoas por determinação judicial e outras cinco em flagrante, além de outras três terem sido apreendidas para averiguação. Entre os presos, estão os guardas municipais Antonio Carlos Amorim Oliveira e Renata Oliva de Freitas Scorsafava. O agente da GCM Elisson de Assis e o ex-agente Rubens Alexandre Bezerra também tiveram a prisão determinada e estavam foragidos.

Extorsão e remoções

Os três guardas municipais e o ex-agente da GCM são acusados de cobrar taxas de comerciantes e moradores da região de Campos Elíseos e da Luz, onde fica a cracolândia, em troca de proteção contra roubos.

Segundo as investigações, eles eram contratados por síndicos de condomínios, donos de restaurantes e de comércios da região para também retirarem os dependentes químicos de sua vizinhança. O grupo teria chegado a receber R$ 6 milhões em propina, no período de quase um ano.

Em nota, a Prefeitura afirmou que em junho do ano passado já havia pedido ao Ministério Público a prisão de Elisson, mas o requerimento havia sido arquivado; o processo de expulsão do agente está concluído.

Amorim e Scorsafava foram afastados e o processo de expulsão de ambos está em andamento, acrescentou a prefeitura, lembrando que Bezerra foi expulso da corporação em julho de 2019.

Outro dos presos é Leonardo Moja, conhecido como Leo do Moinho, em referência à favela em que ele chefia o PCC, próxima da cracolândia. Ele chegou a ser preso em 2021 e há anos é investigado pela polícia e pelo Ministério Público como suspeito de ser o dono de hotéis e pensões que seriam usados para a distribuição de drogas na região. Moja ainda seria o responsável por imóveis que guardam armas dentro da favela.

Em junho do ano passado, Leo do Moinho ganhou a liberdade condicional. A Justiça entendeu que, como a última falta grave do criminoso havia sido em 2021, e ele tinha bom comportamento na prisão, poderia usufruir do benefício.

Em 2017, Leo já havia sido preso, acusado de ordenar a morte de um socorrista que entrou na favela do Moinho para atender a uma emergência e foi confundido com um bandido rival. Neste caso, o chefe do PCC deixou a prisão após ser beneficiado por uma saidinha temporária e não retornou ao presídio.

Também foi presa Janaína da Conceição Cerqueira Xavier, apontada como gerente do tráfico na cracolândia. Ela foi filiada ao PT e candidata a vereadora pelo partido em 2020, mas não foi eleita.

O promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), disse em coletiva que a investigação sobre o PCC na região durou mais de um ano e que a operação de terça foi “apenas o começo”.

— O papel do PCC é central, não existe nenhuma organização que possa florescer em algum local se ele não tem domínio do território — explicou o promotor.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que a operação deve levar à diminuição nos roubos e furtos no Centro.

— (A operação) ataca o ecossistema criminoso que se alimenta do tráfico. Tivemos prostíbulo fechado, atividades de receptação, armazenamento de produtos furtados — enumerou.

Como o PCC age na região
  • Ferros-velhos e reciclagem: dependentes trabalham em troca de doses de cachaça e pequenas quantidades de drogas. Foi identificado também exploração de trabalho infantil nesses locais.
  • Milícia da GCM: um grupo de agentes da Guarda Civil Metropolitana é acusado de vender segurança privada a comerciantes e moradores da região central. O Ministério Público diz que é atividade de milícia. Dois agentes foram presos e dois estão foragidos.
  • Hotéis e pensões: lideranças do PCC são donas de hotéis e pensões usados para lavagem de dinheiro. Os hotéis, todos de baixo padrão, também serviriam de estoque de mercadorias roubadas.
  • Bunker na Favela do Moinho: o MP identificou que a Favela do Moinho é usada para esconderijo de drogas e que lá funcionaria um tribunal de crime do PCC, onde a facção determina execuções e outras punições a desafetos ou pessoas que não pagam dívidas.

Fonte: O GLOBO