Dois dias após segunda-feira 'sangrenta', BC japonês sinaliza que não vai subir juros em momentos de volatilidade nos mercados. E isso afeta diretamente o câmbio no Brasil

O real já se desvalorizou 14% frente ao dólar americano este ano – o que faz da divisa brasileira registrar uma das piores performances entre as principais moedas do mundo. Mas, nos últimos dois dias, o real voltou a se valorizar com força.

Às 10h30, o dólar chegou a cair 1% e ser negociado por apenas R$ 5,59, na mínima do dia. Isso depois de te ser aproximado de R$ 5,90 na segunda-feira.

E o gatilho para a queda do dólar no Brasil foi um sinal dado pelas autoridades de um banco central que fica literalmente do outro lado do mundo. O vice-presidente do Bank of Japan (BOJ) afirmou, em discurso para líderes empresariais locais na cidade de Hakodate, no Norte do Japão, que a instituição será cautelosa e não vai aumentar as taxas de juros do país enquanto os mercados financeiros locais e globais estiverem “extremamente voláteis”.

Mas por que os rumos das taxas de juros no Japão influenciam o real? O que está em jogo?

Juros pelo mundo

Brasil e Japão são os únicos países, entre as principais economias do mundo, onde não há sinais de uma queda de juros no horizonte. Pelo contrário: o Japão subiu sua taxa básica em julho e, no Brasil, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC divulgada nesta terça-feira afirma que o colegiado “não hesitará” em elevar os juros caso a inflação saia da meta.

Enquanto isso, nos EUA, há a expectativa de que o Fed (Federal Reserve) inicie um ciclo de corte de juros no mês que vem. Outras grandes economias globais também estão reduzindo suas taxas.

E isso mexe com bilhões de dólares num tipo de aplicação comum no mercado financeiro global conhecida como carry trade – e que tem entre seus protagonistas justamente o real brasileiro e o iene japonês.

Cotações de dólar e e iene num painel de negociações em Tóquio — Foto: Kiyoshi Ota/Bloomberg

'Carry trade'


Mas afinal, o que é o carry trade? Esta é uma operação na qual os investidores ganham entre as diferenças previstas para o câmbio e para os juros entre dois países. Normalmente, o investidor toma dinheiro emprestado num país onde os juros é baixo e aplica em outro no qual a taxa é elevada.

O Japão manteve taxas baixíssimas de juros por vários anos, o que incentivou investimentos maciços feitos com carry trade lastreados em iene. Como os juros no Brasil pararam de cair em junho, numa tendência diferente da que ocorria no resto do mundo, grande parte do carry trade feito em iene nos últimos meses foram destinados a aplicações em real.

Assim que ficou claro que o Japão voltaria a subir sua taxa de juros, parte dessas posições de carry trade em real lastreadas em iene foram desmontadas. E isso é um dos fatores que explica a desvalorização da moeda brasileira – ou seja, a alta do dólar frente ao real – nos últimos meses.

Então, nesta quarta-feira, quando o BC japonês sinalizou que não fará nova alta de juros em momentos de forte volatilidade no mercado, a pressão sobre o carry trade em real arrefeceu – o que contribuiu para a alta do câmbio brasileiro nesta manhã.

Segunda-feira ‘sangrenta’

Na segunda-feira desta semana, a Bolsa de Tóquio desabou 12,4%, no maior tombo desde 1987, com os temores de que os EUA poderiam entrar em recessão.

Os mercados de ações do mundo inteiro tiveram fortes perdas, no que já ficou conhecido como “segunda-feira sangrenta”.

Mas a Bolsa de Tóquio teve a maior queda entre os principais índices globais justamente pelos efeitos indiretos das negociações com carry trade de iene sobre o preço das ações de empresas japonesas.

E, por tabela, o real brasileiro sofreu forte desvalorização, chegando a se aproximar de R$ 5,90.


Fonte: O GLOBO