Ex-deputada venceu por ampla margem as primárias celebradas em outubro do ano passado, mas não pôde registrar sua candidatura por estar inabilitada politicamente por 15 anos

Embora não tenha sido candidata nas eleições do mês passado — após ter a candidatura inabilitada pelo oficialismo —, María Corina Machado é o principal rosto da oposição venezuelana ao presidente Nicolás Maduro, no poder desde a morte de Hugo Chávez, em 2013. Velha conhecida da política venezuelana, a ex-deputada venceu por ampla margem as primárias da oposição celebradas em outubro do ano passado, e se mantém como principal porta-voz do grupo em um momento em que a reeleição de Maduro, anunciada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) é contestada pela falta de transparência na divulgação dos resultados.

Hoje com 56 anos, María Corina, que fundou em 2012 o partido Vem Venezuela, ficou conhecida por liderar a oposição mais linha-dura contra o então presidente Hugo Chávez. Nascida em Caracas, em uma família conservadora e católica fervorosa, seu apoio sempre foi limitado às classes mais altas do país e a parte dos venezuelanos no exílio. Mas hoje seus atos reúnem centenas de apoiadores das classes populares, inclusive nos redutos chavistas, longe da capital.

Luz Mely Reyes, veterana jornalista venezuelana e uma dos criadoras do Efecto Cocuyo, disse ao GLOBO no ano passado que vários fatores explicam o crescimento da ex-deputada, o que era impensável há alguns anos.

— O país está cansado do governo Maduro e, ao mesmo tempo, da incapacidade de liderança da oposição para conseguir mudanças. Tudo foi tentado, desde a via institucional, nas eleições de 2015, até o governo interino de Guaidó, em 2019. Isso, na minha perspectiva, tem fomentado um desejo de mudança geral. E María Corina Machado é vista como essa figura que pode impulsionar essa mudança — afirmou a jornalista na ocasião.

Engenheira industrial de formação, María Corina se destacou durante seu mandato, entre 2011 e 2014, como uma deputada combativa — e principalmente por suas críticas ferozes, tanto ao regime quanto à oposição. Uma das principais articuladoras das manifestações contra o governo de Maduro, em fevereiro de 2014, teve seu mandato cassado no mês seguinte pela Assembleia Nacional da Venezuela, comandada na época pelo chavista Diosdado Cabello, número dois do regime. Depois, em 2015, foi inabilitada politicamente e proibida de deixar o país.

Nos últimos anos, se opôs tanto ao autoproclamado governo interino de Juan Guaidó, que buscava o fim do chavismo pelo confronto, quanto ao setor moderado da oposição, que defendia a estratégia de retomar a via eleitoral para derrotar o governo nas urnas.

Seu nome, no entanto, se diluiu nos anos seguintes entre outros opositores. Em 2022, e após o fim do reconhecimento internacional de Guaidó, a "dama de ferro" voltou a atrair eleitores, desta vez lotando comícios em bairros mais pobres, ex-redutos chavistas.

Em junho do ano passado, sua inabilitação, que havia expirado em 2016, foi prorrogada para 15 anos, justamente quando sua campanha começava a deslanchar. A Controladoria, comandada pelo agora presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso, acusa agora a ex-deputada de corrupção e de promover sanções contra o país.

Por sua vez, a opositora acusou Maduro de descumprir o Acordo de Barbados, firmado em 2023, quando o governo anunciou uma data para as eleições de 2024, com a participação e observação de órgãos internacionais em troca da suspensão de algumas sanções impostas pelos EUA. No entanto, a decisão que desqualificou María Corina de se candidatar levou Washington a anunciar a volta das sanções.

A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, e o candidato a presidente Edmundo González Urrutia — Foto: Juan Barreto/AFP

Após ver a primeira substituta, Corina Yoris, também ser inabilitada, María Corina conseguiu articular a oposição a aprovar o nome de Edmundo González, um ex-diplomata de 74 anos, que assumiu a cabeça da chapa unificada. Com uma forte campanha eleitoral, na qual percorreu ao lado de seu candidato vários rincões do país, a opositora parece ter conseguido fazer com que seus apoiadores aceitassem votar no nome indicado em seu lugar —segundo a contagem das atas eleitorais divulgada pela oposição, ele teria recebido mais que o dobro de votos que Maduro.

Com o resultado apresentado pelo CNE, que confirmou a reeleição de Maduro antes mesmo do fim da contagem de votos e sem a transparência anteriormente acordada na apresentação das atas oficiais, María Corina convocou seus apoiadores às ruas para impedir o que classifica como uma fraude eleitoral. Os protestos, que por vezes se tornaram violentos em meio à repressão das forças de segurança, já resultaram em pelo menos 11 mortes, vários feridos e mais de 1,2 mil prisões.

A opositora tenta agora coordenar todas as frentes de pressão para fazer prevalecer o resultado que diz ser o verdadeiro. Em uma frente internacional, mantém diálogos com países da região, cobrando uma pressão externa. Em um artigo escrito ao The Wall Street Journal, intitulado "Posso provar que Maduro foi varrido", ela afirma que os venezuelanos já cumpriram seu dever, pedindo que agora os demais países tomem o próximo passo.

"Nós votamos para tirar Maduro. Agora cabe à comunidade internacional decidir se tolera ou não um governo demonstravelmente ilegítimo", escreveu a líder opositora.

Internamente, María Corina tenta manter a campanha de pressão popular que vem irritando Maduro e forçando as forças governistas a usar cada vez mais força para combater as vozes dissidentes, com uma atuação forte em bairros mais pobres, outrora redutos chavistas.

Ela também tentou, por meio de uma carta conjunta assinada com González, pediram aos militares — cuja cúpula mantém relações viscerais com o regime — para que agissem pelo fim da repressão à população, afirmaram que a eleição de 28 de julho foi “uma avalanche eleitoral”, e acusaram o presidente Nicolás Maduro de tentar realizar um “golpe de Estado”. Em resposta, os militares classificaram os apelos como “desesperados e sediciosos”.

(Colaborou Marina Gonçalves.)


Fonte: O GLOBO