Candidato da oposição afirmou que procedimento instaurado para contar votos em órgão judicial é irregular e que responder a citação o colocaria em risco

O candidato da oposição à Presidência da Venezuela, Edmundo González Urrutia, afirmou que não vai atender ao chamado da Câmara Eleitoral do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) para uma audiência na manhã desta quarta-feira, que tem por objetivo revisar o processo eleitoral que resultou na controversa reeleição de Nicolás Maduro, a partir do resultado oficializado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). 

Em uma carta aberta, González afirmou que o procedimento junto ao órgão judicial é irregular, fere as regras estabelecidas para a disputa eleitoral e que sua segurança pessoal estaria em risco caso comparecesse ao local.

"Pelos meios de comunicação, se difundiu uma pretensa citação para que eu compareça pessoalmente ante a Câmara Eleitoral do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a fim de consignar o material eleitoral e responder perguntas. No entanto, se eu fosse perante o Tribunal, o faria em uma situação de absoluta indefesa, porque o trâmite adiantado pela Câmara Eleitoral, tal como foi anunciado pelos meios de comunicação, não corresponde com nenhum procedimento legal contemplado na Lei Orgânica do Tribunal Supremo de Justiça ou outra lei sobre a jurisdição eleitoral", escreveu González, explicando seus motivos.

A Câmara Eleitoral do TSJ venezuelano havia anunciado que iniciaria nesta quinta-feira oitivas com os candidatos envolvidos no processo eleitoral. González seria ouvido às 11h (12h em Brasília), segundo o cronograma divulgado pela imprensa local. Maduro deve ser ouvido, junto às siglas de sua aliança de governo, no mesmo horário na sexta-feira.

Ainda de acordo com o candidato opositor, o procedimento anunciado pelo tribunal para apresentação e conferência dos resultados seria irregular por representar uma "usurpação as funções constitucionais" do CNE. González sugere que o órgão judicial estaria apenas certificando resultados "que ainda não foram produzidos de acordo com a Constituição e a lei, com acesso dos participantes às atas originais que sirvam de fundamento a uma totalização e proclamação e com as devidas auditorias".

González também argumentou que as atribuições constitucionais do Poder Eleitoral estavam sendo descumpridas no país e que o CNE não produziu uma totalização dos votos baseada nas atas disponibilizas às organizações políticas e candidatos participantes, insistindo que as originais comprovam sua vitória.

"O CNE não produziu ainda um resultado das eleições presidenciais conforme a Constituição e a lei. É função do CNE garantir a transparência e a confiabilidade dos processos eleitorais, o que só ocorrerá uma vez que se façam de conhecimento público as atas autênticas para escrutínio", escreveu. "Deve se efetuar uma verificação confiável com a presença de testemunhas das organizações políticas e candidatos e de observadores nacionais e internacionais".

O líder opositor também questionou sua citação via meios de comunicação a comparecer ao Tribunal, mencionando que nenhum "procedimento inquisitório" para determinar "preliminarmente a existência de supostas responsabilidades penais" teria previsão legal, e que não se sujeitaria a tal processo. Também citou declarações do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, que afirmou anteriormente que caso González não comparecesse, ou comparecesse e entregasse cópias da atas para verificação, sofreria consequências legais.

"Esse é um procedimento imparcial e respeitoso ao devido processo legal ou estou condenado por antecipação?", escreveu.

Questionamentos e críticas

Após o CNE anunciar a vitória de Maduro para um terceiro mandato, por uma margem mínima, quando apenas 80% dos votos haviam sido contabilizados na madrugada seguinte a eleição, a oposição disse que não reconhecia o resultado, alegando possuir parte das atas de votação recolhidas por todo o país, que indicaria uma grande maioria de votos para González.

Com o passar dos dias, a oposição começou a divulgar os documentos oficiais, aparentemente assinados pelos mesários de cada seção, indicando um resultado favorável ao seu candidato. O governo venezuelano criticou o que classificou como contagem paralela, acusando os opositores de tentarem subverter o resultado oficial. Os dois lados se acusam de tentativa de fraude.

Em meio à disputa de narrativas, Maduro apresentou um recurso eleitoral ao TSJ para que o órgão máximo do Judiciário assumisse o processo eleitoral e certificasse o resultado. Na segunda-feira, Elvis Amoroso, presidente do CNE, anunciou ter entregue toda a documentação relevante tribunal, que anunciou os próximos passos do processo de certificação — incluindo a oitiva com os representantes políticos. Oito dos nove candidatos se comprometeram a acatar a decisão.

A medida, porém foi questionada pela oposição unificada e por analistas críticos ao regime chavista, há 25 anos no poder. Em entrevista exclusiva ao GLOBO na sexta-feira, o diretor do Centro de Estudos Chinês Latino-Americano da Fundação Andrés Bello, Parsifal D’Sola Alvarado, que teve participação no Gabinete de relações exteriores de Juan Guaidó, disse que o recurso de Maduro no TSJ era uma manobra para dar institucionalidade a um resultado que não foi divulgado com a formalidade exigida antes do processo.

— Maduro entrou com uma ação judicial no Tribunal Supremo de Justiça, mas isso é simplesmente para ganhar tempo. É algo ilegal, porque o TSJ não tem nenhum tipo de jurisdição dentro do sistema eleitoral venezuelano. Está avançando sobre a responsabilidade do CNE — disse Parsifal. — Como é um caso judicial, os procedimentos acontecem a portas-fechadas. 

Quer dizer que uma "revisão" das atas, a portas-fechadas, pelo Tribunal Supremo de Justiça controlado por Maduro, é que pode chegar a uma sentença dizendo que todas as atas foram apresentadas, são reais e confirmamos Nicolás Maduro como presidente. O que Maduro está buscando é ganhar tempo e conseguir algum selo de aprovação, de institucionalidade, que lhe dê o triunfo.


Fonte: O GLOBO